segunda-feira, 4 de setembro de 2023

NEVER TRY TO SCAM A SCAMMER.


Vigarista, segundo o pai dos burros, é "aquele que, através de um ato de má-fé, tenta ou consegue lesar ou ludibriar outrem, com o intuito de obter para si uma vantagem". Dito isso, transcrevo um excerto de um texto publicado por Ricardo Kertzman no jornal Estado de Minas:

 

"Tem descrição mais apropriada para Lula, o ex-tudo (ex-condenado, ex-presidiário, ex-corrupto e ex-lavador de dinheiro), que engana pessoas desde quando ingressou na fase adulta? Enganava as viúvas pensionistas no sindicato (foi assim que conheceu a segunda mulher, Marisa Letícia), os empresários na Fiesp e os trabalhadores grevistas. Enganava até presidentes de outros países, mentindo sobre a fome no Brasil. Durante a campanha de 2022, questionado sobre o STF, olhou para as câmeras e perorou: "não é prudente, não é democrático um presidente querer ter, como ministro da Suprema Corte, um amigo", referindo-se às nomeações de Bolsonaro. Eis que, no dia 1º de junho p.p., o petista oficializou a indicação de seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, ao Supremo — para surpresa de ninguém; em 2006, ele cobriu com a suprema toga os ombros de Ricardo Lewandowski, amigo da família da esposa morta, e em 2009, de Dias Toffoli, advogado do PT. Tem de ser muito cara de pau para desmentir a si mesmo de forma tão escandalosa em pouco mais de seis meses."

 

Pois é. Quem criticou Bolsonaro por indicar um ministro "terrivelmente evangélico" não deveria normalizar o parâmetro de Lula, que cita como primeiro atributo para a escolha o fato de Zanin ter sido responsável por sua defesa contra as "injustiças da Lava-Jato" (se o capetão usasse o mesmo critério, teríamos no STF alguém como Frederick Wasséfalo). 


Ao presentear o conservador Zanin com a suprema toga, Lula subverteu a lógica que recomenda a quem tem calos evitar os apertos. O PT avalizou, com aplausos efusivos e silêncios constrangedores, a escolha do criminalista por serviços prestados, e agora grita em documento oficial contra os votos de Zanin. É como se exigisse que o ministro agradeça a Lula com a toga, atuando como mero prestador de serviços. 

 

A pressão oscila entre a inutilidade e a imoralidade. Em qualquer outro momento, a gritaria partidária seria apenas inútil, mas torna-se imoral quando é despejada sobre a conjuntura no instante em que Zanin leva aos refletores seu voto no julgamento sobre o marco temporal. Por uma dessas ironias supremas, o partido o PT adota a filosofia bolsonarista ao pressionar o recém-nomeado a se converter numa toga terrivelmente companheira. Ao rejeitar a hipótese de que Zanin seja dependente apenas da Constituição e da sua consciência jurídica, ainda que enviesada, a patuleia exige fidelidade ao partido, à ideologia e a Lula.

 

Em conversa com integrante do Prerrogativas (grupo integrado por advogados companheiros), um ministro palaciano usou a palavra "alforria" ao festejar a indicação da advogada Daniela Teixeira para a vaga de Felix Fischer no STJ. Segundo ele, Lula passou a dispor de "mais liberdade" para acomodar Jorge Messias (o "Bessias") ou Bruno Dantas na poltrona de Rosa Weber, que se aposenta no final do mês. A suposição de que o envio de uma mulher para o STJ reduzirá a pressão pela escolha de outra mulher para o Supremo é ilusória, mas o "redentor dos miseráveis" parece pautar sua escolha pelo gênero.

 

Lula decidiu desengavetar a PEC que visa despolitizar as Forças Armadas. O projeto estava no gavetão desde março, e sofreu uma lipoaspiração antes mesmo de ser formalmente protocolado no Congresso. No formato original, uma das alterações proíbe militares que decidem disputar eleições de retornarem ao posto em caso de insucesso, e outra obriga militares da ativa a passarem para a reserva antes de aceitar convites para ocupar cargos de ministro de Estado. Mas, pressionado pelos fardados, o governo decidiu retirar do texto o veto à presença de militares da ativa em ministérios. 


O recuo é constrangedor e revelador. Constrange porque, na prática, Lula avaliza uma das mais eloquentes aberrações da gestão Bolsonaro: a passagem do general Eduardo Pazuello pelo ministério da Saúde. Como todos se lembram, o pesadelo estrelado converteu a pasta, em plena pandemia, numa espécie de enclave militar, bem como adotou a linha do "um manda e outro obedece" e incorporou às decisões técnicas o negacionismo sanitário que converteu a cloroquina em remédio eficaz contra a Covid e tratou vacinas como bizarrices experimentais.

 

O recuo é revelador porque escancara a dificuldade de Lula em lidar com um dos temas mais candentes da fase pós-Bolsonaro. Ao suprimir da análise do Legislativo algo que os próprios comandantes das três Forças já haviam assimilado, o colosso que já rebaixou uma crise econômica planetária a "marolinha" trata militares como bibelôs suscetíveis a melindres, que não ornam com o papel constitucional de servidores fardados. 

 

Num instante em que deveria patrocinar um debate franco sobre quais FFAA o Brasil deseja ter, o presidente não teve nem mesmo a hombridade de assumir a paternidade da PEC: delegou ao seu líder no Senado a tarefa de assumir a autoria de uma proposta que já nasce perneta. Coube a Jaques Wagner, um senador petista que já ocupou o cargo de ministro da Defesa, a tarefa de justificar o recuo, e ele ofendeu a inteligência alheia alegando que a decisão de disputar eleições é "um ato voluntário" do militar, e que a nomeação de fardas da ativa para o ministério passa pelo convite do presidente, "uma pessoa que tem legitimidade concedida pelo povo".

 

Por último, mas não menos importante: O plano "engenhoso" de trocar o novo marco fiscal e outras pendências legislativas por emendas orçamentárias e adiar a minirreforma ministerial para passar a impressão de que é Lula — e não Arthur Lira quem manda na Esplanada deu com os burros n'agua. Até aqui, sua alteza caiu em todas as arapucas do Centrão e transformou a articulação para acomodar André Fufuca e Silvio Costa Filho na Esplanada num processo de autodesmoralização.

 

Diz-se que Lula está irritado. O Centrão está calmo. O grupo de Lira ainda nem acomodou em suas poltronas Fufuquinha e Silvinho, como os dois futuros-quase-ministros são chamados na intimidade, e já exige do chefe do Executivo uma reforma ministerial mais ampla para o início de 2024. O Centrão não fica com raiva. Fica com tudo.

 

Com Ricardo KertzmanJosias de Souza