quarta-feira, 23 de abril de 2025

É PRECISO DAR NOME AOS BOIS

LIBERDADE É O DIREITO DE DIZER AOS OUTROS O QUE ELES NÃO QUEREM OUVIR.

Um dos piores legados da impunidade geral é não poder chamar ladrão de ladrão. Seja ladrão de estatal, seja ladrão de emenda, de gabinete, de esquerda, de direita, do Centrão, etc. 

A blindagem judicial blinda contra a descrição verbal objetiva, protegendo a imagem do ladrão na sociedade com a imposição do risco permanente de prisão, por crime contra a honra, quem ousar descrevê-lo à luz dos roubos impunemente cometidos, mesmo que fartamente comprovados. 

 

Existem segmentos moralmente corrompidos da sociedade, que, mesmo conscientes dos crimes, têm seus ladrões de estimação e fazem campanhas em defesa deles. Todavia, sem o alerta linguístico legitimado judicialmente, o segmento menos consciente dos atos criminosos e das manobras processuais que os acobertaram (ou das graves consequências de eleger pessoas sem caráter) tendem a ser novamente enganados, já que a ladroagem pressupõe disposição para a mentira. 

 

Ladrões de todos os matizes supostamente ideológicos, com poder concedido por variados segmentos da sociedade, se articulam para minar os mecanismos de combate à ladroagem que resultaram nos processos dos quais, não sem desgaste com cidadãos mais conscientes, acabaram se livrando. Com o desmantelamento desses mecanismos, eles passam a roubar livremente, a institucionalizar determinados tipos de roubo e a corromper ainda mais a administração pública, favorecendo a ala das elites econômicas mancomunada com o poder e distorcendo o mercado de trabalho com a concorrência desleal dos empresários favorecidos — não raro ligados às togas protetoras ou contratantes de familiares dos togados. 

 

Para controlar as narrativas circulantes e impedir a expressão de suas condutas, tanto empresários (patrocinando ou comprando) quanto agentes públicos (com verbas de publicidade) investem em veículos de comunicação onde a ladroagem sistêmica e a impunidade geral não são mais nomeadas como obstáculos à ordem, ao progresso, ao desenvolvimento econômico, à igualdade de oportunidades, à bonança e à paz social. Ao contrário, qualquer iniciativa para combatê-las é desqualificada e demonizada como um projeto de poder político, uma vez que se converte em ameaça perigosa a seus financiadores. 

 

O contraste entre o "garantismo" para os poderosos e o "punitivismo" para seus críticos turbina ressentimentos, tensiona o debate público, resulta em censuras veladas e oficiais, enfim, vai abrindo novos flancos para o autoritarismo a pretexto da defesa da democracia, o que termina por arrastar o país para uma disputa bizarra entre os praticantes do conchavo geral e os apoiadores do golpe de Estado.

 

É urgente, portanto, restaurar a linguagem, até para descrever a natureza dessa disputa. Afinal, um país onde só o ladrão de celular pode ser chamado de ladrão está fadado ao fracasso.


Com Felipe Moura Brasil