quarta-feira, 18 de setembro de 2024

DANDO NOME AOS BOIS



Patriotismo e chauvinismo parecem conceitos semelhantes à primeira vista, mas carregam diferenças profundas. Confundir um com o outro é como misturar alhos com bugalhos, capitão-de-fragata com cafetão de gravata ou a obra do mestre Picasso com a pica de aço do mestre-de-obras. Chamamos patriotismo a um sentimento baseado em valores nobres, voltado para o bem-estar do país. Já a palavra chauvinismo deriva do nome de um soldado francês, Nicolas Chauvin, famoso pela lealdade cega a Napoleão Bonaparte, donde o termo ser usado com o sentido de nativismo irracional, fanático, com pitadas de psicopatia. 


Como exemplo de patriotismo, cito as manifestações pelas Diretas-Já nos anos 1980; como exemplo de chauvinismo, a depredação das sedes dos Três Poderes protagonizada em 8 de janeiro de 2023 por uma récua de bolsonaristas lunáticos (com o perdão da redundância), que cantam o hino nacional para pneus, pedem ajuda a ETs e trotam para a Avenida Paulista sempre que seu "mito" sopra o berrante.

 

Em tempos de polarização, o que os peseudopatriotas chamam de patriotismo é na verdade um chauvinismo viceral, guiado pelo ódio a quem pensa diferente (veja-se o Brexit no Reino Unido e à invasão do Capitólio no EUA). No Brasil, esse fenômeno ganhou força durante a disputa presidencial de 2018 (não que campanhas eleitorais movidas pelo ódio sejam novidade nesta banânia), mas sua origem remonta ao final dos anos, quando Lula plantou a semente da cizânia com seu discurso de "noff contra eleff" (lembrando que os embates entre PT e PSDB eram mais ou menos civilizados). 


O detalhe — e o diabo mora nos detalhes — é que a raiva, quando industrializada, costuma ter um desfecho ruim. Jânio renunciou. Collor foi impichado. Bolsonaro perdeu a reeleição, ficou inelegível e vive sob a ameaça de uma sentença criminal (que, lamentavelmente, demora a acontecer). E a última pesquisa Quaest trouxe dados preocupantes para o Planalto e para o comitê eleitoral do PSOL em São Paulo: às vésperas do primeiro turno, a aliança de Boulos com Lula ainda não decolou — o apadrinhado atraiu apenas 43% dos eleitores paulistanos que votaram em seu padrinho na sucessão presidencial de 2022. 


Observação: Devido a essa "lulodependência", o vexame será compartilhado pelo padrinho se o afilhado não passar para segundo turno. Nessa hipótese, Lula perderia tanto para a direita representada por Tarcísio de Freitas, padrinho de Nunes, quanto para a ultradireita personificada em Marçal, que cresceu à revelia de Bolsonaro.

 

O cenário segue de empate triplo, mas Nunes e Marçal cresceram além da margem de erro, e Boulos ficou abaixo do patamar tradicional da esquerda (em Sampa), que gira em torno de 30%. Para agravar a situação, o ex-chefe do MTST vem perdendo terreno em áreas onde esperava crescer.


Em última análise, o mago memes e dos recortes foi enfeitiçado pelo próprio feitiço no debate da TV Cultura. Privado pelas artimanhas do sorteio de trocar farpas com os dois candidatos mais bem-postos nas pesquisas, Marçal esmerou-se nas provocações ao quinto colocado, levou uma cadeirada, tentou a administrar a agressão com método. Percebendo que seu plano de migrar da posição de encrenqueiro profissional para a de vítima havia micado, recalibrou rapidamente o discurso, queixou-se da falta de solidariedade dos adversários e declarou-se pronto para a guerra. Aprendeu da pior maneira um velho ensinamento de Tancredo Neves: a esperteza, quando é muita, engole o dono.

 

Costuma-se dizer que macaco esconde o rabo para falar mal do rabo alheio. Ao cobrar serenidade de Datena depois de fustigá-lo na noite de domingo, Marçal sentou-se no próprio cinismo. Vivo, Charles Darwin diria que a campanha municipal de São Paulo é a prova de que o ser humano não só parou de evoluir como fez o caminho inverso, rumo às cavernas.


Desde que Marçal revelou que se faz de idiota nos debates porque "o público gosta disso" aguardava-se um fato que justificasse o uso do ponto de exclamação que se escuta quando as pessoas dizem "não é possível!" Pois bem, o sinal foi dado: no debate Rede TV-UOL, constatada a impossibilidade de controlar quem age ou reage como se tivesse parafusos a menos, optou-se por banir o risco de que a patifaria resultasse num replay parafusando-se as cadeiras no chão. 


Se no último domingo a cadeira foi a grande vencedora, no debate de ontem quem se destacou foi a mediadora, que conduziu com firmeza as duas horas do programa. Nunes passou o debate inteiro — fora os instantes em que ele esteve se digladiando com Marçal — tentando grudar em Boulos a pecha de defensor da legalização das drogas; este, por sua vez, disse que Nunes a Marçal são faces da mesma moeda (porque buscam o vínculo com o bolsonarismo), mas que o primeiro é ruína e o outro, o abismo.

Nos embates anteriores adotou-se de tudo em matéria de endurecimento das regras — do puxão de orelhas à proibição do celular, passando pela expulsão da sala. Especula-se agora sobre o que virá depois da cadeira parafusada. Coleira? Focinheira? Jaula?
 
A conferir.