domingo, 28 de janeiro de 2024

COMO NUVENS NO CÉU DO INFERNO

 

Não é mero chavão a máxima de que a política é como nuvem: a gente olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou. Em matéria de eleição, convém não tomar cenários antecipados como definitivos nem pesquisas como oráculos de Delfos. No quadro pré-eleitoral da capital paulista, por exemplo, a entrada de novos e significativos personagens em cena indica a possibilidade de reviravoltas na disputa aparentemente consolidada entre Guilherme Boulos, apadrinhada por Lula, e Ricardo Nunes, que o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas disse apoiar incondicionalmente. 
 
As bolas se dividiram quando Bolsonaro se referiu a Ricardo Salles como "prefeito", e Tábata Amaral embolou o meio de campo ao chamar o José Luiz Datena para sua décima filiação partidária. Desistente contumaz, o apresentador diz que agora está "com as pessoas certas", referindo-se a Geraldo Alckmin, que já se posicionou na linha de frente de Tábata na arena oposta a Lula, e este
 atraiu Marta Suplicy de volta às origens. 
 
Foi tudo, menos amigável o desembarque de Marta do staff de Nunes para apoiar seu principal adversário. Será tudo, menos amigável, a campanha que se avizinha tendo à frente o xamã do PT e o mix de mau militar e parlamentar medíocre que superou Dilma no ranking dos piores mandatários desta banânia desde Tomé de Souza

A despeito das correntes comparações da volta da ex-prefeita ao PT com a adesão de Alckmin ao campo de Lula em 2022, a realidade não autoriza tal paralelo. O ex-tucano, que militou a vida inteira no PSDB e foi adversário de Lula em duas disputas presidenciais (chegando mesmo a dizer que eleger o petista era reconduzir o criminoso à cena do crime), fez uma transposição diante da emergência de atração do centro, na qual uma figura de perfil marcadamente de centro-direita teria (como teve) condições reais de conquistar parte do eleitorado resistente ao PT

Agora, sem a urgência nacional de antes, o conceito de frente ampla perdeu força. Marta, cuja marca sempre foi de esquerda, volta ao curso original, o que torna duvidoso o efeito desejado de suavização na imagem de Boulos e ampliação significativa do terreno a ser ocupado. Em suma, foi uma boa jogada, mais ainda não está claro se foi certeira.
 
Nunca se viu uma eleição para alcaide paulistano com presidente e vice adversários e petistas sem candidatura própria. Nem com o PSDB fora do jogo. Outrora dominantes no território, os tucanos vivem a indecisão de ir com Nunes, embarcar na canoa de Tábata ou defender seu legado com Andrea Matarazzo. Como se sabe, os emplumados são tão indecisos que 
mijam no corredor se o imóvel tem mais de um banheiro. 
 
Nem a esquerda nem a direita têm interesse na pacificação dos ânimos, pois a moderação não é eleitoralmente sexy. Políticos se movem ao ritmo da demanda dos que lhes dão votos, e estes não se mostram inclinados a aderir à calmaria celebrada na teoria, mas rejeitada na prática. 

No final do ano passado, 90% dos eleitores de Lula e de Bolsonaro continuavam apegados às escolhas de 2022. Nesse universo, 30% declaram-se petistas convictos, 25% estão com o "mito" e não abrem, 10% se dizem mais próximos do petismo e 7% transitam na área de influência do bolsonarismo. Os ditos neutros, também chamados de "isentões", somam míseros 21%. 
 
Nenhum dos dois lados dá chance ao centro, que, desprovido de sex appeal, não faz sua parte no esforço da conquista. Segue como sujeito oculto das vitórias e derrotas eleitorais. Aos chefes das torcidas, interessa-lhes manter a galera
 mobilizada enquanto pregam a união de todos (desde que seja em torno de si). Lula não teria vencido sem a ajuda dos chamados neutros, e agora não tem força para caminhar com as próprias pernas.
 
Com Dora Kramer