domingo, 10 de dezembro de 2023

O TEMPO, O BÊBADO, A EQUILIBRISTA E A CIGANA 

 

Operando em ritmo de vai ou racha, Tarcísio de Freitas conseguiu que a privatização da Sabesp fosse aprovada pela Alesp na última quarta-feira, em meio a bombas de gás e spray de pimenta. Dos 64 deputados presentes, 62 votaram a favor. O governador enxerga a privatização como joia da coroa de sua gestão. O êxito não é impossível, mas o brilho imaginado por ele não aparece no projeto avalizado pelos deputados. O texto não traz estimativa do preço de venda, não menciona qual será a participação acionária do Estado nem inclui garantias de elevação dos investimentos. A vaga menção à "redução tarifária" para "a população mais vulnerável" pode ser entendida como aumento de preço para a clientela remediada.
Se as tarifas subirem depois que a empresa virar privada — sem trocadilho —, o eleitor pode não esperar até que todos os banheiros do Estado estejam interligados à rede de esgoto para dar o troco. Melhor faria o governador se se mirasse no exemplo do "Efeito Enel". A concessão do serviço público de energia elétrica em São Paulo à iniciativa privada foi considerada exitosa porque se imaginava que a simples ideia de afastar o Estado dos postes de luz evitaria os apagões. No início de novembro, depois que um temporal deixou milhões de consumidores sem luz por até seis dias, o governador culpou as árvores. A pressa privatista de sua excelência dá à mágica da venda da Sabesp uma aparência de cartola sem coelho. 

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Em tese, nossa viagem rumo ao futuro (que nunca chega, pois o hoje é o amanhã de ontem e o ontem de amanhã) começa no instante em que nascemos. Mas o tempo é uma dimensão física entrelaçada com o espaço — nem o cosmo é uma caixa rígida e inerte que contém as coisas, nem o tempo é uma linha reta pela qual as coisas fluem, numa sucessão de acontecimentos formados por passado, presente e futuro. 
 
Nossa percepção da passagem do tempo depende de diversas variáveis. Se estivermos quase borrando as calças e ouvirmos de quem está no banheiro o tradicional “só um minuto!”, esse minuto nos parecerá a antessala da eternidade. A um
leigo que lhe pediu que trocasse em miúdos sua famosa teoria, Einstein respondeu: "Coloque a mão na chama do fogão por um minuto e esse minuto parecerá uma hora; fique junto daquela pessoa especial por uma hora e essa hora parecerá um minuto."
 
Se ficarmos imóveis e observarmos o relógio, veremos o ponteiro dos segundos avançar num ritmo constante, como um trem avançando pelos pelos trilhos. Mas 
a velocidade do "trem do tempo" é inversamente proporcional à nossa; só não nos damos conta disso porque as velocidades que vivenciamos no dia a dia são ínfimas.

Observação: No paradoxo dos gêmeos — proposto pelo físico Paul Langevin em resposta à Teoria da Relatividade de Einstein — um gêmeo que ficava na Terra enquanto o outro viajava pelo cosmo numa velocidade próxima à da luz envelhecia bem mais que o irmão (devido ao fenômeno da dilatação temporal).

A velocidade do tempo é inversamente proporcional à nossa. A 180 km/h, 30 segundos são na verdade 29,99999999999952 segundos. Os relógios internos dos satélites artificiais que orbitam a Terra a 28.000 km/h atrasam 0,007 s/dia em razão da velocidade, mas adiantam 0,0045 s/dia devido à gravidade, que é menor a 20 mil quilômetros de altitude do que na superfície do planeta. Não fosse a relatividade de Einstein, essas compensações não seriam feitas, e a precisão dos GPS ficaria comprometida à razão de 10 km/dia.
 
A maneira como nosso cérebro registra a passagem do tempo é flexível, pois leva em conta emoções, expectativas, o quanto as tarefas exigiam de nós num determinado período e até nossos sentidos. Um evento auditivo, por exemplo, parece durar mais que um efeito visual. À medida que envelhecemos, o último ano parece ter passado depressa que os anteriores 
— depois dos 60, ainda sentirmos o cheiro do quentão das festas juninas quando nos damos conta de que falta menos de 1 mês para o ano novo. 
 
Por falar em ano novo, é comum r
elembrarmos o que aconteceu de ruim no ano que se foi e nos deixamos tomar por um (ilusório) sentimento de esperança em relação ao ano que se inicia. Mas o tempo é uma entidade fluida, impalpável e indivisível, e atribuir a ele um número novo cada vez que a Terra completa uma volta em torno do Sol serve apenas para tentar conferir alguma ordem ao Caos.

Observação: Não é o tempo que passa, nós é que passamos por ele como areia entre as âmbulas de uma ampulheta. Atribuir um número de série a cada ano é como tentar aprisionar o tempo num calendário de parede, pois sempre haverá um ministro do STF disposto a soltá-lo.
 
Até a invenção da escrita, os antigos mediam o tempo com base em fenômenos naturais sazonais. Mais adiante, os sumérios dividiram o ano em 12 meses de 30 dias, e os egípcios criaram um calendário lunar baseado na estrela Sirius (que "passava perto do Sol" a cada 365 dias). No final do século 16, o papa Gregório XIII instituiu o Calendário Gregoriano, que se popularizou porque usar o sistema de marcação de tempo instituído pelo Vaticano facilitava o relacionamento entre as nações européias.
 
Resta dizer que o título desta postagem remete a uma pérola de João Bosco e Aldir Blanc que Elis Regina imortalizou. Sobre a parte que toca à cigana, conta-se que Lula, quando ainda era
 presidiário, consultou uma cartomante para saber se voltaria a ser presidente. Ela o instruiu a cortar o baralho, dividisse em cinco montes e virar uma carta de cada. O resultado foi uma sequência de reis: KKKKK (para entender melhor, observe a figurinha que ilustra esta postagem). 

Infelizmente, a cigana se enganou.