Não é mero chavão a máxima de que a política é como nuvem: a gente olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou. Em matéria de eleição, convém não tomar cenários antecipados como definitivos nem pesquisas como oráculos de Delfos. No quadro pré-eleitoral da capital paulista, por exemplo, a entrada de novos e significativos personagens em cena indica a possibilidade de reviravoltas na disputa aparentemente consolidada entre Guilherme Boulos, apadrinhada por Lula, e Ricardo Nunes, que o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas disse apoiar incondicionalmente.
As bolas se dividiram quando Bolsonaro se referiu a Ricardo Salles como "prefeito", e Tábata Amaral embolou o meio de campo ao chamar o José Luiz Datena para sua décima filiação partidária. Desistente contumaz, o apresentador diz que agora está "com as pessoas certas", referindo-se a Geraldo Alckmin, que já se posicionou na linha de frente de Tábata na arena oposta a Lula, e este atraiu Marta Suplicy de volta às origens.
Foi tudo, menos amigável o desembarque de Marta do staff de Nunes para apoiar seu principal adversário. Será tudo, menos amigável, a campanha que se avizinha tendo à frente o xamã do PT e o mix de mau militar e parlamentar medíocre que superou Dilma no ranking dos piores mandatários desta banânia desde Tomé de Souza.
A despeito das correntes comparações da volta da ex-prefeita ao PT com a adesão de Alckmin ao campo de Lula em 2022, a realidade não autoriza tal paralelo. O ex-tucano, que militou a vida inteira no PSDB e foi adversário de Lula em duas disputas presidenciais (chegando mesmo a dizer que eleger o petista era reconduzir o criminoso à cena do crime), fez uma transposição diante da emergência de atração do centro, na qual uma figura de perfil marcadamente de centro-direita teria (como teve) condições reais de conquistar parte do eleitorado resistente ao PT.
Agora, sem a urgência nacional de antes, o conceito de frente ampla perdeu força. Marta, cuja marca sempre foi de esquerda, volta ao curso original, o que torna duvidoso o efeito desejado de suavização na imagem de Boulos e ampliação significativa do terreno a ser ocupado. Em suma, foi uma boa jogada, mais ainda não está claro se foi certeira.
Nunca se viu uma eleição para alcaide paulistano com presidente e vice adversários e petistas sem candidatura própria. Nem com o PSDB fora do jogo. Outrora dominantes no território, os tucanos vivem a indecisão de ir com Nunes, embarcar na canoa de Tábata ou defender seu legado com Andrea Matarazzo. Como se sabe, os emplumados são tão indecisos que mijam no corredor se o imóvel tem mais de um banheiro.
Nem a esquerda nem a direita têm interesse na pacificação dos ânimos, pois a moderação não é eleitoralmente sexy. Políticos se movem ao ritmo da demanda dos que lhes dão votos, e estes não se mostram inclinados a aderir à calmaria celebrada na teoria, mas rejeitada na prática.
No final do ano passado, 90% dos eleitores de Lula e de Bolsonaro continuavam apegados às escolhas de 2022. Nesse universo, 30% declaram-se petistas convictos, 25% estão com o "mito" e não abrem, 10% se dizem mais próximos do petismo e 7% transitam na área de influência do bolsonarismo. Os ditos neutros, também chamados de "isentões", somam míseros 21%.
Nenhum dos dois lados dá chance ao centro, que, desprovido de sex appeal, não faz sua parte no esforço da conquista. Segue como sujeito oculto das vitórias e derrotas eleitorais. Aos chefes das torcidas, interessa-lhes manter a galera mobilizada enquanto pregam a união de todos (desde que seja em torno de si). Lula não teria vencido sem a ajuda dos chamados neutros, e agora não tem força para caminhar com as próprias pernas.
Nenhum dos dois lados dá chance ao centro, que, desprovido de sex appeal, não faz sua parte no esforço da conquista. Segue como sujeito oculto das vitórias e derrotas eleitorais. Aos chefes das torcidas, interessa-lhes manter a galera mobilizada enquanto pregam a união de todos (desde que seja em torno de si). Lula não teria vencido sem a ajuda dos chamados neutros, e agora não tem força para caminhar com as próprias pernas.
Com Dora Kramer