Em seus delírios de grandeza, Lula tem adotado medidas para "recolocar o Brasil nos trilhos do crescimento". Na vida real, porém, os primeiros meses de seu terceiro mandato foram eivados de reprises de iniciativas catastróficas. Ao se posicionar contra as privatizações e defender as estatais, acena para o funcionalismo e os sindicatos (que integram sua base eleitoral). Ao nomear correligionários e aliados para cargos de direção, fomenta o ressurgimento de escândalos como o do Petrolão. A pergunta é: por que seguir velhos dogmas ideológicos que apostam no Estado como indutor do crescimento diante do retumbante fracasso da vizinha Venezuela?
Vislumbra-se nas artimanhas do PT e seus apoiadores um inequívoco desprezo pelas instituições. No final de 2022, o PCdoB — que ora integra a base governista — questionou no STF a Lei das Estatais, criada após os sucessivos escândalos descortinados pela Lava-Jato para impedir a nomeação de políticos para cargos de direção nas empresas. A vontade de empoderar o Executivo enseja a apresentação de projetos que visam restabelecer a censura, enfraquecer o combate à corrupção e reverter conquistas alcançadas durante o governo Temer (para Lula, o peemedebista foi o mentor intelectual do "golpe" que defenestrou a gerentona de araque do Palácio do Planalto).
Durante a campanha do marido, a atual primeira-dama se autodefiniu como pessoa "propositiva", do tipo que "não fica sentada", que "vai e faz." Decorridos oito meses, consolidou-se como uma espécie de ministra sem pasta. Seu ministério é invisível, mas Janja exala poder e desfruta de todas as conveniências sem os inconvenientes que a burocracia impõe à periferia da Esplanada.
Observação: Lula foi aconselhado a não dar a Janja um cargo oficial porque a presença dela no organograma a deixaria ao alcance de convocações do Congresso. Sem um cargo formal, madame concede e reivindica audiências com ministros, atrai autoridades para suas lives na internet e integra o time de auxiliares que têm um pé no Planalto, mas com uma diferença: nenhum ministro tem o outro pé no Alvorada.
As críticas à atuação da primeira-dama incluem desde alertas de aliados, que se sentem invadidos em suas atribuições, até ataques de oligarcas do Centrão, que enxergam as digitais da mulher do chefe no banho-maria em que o petista cozinha a reforma ministerial. Em privado, Janja diz estar "ressignificando" o papel de primeira-dama e reputa a "machismo" o zunzunzum que se ouve à sua volta. A alegada "ressignificação" pode vir para o bem ou para o mal. Considerando-se que não há na Constituição nenhuma atribuição para cônjuges de presidentes, a novidade flertará com o desvirtuamento se partir do pressuposto de que alguém adquire poderes especiais apenas por ser mulher de presidente.
Em um país onde metade da população não têm acesso a esgoto e mais de 1/5 não tem água tratada, a aprovação do Novo Marco do Saneamento pôs fim ao monopólio das ineficientes concessionárias públicas. Mas Lula não só assinou dois decretos que voltam a priorizar as estatais como quer ter canais de rádio e TV para oferecer "informação com credibilidade". Se esse descalabro prosperar, o Brasil terá sua primeira TV abertamente partidária e fará campanha 24 horas por dia.
A TV Brasil, criada por Lula em seu segundo mandato caiu nas mãos Bolsonaro em 2019. Inaugurada antes da propagação das plataformas de streaming, a emissora nunca passou do traço de audiência. Se a retórica privatista de Paulo Guedes fosse séria, o canal teria sido sepultado nos primeiros meses do governo. Como não era, a TV Brasil foi convertida em TV Bolsonaro — e transmitiu, entre outras aberrações, a infame reunião do então verdugo do Planalto com embaixadores (ensejando o processo que o tornou inelegível).
O PT, assentado na Presidência pela quinta vez em 43 anos de existência, deu-se conta de que precisa de emissoras de televisão e rádio para expandir sua rede de comunicação. O partido pede as concessões agora que volta a contar com trânsito livre e total influência no poder, e o faz sob a alegação de que necessita daqueles instrumentos para promover o "debate" e a "educação política" no país.
Pelo visto, a TV Brasil, os espaços garantidos às legendas nos veículos de comunicação mediante renúncias fiscais, as redes sociais, as transmissões das falas de seus parlamentares nas TVs Câmara e Senado são insuficientes. É preciso mais para a consecução do projeto de construção de hegemonia política e, sobretudo, social. A ideia é clara: "Divulgar nossa ideologia", nas palavras do secretário de comunicação do partido, Jilmar Tatto. Fazer proselitismo, pois. "Educar" segundo sua visão de mundo.
Observação: Pelo andar da carroça, ainda veremos Janja apresentando um programa de auditório.
O mundo tornou-se digital mas o PT segue analógico. Lula não se adaptou às lives, nas quais o antecessor nadava de braçada, ainda que a seu modo bruto e tosco. A maior repercussão que o petista conseguiu nesse terreno não teve nada que ver com os juros altos do BC, a democracia relativa de Maduro ou fascismo de Bolsonaro, mas com sua deselegante crítica à culinária francesa e italiana, que ganhou repercussão internacional. Jilmar Tatto poderia convidar Juscelino Filho para apresentar um especial equino. Como o Estadão revelou meses atrás, o ministro das Comunicações é tão apaixonado por cavalos Quarto de Milha que se submete até a desconfortáveis voos em jatinhos da FAB para acompanhar leilões desses animais.
Janeiro de 2023 ainda não havia acabado quando os ministros Daniela Carneiro e Juscelino Filho começaram a se enrolar em ocorrências desonrosas. Ela, numa esquisita relação eleitoral com milícias da Baixada Fluminense; ele, com o uso do dinheiro de emendas parlamentares para beneficiar fazenda da família no Maranhão. Daniela saiu da pasta do Turismo em julho, Juscelino seguia até ontem no comando das Comunicações, apesar de novos enroscos revelados nos últimos sete meses: recebimento de diárias e uso de avião da FAB em agenda pessoal, emprego de funcionário fantasma e autorização para "despacho" informal do sogro no gabinete ministerial.
Lula achou tudo isso pouco e pediu que o auxiliar provasse inocência. O ministro devolveu diárias, mas não dirimiu dúvidas sobre outras acusações. Agora, a PF revela que ele é investigado por desvios de recursos da Codevasf em prol da cidade de onde a irmã prefeita foi afastada do cargo por ordem do STF. Adepto da lentidão de rítmica também na dita reforma ministerial, Lula não se abalou. Autorizou aliados a dizerem que a situação de Juscelino pode atrasar o acerto com o Centrão, cuja formalização entra em seu terceiro mês desde que foram confirmados dois deputados do PP e do Republicanos para ministérios ainda sem definição.
Não se sabe quem sai, tampouco se mudará o perfil de algumas pastas ou se outras serão criadas, mas já conhecemos os futuros ministros de polivalência digna de figurar em "cases" de cursos de administração. O que temos é um presidente enredado num processo de indecisão só relativamente aceitável em novatos. Em alguém no curso do terceiro mandato, o obscuro vaivém revela descaso por assuntos internos ou pior: incapacidade de distinguir a tática de ganhar tempo da pura perda de tempo no exercício de governar.
Lula ainda tem muito a desaprender com o centrão de Arthur Lira. Nas duas primeiras passagens pelo Planalto, ele fabricava seus próprios escândalos; agora, no terceiro mandato, incorpora à sua gestão perversões que chegam prontas. Ele teve a chance de se livrar de seu ministro das Comunicações em março, mas optou por mantê-lo na chefia da pasta. Agora, assiste à explosão de um escândalo da era Bolsonaro dentro do seu governo que, cinco meses atrás, o noticiário deixou claro que era um escândalo policial esperando para acontecer.
Num mundo lógico, Juscelino nem estaria na Esplanada. Ele entende de manga-larga, não de Comunicações. No fundo, a audiência do Planalto serve para testar a integridade de Lula, não a honestidade do ministro. Em março, quando foi recebido por Lula, Juscelino parecia jurado de morte pelos fatos. A hesitação do presidente fez com que o ministro dos cavalos se sentisse cheio de vida. Deu no que esta dando.
Com Crusoé, Jerônimo Teixeira, Dora Kramer e Josias de Souza