sexta-feira, 22 de março de 2024

DANDO NOME AOS BOIS (PARTE 3)


Marx ensinou que a história sempre se repete, primeiro como farsa e depois como tragédia. Não é fácil diferencia uma coisa da outra no Brasil, mas a mim me parece que a campanha de Bolsonaro em 2018 se enquadra no rol das farsas e a vitória de Lula em 2022, no das tragédias (uma tragédia gerada por um eleitorado apedeuta, como frisaram Pelé e Figueiredo, e polarizado pelo "nós contra eles" parido pelo próprio Lula, mas isso é outra história).

Um levantamento feito pela Genial/Quaest junto ao mercado financeiro apontou que 64% dos entrevistados consideram negativa a gestão de Lula (12% a mais do que em novembro passado), mas que a aprovação do ministro da Fazenda cresceu 7 pontos percentuais. Ontem, o Datafolha divulgou que, dentro da margem de erro de dois pontos percentuais, as parcelas da população que aprovam e rejeitam a administração federal estão tecnicamente empatadas, e que a aprovação do petista em um ano e três meses de mandato está tecnicamente igual à Bolsonaro com o mesmo tempo de governo.

Ao atribuir o aumento da reprovação a "problemas de comunicação", Lula finge não ver que ele é o grande responsável. O conteúdo tóxico de suas falas destrambelhadas sobre Gaza elevou-o à categoria de "persona no grata" em Israel, e suas investidas intervencionistas na Petrobras e na Vale fizeram o valor de mercado das duas maiores empresas encolher bilhões de reais.   

Em vez de cortar despesas, o petista vê no aumento da arrecadação o caminho para bancar sua gastança eleitoreira. Em vez de governar o país, desperdiça tempo — e dinheiro do contribuinte — mostrando o mundo a sua cuidadora e torpedeando seu antecessor. Diz que "polarização é boa se a gente souber trabalhar os neutros para criar maioria e governar o Brasil", e que "o país foi polarizado durante décadas pelas disputas entre PSDB e PT", esquecendo de lembrar (ou lembrando de esquecer) que os adversários de outrora tinham punhos de seda, ao passo que os agora são trogloditas capazes de tudo.  

Durante a reunião, o Sherlock Holmes tupiniquim exibiu sua extraordinária capacidade dedutiva ensinando que o golpe não deu certo porque Bolsonaro é um "covardão". "Ele ficou quase um mês chorando no Palácio da Alvorada, foi para os Estados Unidos e, como o golpe não deu certo, diz agora que nós estamos ferindo a democracia, que não houve nada de concreto, mas sabemos que houve uma tentativa de um golpe nesse País". 


A campanha terminou em outubro e Lula tomou posse em janeiro, mas, em vez governar o país, continua atacando o bolsonarismo e chamando o "coisa" para briga. Eleito com a bandeira da "pacificação", atiça a oposição no Congresso e anima a disputa pelo espólio político de um político inelegível, elegendo-o seu adversário nas eleições de outubro. 


A disputa pode ser boa para Lula, mas cria um ambiente tenso, que o distancia ainda mais dos eleitores que o apoiaram por falta de opção. Na política, quem enfurece o adversário controla os seus movimentos. Tomado pela raiva, o petista desperdiça a paciência dos brasileiros que avaliam mal a sua administração. 


Desde que convocado para comandar a pasta da Justiça, Lewandowski vem tentando de tudo para demonstrar sua serventia. Mas o tudo ainda não quis nada com ele. Em Mossoró, sua excelência declarou que a operação de busca pelos dois foragidos "está se desenvolvendo com êxito", e que "o custo é elevado, mas necessário". Tão difícil quanto encontrar os criminosos é descobrir onde está o tal "êxito": passados mais de 40 dias e gastos mais de R$ 6 milhões, o paradeiro dos fugitivos continua incerto e não sabido. 

Cavalgando o caso Marielle, o ex-supremo togado promoveu a espetacularização do nada: "As notícias que temos é que vamos encontrar os criminosos em breve". Decorridos cinco dias, mandou chamar a imprensa e, correspondendo às expectativas de quem não vê motivos para esperar muito dele, limitou-se a anunciar que o STF homologou a delação premiada de Ronnie Lessa — o criminoso acusado de puxar o gatilho —, e que "brevemente teremos a solução do assassinato".  O problema de certos espetáculos é que o público não está devidamente ensaiado. "Queremos respostas", bateu a viúva da vereadora assassinada em 2018. 

Observação: Lewandowski vem do STF, onde há dois tipos de ministros: os que acham que são Deus e os que têm certeza. Na pasta da Justiça, sua maior decepção é a descoberta gradativa de ele que também está sujeito à condição humana.

A imagem de "imbrochável incomível e imorrível" que Bolsonaro se esfalfa para exibir com palavras não orna com seus atos. Sempre que a merda lhe chega à altura dos beiços, ele tenta atribuir a culpa a outrem. No jargão da caserna, o ex-capitão é do tipo que abandona os feridos no campo de batalha para salvar a própria pele. Em sua coluna no UOL, o desembargador aposentado Wálter Maierovitch escreveu que a minuta do golpe foi elaborada a partir das fantasias que Bolsonaro criou, que há "exuberância de provas" e que esse tipo de crime (sui generis) fica caracterizado mesmo que os preparatórios não ingressem na fase de exaurimento.

 

O ex-presidente golpista vem sendo empurrado para dentro de uma sentença criminal por seu ex-ajudante de ordens convertido em delator e pelos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, que se recusaram a aderir ao golpe. A PF já o indiciou por associação criminosa e inserção de dados falsos no sistema Saúde, e o ministro Alexandre de Moraes deu prazo de 15 dias para a PGR decidir se o denuncia. Caso afirmativo, caberá ao plenário da Corte decidir se converte o inquérito em ação penal e promover Bolsonaro e os outros 16 denunciados a réus.


ObservaçãoTramitam no STF outros seis inquéritos contra Bolsonaro: o das fake news, o das milícias digitais, o que apura atos violentos no Sete de Setembro de 2022, o da notícia falsa que relacionava a vacina contra Covid à Aids, o das joias sauditas e o da tentativa de golpe no 8 de janeiro de 2023. Outros dois indiciamentos devem ser enviados a Paulo Gonet antes das férias do meio do ano. 


Farejando o cheiro de queimado, a tropa de choque bolsonarista pendurou nas redes sociais imagens da multidão que recepcionou eu líder em Maricá (RJ), potencializando o paradoxo que envenena a conjuntura nacional: nas páginas do inquérito, Bolsonaro derrete como um picolé ao sol; nas ruas, sua musculatura política sugere que, mesmo não tendo o condão de livrá-lo de um encontro com o Código Penal, mantém em pé-de-guerra a tribo que o vê uma espécie de Tiradentes traído pelas provas que produziu contra si mesmo e pelos inconfidentes das "minhas Força Armadas".


Ainda que o ex-verdugo do Planalto esteja na bica de ver o sol nascer quadrado, satanizá-lo não elevará a taxa de popularidade do inquilino de turno. Ao se pautar pelo ressentimento, Lula se comporta como o sujeito que toma veneno na esperança de que seu adversário morra.