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quarta-feira, 2 de outubro de 2019

LULA LÁ (AGORA EM CASA)



Ao que parece, Lula quer manter a qualquer custo sua narrativa de preso político perseguido pela justiça injusta, condenado por um juiz parcial apenas para impedi-lo de voltar a presidir o país a que tanto bem ele fez durante seus governos. Diz que não troca sua dignidade pela liberdade — e nem poderia, pois não é possível trocar o que não se tem por algo que se finge não querer.

Da sala VIP onde se encontra hospedado desde abril do ano passado, o picareta dos picaretas insiste que demonstrou serem falsas as acusações contra ele, e que são seus acusadores, e não ele, que estão presos às mentiras que contaram ao Brasil e ao mundo. Parece piada, mas é fato, como também o é a própria Lava-Jato ter pedido sua progressão de regime.

Juristas, advogados criminalistas e outros palpiteiros divergem sobre se Lula tem o direito de se recusar a aceitar a progressão. Por outro lado, se ele realmente quer ficar preso, basta anular seu atestado de bom comportamento — destruindo a cela ou agredindo os policiais, por exemplo — ou se recusar a cumprir as medidas cautelares que podem ser impostas pela juíza da Vara de Execuções Penais Carolina Lebbos — como usar tornozeleira eletrônica, por exemplo.

Josias de Souza resumiu muito bem essa palhaçada: Pessoas normais morrem uma única vez, mas atores como Lula são reincidentes. E agora, o petista usa a cadeia como palco para encenar seu novo ato. Embora esteja preso há um ano e meio, não cumpre pena, dá espetáculos. Tornou-se uma espécie de presidiário-ostentação. Concede entrevistas em série. Vinha ensaiando uma troca de figurino. Planejara a migração gradativa do papel de vítima de hipotéticas injustiças para o de candidato a um terceiro mandato presidencial em 2022. À espera de uma decisão da 2ª Turma do Supremo sobre o pedido de suspeição que protocolou contra Sergio Moro, ordenou a seus advogados que se abstivessem de reivindicar o regime semiaberto, que evoluiria para a prisão domiciliar. Súbito, a força-tarefa de Curitiba atravessou na encenação do preso um pedido de progressão do regime, e o encarcerado foi forçado a improvisar sua pantomima da resistência, cuja encenação foi potencializada pelas mensagens surrupiadas por ladrões na operação de busca e apreensão que realizaram nos celulares da turma da Lava-Jato.

A parte mais complicada do teatro será encontrar um ponto de convergência entre o personagem que o próprio enxerga quando se olha no espelho e aquilo que passou a representar na vida real: um ficha suja inelegível até 2035, quando, se ainda estiver vivo, terá quase 90 anos. Para recuperar os direitos políticos, seria preciso que o Supremo anulasse a sentença do tríplex e que o juiz Bonat atuasse como um anti-Moro ao julgar novamente o processo. Sem mencionar que o petralha teria de torcer para que não surgisse uma nova condenação em segunda instância nos próximos três anos, o que é complicado para um colecionador de ações penais.

Beira o ridículo um corrupto e lavador de dinheiro condenado em três instâncias por 8 a 0 obter da legislação brasileiros, redigida por bandidos para beneficiar bandidos, reclamar de ir para casa. Como explicou Deltan Dallagnol, o Ministério Público atua na acusação, mas também representa o Estado e, como tal, não pode permitir a um acusado escolher o regime pelo qual cumprirá sua pena. Até porque o Estado não terá como explicar essa recusa às instâncias jurídicas superiores.

Como eu já comentei várias vezes, Lula quer ser absolvido, declarado inocente e ainda ver de camarote a condenação do ministro Sergio Moro e do procurador Deltan Dallagnol por parcialidade na acusação e na sentença. E ficar livre dos demais processos.

De um tempo a esta parte, a fraude que se autodeclara a alma viva mais honesta do país tornou se o rei dos spoilers a respeito de sua condição. Após ter recebido o pseudojornalista Verdevaldo das Couves na sala de estado-maior em que passou os primeiros 17 meses de sua pena, usou seus dons proféticos de sedutor de massas para dizer aos repórteres amigos Mônica Bergamo, da Folha, e Florestan Fernandes, do El País, que sua obsessão é desmoralizar o ex-juiz e o procurador. E agora teve outra premonição, ao afirmar que “seria um prazer” que ministro e procurador, dois inimigos figadais, entrassem no lugar dele na cela. Ou seja: o bandido quer ser solto somente quando o xerife e o delegado estiverem atrás das grades, e então tornar a disputar a presidência.

Será preciso conseguir de seus amigões no STF e em outros tribunais superiores o cancelamento não de um, mas de todos os processos a que responde. Terá também de bater todos os outros pretendentes numa eleição em que seu partido, o PT, não conta em princípio nem com o apoio de outros líderes de esquerda, como Ciro Gomes, que tem a mesma obsessão que ele. E, sobretudo, convencer o eleitor a votar num candidato condenado em três instâncias, por corrupção, lavagem de dinheiro e mais uma miríade de delitos.

Vencer esses obstáculos pode não ser fácil nem mesmo para um migrante que saiu da escassez para a abundância no prazo curto de uma vida. Mas não é prudente menosprezar a megalomania de um operário braçal que passou quase 14 anos no poder, e que agora tem a seu favor o absurdo de um sistema jurídico que o condena em três instâncias a quase 9 anos de cadeia, e ele fica preso um ano e cinco meses.

A cereja do bolo: O condenado que nunca experimentou o inferno presidiário brasileiro e vive a detratar agentes da lei, alguns dos quais heróis do povo, arvora-se a comandar a própria soltura. Tudo foi minuciosamente planejado e está sendo cumprido à risca. Seus empregadinhos no Congresso já aprovaram em votações simbólicas uma lei contra abuso de autoridade que já está coagindo juízes, promotores e policiais a seguirem as novas normas de conduta e deixarem à vontade criminosos de todos os tipos. A esquerda sem votos e o Centrão sem escrúpulos, com a muda cumplicidade do presidente da Banânia, que quer emplacar um filho na Embaixada do Brasil nos EUA e livrar outro de investigações sobre atos espúrios cometidos no seu gabinete de deputado na Alerj, dão dinheiro e poder a chefões das organizações criminosas partidárias. Tudo dentro do plano. Para completar, com a adesão de Cármen Lúcia, Rosa Weber e Alexandre de Moraes, o Supremo se prepara não para interpretar, mas sim corrigir a Constituição. Por enquanto, só poderão impedir esse plano o amor do povo ainda devotado a Moro, Dallagnol e, sobretudo, à eficiência da Polícia Federal na investigação sobre o hackers que abasteceram Verdevaldo com seu material roubado.

A complicada estratégia lulista de soltar os bandidões e mandar para suas celas (não a dele, que é privilégio de poderoso chefão) agentes honestos, inteligentes, judiciosos e trabalhadores da lei também é ameaçada pela empáfia de seus operadores. A réstia de esperança que surge entre as telhas vem da informação de que os bandidos de Araraquara que invadiram os celulares de quase mil autoridades no Brasil se acreditavam infalíveis. Walter Delgatti, o Vermelho, deu a senha. A Polícia Federal usou como antídoto dose do veneno que ele vendeu, ao ler mensagens trocadas com seus cúmplices, com autorização do juiz. Numa, um destes temeu que o pedido de férias do ministro da Justiça e da Segurança Pública pudesse representar risco. “(Moro) descobriu algo será?”, indagou o outro. “Ele (Moro) tá com medo, isso sim. Hacker aqui não deixa rastros. Hacker de hacker. Você não entendeu ainda. Quem nasceu para ser crash-overlong nunca vai ser hacker aqui”, respondeu Vermelho. Felizmente, não foi bem assim.

Com José Nêumanne.

EM TEMPO: Sobre a decisão do STF na sessão desta tarde, que deve delimitar o alcance da jabuticaba jurídica criada pela maioria que se formou na sessão da semana passada, clique aqui ouvir a opinião de Merval Pereira.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

EDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA: JULGAMENTO IMPORTANTE NO STF



Quase ao mesmo tempo em que Lula termina de cumprir um terço da pena a que foi condenado pelo STJ no caso do tríplex, o plenário do Supremo julga hoje (acompanhe ao vivo) um caso semelhante àquele em que a 2ª turma anulou a condenação de Aldemir Bendine. A decisão, como todos se lembram, baseou-se numa tese estapafúrdia suscitada pela defesa do réu, segundo a qual suas alegações finais deveriam ter sido aparentadas antes das do delator, que também é réu no processo.

RelembrandoNo mês passado, por 3 votos a 1, a 2ª turma derrubou uma decisão de Moro que havia condenado Bendine a 11 anos de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Foi a primeira vez que o Supremo anulou uma condenação de Moro, impondo uma das maiores derrotas da Lava-Jato até hoje, e também a primeira vez que a ministra Cármen Lúcia discordou de Fachin em julgamentos cruciais da Lava-Jato julgados na turma. Cármen se alinhou aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, mas ressaltou que o seu voto naquela ocasião considerou as peculiaridades do caso específico de Bendine, que foi obrigado entregar seus memoriais ao mesmo tempo que os delatores, embora houvesse solicitado prazo diferenciado. Com base na decisão que beneficiou Bendine, a defesa de Lula pediu à Corte que anule suas condenações, bem como uma ação que ainda não foi julgada na 13ª Vara Federal do Paraná, além de pedir que a alma mais honesta da galáxia seja posta em liberdade.

Agasalhar esse entendimento é absurdo, seja porque não há previsão legal que o ampare, seja porque em praticamente todas as ações criminais (originárias ou não da Lava-Jato) sempre foi dado às defesas o mesmíssimo prazo para as alegações finais, fossem os acusados delatores ou não — e jamais alguém, antes da defesa de Bendine, se insurgiu contra isso.

Se no plenário a maioria dos decisores acompanhar o entendimento da 2ª Turma, tanto os julgamentos de Lula quanto de vários outros condenados podem ser anulados e recomeçados do zero.

O TRF-4 deve julgar em breve o recurso de Lula contra a condenação no processo referente ao sítio de Atibaia, no qual juíza substituta Gabriela Hardt condenou o petralha a 12 anos e 11 meses de prisão. O desembargador João Pedro Gebran entregou seu voto no último dia 11, e o revisor Leandro Paulsen também já concluiu o seu, restando agora o presidente, Victor Luiz dos Santos Laus, marcar a data do julgamento.

Isso significa que Lula pode ser condenado novamente antes mesmo que os trâmites burocráticos para a progressão da pena sejam cumpridos, ou que seja mandado para casa e volte a cumprir a pena no regime fechado logo em seguida — a não ser que nesse meio tempo uma nova decisão do STF modifique a jurisprudência em vigor sobre o cumprimento provisório da pena após condenação em segunda instância.

Como salientou o juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelas ações da Lava-Jato no RJ, “no processo criminal brasileiro sempre houve delatores e delatados, réus confessos que depõem contra corréus”. A interpretação inusitada da 2ª Turma, que equipara delatores a auxiliares da acusação, não encontra respaldo na nossa legislação penal. Tanto é assim que o TRF-4 e o STJ referendaram a decisão do então juiz Sérgio Moro, debalde os esperneio da defesa.

Por se tratar de um entendimento sui generis e sem precedentes, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, decidiu submeter ao plenário o HC do ex-gerente da Petrobras Marcio de Almeida Ferreira, cuja defesa argumenta que o réu sofreu grave constrangimento por não poder apresentar as alegações finais após a manifestação dos réus colaboradores.

A depender vontade do ministro Dias Toffoli, atual mestre de cerimônias do circo supremo, o imbróglio em questão ficaria ad kalendas græcas  (as calendas eram o primeiro dia do mês romano, quando as pessoas habitualmente realizavam seus pagamentos, e como elas não existiam no calendário grego, referir-se às "calendas gregas" é o mesmo que dizer "no dia de São Nunca").

Comenta-se que os ministros buscam uma forma de delimitar os efeitos da decisão que beneficiou o ex-presidente da Petrobras, sendo uma delas anular apenas sentenças em que o condenado pediu mais prazo e teve a solicitação negada pelo juiz, como ocorreu no caso específico de Bendine, evitando que centenas de investigados, réus e condenados se livrem da cadeia.

Segundo o jornal GGN, a maioria dos ministros tende a manter a regra adotada no julgamento de Bendine, mas limitando-a para evitar um “efeito cascata” sobre outras sentenças da Lava-Jato. No caso de Lula, por exemplo, a decisão da corte não deverá ter impacto sobre o processo do triplex, pois o molusco abjeto já foi condenado em 3 instâncias, mas poderia beneficiá-lo no caso sítio de Atibaia, que está em grau de recurso perante o TRF-4. Como dito, o fator limitante deve ser o de exigir que o réu tenha reclamado do rito processual (a questão das alegações finais) desde a primeira instância.

A conferir.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

SOBRE LULA E BOBÔ


No meio de tanta notícia ruim, salvou-se ao menos uma alma do purgatório: a 2ª Turma do STF rejeitou por unanimidade o pedido da defesa de Lula para anular atos de Sérgio Moro na ação envolvendo o Instituto Lula — o único dos três processos originários da Lava-Jato em Curitiba que ainda não foi julgado em primeira instância. Cristiano Zanin e companhia desistiram de outros dois recursos cujo conteúdo era o mesmo do pedido de suspeição de Moro tratado no habeas corpus cujo julgamento deve ser concluído hoje. Edson Fachin e Cármen Lucia votaram na primeira etapa; resta saber como se posicionará o decano Celso de Mello, já que os votos de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski são fáceis de prever.

Agora uma notícia não tão boa, sobretudo pelo impacto no mercado financeiro: Em relatório conclusivo, a PF atribuiu ao presidente da Câmara os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e caixa dois em investigações que envolvem a delação da Odebrecht no âmbito da Lava-Jato. Com isso o IBOVESPA, que estava se recuperando timidamente durante a manhã de ontem, voltou a despencar no final da tarde.

Observação: Na planilha de propinas da empreiteira, Rodrigo Maia que é identificado como Botafogo, teria recebido R$ 350 mil nas eleições de 2010 e 2014. No dia 23, o ministro Fachin concedeu prazo de 15 dias para a PGR decidir se oferece denúncia. O presidente da Câmara, um dos mais ferrenhos defensores da recondução de Raquel Dodge ao cargo de procuradora-geral da República, não conseguiu seduzir Jair Bolsonaro, e ainda virou matéria-prima para a chefe do MPF.

Mudando de um ponto a outro, Bolsonaro negou desavenças com Moro, mas reagiu quando questionado se o ministro teria carta branca: “Eu tenho poder de veto em qualquer coisa, senão eu não era presidente. Todos os ministros têm ingerência minha. Eu fui eleito para mudar”. Sobre essa postura do capitão, submeto ao leitor as seguintes considerações:

Com quase oito meses de governo, o capitão se divide entre o político que ostenta índices positivos de avaliação e aspira à reeleição e o que é criticado até por seus apoiadores. O comportamento combativo — sobretudo contra o PT e a corrupção — que lhe garantiu a vitória sobre o bonifrate manipulado por Lula parece não funcionar fora do palanque — e talvez por isso ele continue agindo como se estivesse em plena campanha.

Sem preparo para exercer o cargo nem consciência do tamanho da cadeira presidencial, o "mito" dispara os impropérios que lhe vêm à cabeça — da defesa extremada do filho 03 para assumir a embaixada no EUA à afirmação leviana de ONGs e governadores promovem queimadas na Amazônia para prejudicá-lo. Mas há uma estratégia por trás disso: manter sua usina de crises à todo vapor desvia o foco dos índices cambaleantes na economia e mantém inabalável a fé dos bolsomínions, o que pode lhe ser útil caso não seja abatido em seu voo de galinha e venha a disputar a reeleição em 2022.

Mas será seu governo tão ruim quanto dizem? Para responder essa pergunta é preciso ter em mente que a maioria das coisas só é ruim ou boa em comparação com outras da mesma natureza. Partindo dessa premissa, a questão passa a ser: será o atual governo pior do que foi o de Dilma Rousseff ou de Lula? E se comparando ao de Fernando Collor, então, ou ao de José Sarney?

Apesar dos pesares — e olha que não são poucos — e dos esforços da turminha do quanto pior melhor, é improvável que o governo Bolsonaro seja um desastre total, ou que o centroavante seja expulso de campo antes do final da partida. Improvável não significa impossível, mas como fará a oposição para reunir no Congresso três quintos dos parlamentares se na última vez que a Câmara votou uma questão essencial, a reforma da Previdência, deu 74% dos votos para o governo?

 Em outros governos, foram necessárias graves crises econômicas para que a população ficasse em pé de guerra contra o presidente. FHC, entre a reeleição e o início do segundo mandato, teve de lidar com a desvalorização cambial e se desgastou por completo com o apagão de 2001. Dilma perdeu capital político nos protestos de 2013 e desabou de vez com o ajuste fiscal fracassado do segundo mandato. Lula é um caso à parte, pois deixou o Palácio com a popularidade nos píncaros — o que lhe permitiu eleger e reeleger a gerentona de araque e, à sombra dela, continuar enchendo as burras a mais não poder — e acabou na cadeia.

Recente levantamento feito pelo Instituto FSB Pesquisa dá conta de que 45% dos entrevistados acreditam que o presidente deixará um legado positivo. Somente 8% disseram que sua gestão será ruim e 21% apostam que ela será péssima. Mas é bom lembrar que 15 milhões de brasileiros acreditam que a Terra é plana e que a Apollo 11 jamais pousou na Lua.

Independentemente de você ter votado ou não em Bolsonaro e dos motivos que o levaram a tal, seria esperar demais que ele se revelasse um estadista, considerando a maneira como encerrou sua carreira militar. Para quem não sabe ou não se lembra, em 1986, quando tinha 31 anos, o capitão publicou na revista VEJA um artigo em reclamava do soldo — que lhe rendeu 15 dias de prisão e um processo por indisciplina. No ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente e o insurreto foi absolvido de todas as acusações, mas sua carreira militar terminou ali.

Depois que deixou o Exército, aquele que viria a ser o 38º Presidente desta republiqueta de bananas resolveu tentar a sorte como vereador — na hipótese de não se eleger, seu plano B era aproveitar o curso de mergulho que fizera anos antes para trabalhar como limpador de casco de navio. Após dois anos na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, ele venceu a primeira das 7 eleições para deputado federal que disputou. No Congresso, respondeu a sete processos por quebra de decoro parlamentar, apresentou 172 projetos e foi relator em 73 deles, mas conseguiu aprovar somente dois. Passou os 27 anos seguintes como um membro do baixo-clero, sem destaque, sem poder e sem uma turma para chamar de sua. 

Em meados de 2014, então filiado ao fisiológico PP — cuja bancada de 40 deputados era adestrada para apoiar qualquer um com chance de vencer —, apresentou-se como opção para concorrer ao Planalto e lançou seu ultimato: “Ou o PP sai da latrina ou afunda de vez”. Graças à Lava-Jato, o PP afundou de vez; graças a sua pregação antipetista, foi reeleito como o deputado mais votado do Rio de Janeiro (saltando de 120,6 mil votos em 2010 para 464,5 mil em 2014). Em 2016, trocou o PP pelo PSC, depois namorou com o PEN (que virou Patriota para acolhê-lo), rompeu com a sigla ao descobrir que ela havia patrocinado uma ação no STF questionando a prisão em segunda instância (tema que interessava sobretudo a Lula e ao PT e feria de morte seu discurso antipetista) e acabou se filiando ao PSL. Em outubro passado, derrotou o esbirro de Lula por uma diferença significativa de votos, além de contribuir para que o PSL, até então nanico, elegesse 52 deputados federais, 4 senadores e 3 governadores.

Dora Kramer pondera que os presidentes que terminaram seus mandatos, falando da redemocratização para cá, tinham como traço comum uma espécie de freio interno que os impedia de ultrapassar (em público, ao menos) a linha que determina até onde pode ir um mandatário. O limite de Sarney era a transição democrática, o de FHC, a consciência de que o poder em si limita, e o de Lula, o apoio popular e/ou político. Mas fato é que os dois presidentes mandados de volta à planície antes de completado o tempo regulamentar não tinham ou não utilizavam essa ferramenta tão essencial ao exercício da governança. Ambos de personalidade impositiva, faziam o gênero “vão ter de me aguentar”. 

Má notícia para Bolsonaro, a quem tanto apraz ser do jeito que é, sem intenção de mudar. Disso sabemos, ninguém muda depois dos 60. Patente está também tratar-se de um caso de exibicionismo crônico, cujas causas aos meandros de sua mente pertencem. A dúvida, portanto, recai sobre aonde pensa chegar o presidente com essa pose de valentão old fashioned.

É certo que desperta identificação em setores ainda amplos. Verdade também que serve de distração à ausência de qualificação para o exercício do cargo e faz a festa dos ressentidos, tanto os que o aplaudem quanto aqueles que acreditam exercer oposição atuando na mesma sintonia de insultos e fantasias persecutórias. O dom de distrair, contudo, tende a desviar o autor de seus propósitos, levá-lo ao caminho da incoerência que resulta na quebra de princípios anteriormente defendidos. Daí para a perda de apoios importantes é questão de tempo. Acontece isso com Bolsonaro em seu afã de medir a República pela régua de seus interesses e convicções pessoais.

Quem o elegeu o fez na crença da prometida mudança de paradigmas vigentes nos governos do PT e até antes deles. Pois o que o presidente tem feito é justamente adotar e acirrar velhas práticas como o filhotismo, o mandonismo, o intervencionismo, o histrionismo e demais “ismos” incompatíveis com um ambiente de razoável modernidade e civilidade. Esbravejou contra o aparelhamento petista, mas tenta aparelhar o Estado quando interfere no funcionamento de órgãos de fiscalização. Condenou roubalheira e desmandos, mas atua para proteger os suspeitos que lhe são caros. Confronta até o eleitorado robusto representado pelo agronegócio quando suas diatribes contra ações de preservação do meio ambiente põem o sustentáculo da pauta de exportações sob o risco de retaliações.

A continuar com a agenda e a conduta regressivas, não irá a lugar nenhum, tantas são e serão as barreiras de contenção que encontrará num país que já percebeu as vantagens e se acostumou a viver nos parâmetros da institucionalidade. Se pensa formatar adiante novo arranjo de alianças, é tarde, pois esses parceiros potenciais já guardam distância e se organizam para tomar rumos próprios.

sábado, 3 de agosto de 2019

O DESTEMPERO BOLSONARIANO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


A Justiça Federal do DF decidiu converter em preventivas as prisões temporárias dos quatro suspeitos de envolvimento na invasão de celulares de autoridades, que estão presos desde a semana passada, quando a PF deflagrou a Operação Spoofing. A propósito, o chefe do bando, Walter Delgatti Neto, é réu por ter aplicado um golpe de R$ 623 mil no Itaú, em 2017, quando desbloqueou 44 cartões de crédito para fazer compras. Mas ele garante que hackeou autoridades e jornalistas de graça, por patriotismo e senso de justiça. Como disse Millôr Fernandes, “desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal”.

Nem a Velhinha de Taubaté para acreditar nessa falácia, no patriotismo de Verdevaldo, na honestidade de Lula e na ponte que partiu toda essa cambada de fidumas. Dito isso, segue o baile:

Dizia Ricardo Boechat que se pode morrer de várias maneiras no jornalismo, menos de tédio. Com efeito. É impossível fugir a essa dura realidade. Sobretudo quando se escreve sobre o cenário político nacional: você nem bem termina de redigir um artigo e novos acontecimentos já o transformam em matéria vencida.

Depois da posse do presidente em meio à novela do caso Queiroz, o rompimento da barragem do Córrego de Feijão desviou o foco da mídia. Na sequência, para ficar somente nos casos mais notórios, vieram o incêndio do Ninho do Urubua exoneração de Gustavo Bebiannoo escândalo escatológico do Golden Showera denúncia de estupro apresentada por Najila Trindade contra Neymar Cai-Cai — que deu em nada; o jogador não será indiciado e a suposta vítima pode responder por crime de denunciação caluniosa — a Vaza-Jato de Verdevaldo e a escolha de zero três para ocupar a Embaixada do Brasil nos EUA, sem mencionar toda sorte de crises geradas pela guerra de egos entre Bolsonaro e Rodrigo Maia durante a claudicante tramitação da PEC Previdenciária e de um sem-número de pronunciamentos infelizes do capitão, que ainda age como se estivesse em plena campanha eleitoral.

Ter um presidente sem tramela, mordaça ou “freio de arrumação” é um teste para nossa incipiente democracia (a mordaça é sugestão do ministro Marco Aurélio, que bem poderia tomar ele próprio uma colherada desse remédio). Mas esperar que Bolsonaro mude sua natureza é o mesmo que acreditar na Fada do Dente ou na inocência de Lula. Nem a finada Velhinha de Taubaté!

A maneira “desrespeitosa” com que o capitão tratou o “desaparecimento” do ativista político Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente lulista da OAB — que não é flor que se cheire, quando mais não seja por ter dito em entrevista à Folha de S. Verdevaldo que “Sergio Moro usa o cargo, aniquila a independência da PF e ainda banca o chefe de quadrilha ao dizer que sabe das conversas de autoridades que não são investigadas”, além de injuriar uma colega advogada insinuando que ela é uma “prostituta”, assim como a mãe de tantos outros colegas de profissão — continua dando pano pra manga. E o mesmo se aplica à resposta dada a jornalistas por Bolsonaro ao ser perguntado sobre a chacina no Centro de Recuperação Prisional de Altamira, no Pará “Perguntem às vítimas dos que morreram lá o que elas acham e depois eu respondo”.

Feitos por cidadãos comuns num balcão do boteco, comentários como esses seriam toleráveis, mas são indesculpáveis quando vêm de um presidente da República (qualquer que seja ele). Pode-se dizer que o capitão se espelha em Trump, e que suas frases destemperadas o aproximam dos bolsominions. Porém, ao fazer como Lula e o PT, cujas narrativas são direcionadas à patuleia que segue cegamente a seita do inferno (e, portanto, não precisa ser convencida de nada), Bolsonaro frustra milhões de eleitores que votaram nele justamente para evitar o retorno dessa caterva ao poder. As reformas estruturais, fundamentais para um recomeço de crescimento econômico, não podem ficar ameaçadas por arroubos personalistas de quem continua no palanque, obcecado por destruir adversários reais ou imaginários.

Ainda que a linguagem do capitão não seja exatamente “presidencial”, não se pode perder de vista que o sistema prisional tupiniquim está falido. Em sua fala, Bolsonaro foi na contramão da “criminolatria”, hoje tão em moda no Brasil, onde o foco do sistema penitenciário é o relaxamento de prisões, o abrandamento das penas e a “ressocialização” dos criminosos. Os presídios se transformaram e universidades do crime, onde entram batedores de carteira e saem assaltantes, latrocidas, estupradores ou coisa pior.

O ex-ministro Raul Jungmann já havia feito esse diagnóstico, e Moro vem se empenhando em reverter o quadro com seu pacote de medidas anticrime, mas a banda podre do Congresso e do Judiciário se aliam a criminalistas “garantistas” visando criminalizar o ex-juiz da Lava-Jato e os integrantes da força-tarefa, bem como buscar artimanhas legais para devolver à liberdade o ex-presidente criminoso que, nunca é demais lembrar, está preso há quase 16 meses e deve ser condenado novamente numa das sete ações penais em que é réu e ainda não foi julgado. Mas isso é conversa para outra hora.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

PT X MORO — MAIS UMA TENTATIVA DE CRIMINALIZAR O MOCINHO E ENDEUSAR OS BANDIDOS.



O partido dos picaretas classificou como “armação” o inquérito que investiga a invasão dos celulares de Moro e de outras autoridades (ao todo, são quase 1.000 aparelhos, dentre os quais os do presidente da República, o que, no mínimo, configura crime contra a segurança nacional).

O PT, através de nota divulgada na noite da última quarta-feira (veja a transcrição no final da postagem), afirmou que o ministro da Justiça “comanda” o inquérito da PF com o propósito é "produzir  mais uma armação contra o partido" — o que é típico de quem mede os outros pela própria régua —, e que as investigações confirmam a autenticidade das conversas ilegais e escandalosas que Moro tentou desqualificar nas últimas semanas. Mesmo depois que um dos advogados dos criminosos mudou a narrativa (que a princípio negava o envolvimento de seus clientes com as invasões) e declarou que a intenção de Walter Delgatti Neto — apontado como o responsável pelas invasões — seria vender as mensagens obtidas ao PT, essa caterva ainda têm a cara-de-pau de falar em "criminosa tentativa de envolver o Partido dos Trabalhadores num caso em que é Moro que tem de se explicar e em que o maior implicado é filiado ao DEM".

Também por meio de nota, o DEM disse que não tem como controlar as ações de todos os seus filiados, mas, pelo sim, pelo não, expulsou Delgatti. Já a revista Veja, que a exemplo de diversos veículos de imprensa se alinhou ao panfletário comuna de Glenn Verdevaldo, publicou que “SUPOSTOS HACKERS” de Moro e Dallagnol movimentaram mais de R$ 627 mil depois que o Intercept começou sua campanha difamatória. É triste ver uma publicação que tanto prestigiou o combate à corrupção e aos corruptos descer a esse ponto.

Com a confissão e provável delação premiada de Delgatti, resta saber quem está por trás do hackeamento das autoridades e jornalistas. Particularmente, acho difícil tudo se resumir a esses quatro gatos pingados; se alguém pagou pelo serviço, é preciso localizar esse alguém e saber com que intenção ele fez o que fez. E as informações sobre a Lava-Jato foram repassadas para o site The Intercept, pode-se argumentar que, ao divulgá-las, os editores cumpriram sua função jornalística protegida pela Constituição, mas alguns juristas entendam que, como esse material só poderia ser obtidas com autorização judicial, o site e quem mais o publicou deveria, no mínimo, desconfiar que sua origem era ilegal.

Se houve pagamento pelas informações, é preciso apurar se o trabalho foi encomendado pelo pagante ou se foi realizado e, posteriormente, seu produto foi vendido ao site ou a quem quer que seja. Se o pagamento foi feito antes, Verdevaldo e companhia foram cúmplices. E como o crime continuou a ser praticado até a véspera da prisão dos envolvidos, com os celulares do ministro Paulo Guedes e da deputada Joice Hasselmann sendo invadidos, a situação do Intercept se complica ainda mais se houve pagamento por novas informações nesse período.

Mudando de pato pra ganso, a revista eletrônica Crusoé assevera que, antes mesmo de atender aos rogos de sua mulher, Roberta Rangel, e da mulher do amigão do peito, Guiomar Mendeso atual presidente dos togados supremos teria manifestado publicamente seu interesse em investigações do Coaf, do MPF e da PF sobre Greenwald. Agora, ao agasalhar o pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, o ministro paralisa por atacado uma miríade de investigações e processos em que houve compartilhamento de informações do Coaf com o Ministério Público sem prévia autorização judicial.

Além de zero um e seu ex-factótum Fabrício Queiroz, uma caudalosa enxurrada de criminosos — de sonegadores a traficantes, passando pelo curandeiro abusador João de Deus e pela seleta confraria de políticos investigados, denunciados e réus na Justiça — foram beneficiados pela decisão de Toffoli, e alguns deles, como o ex-deputado emedebista Edson Albertassi e o deputado estadual pedetista reeleito Luiz Martins, ambos réus na Lava-Jato e presos no Complexo de Gericinó, já entraram com pedidos para suspender as investigações.

Na última terça-feira, Raquel Dodge ingressou com embargos declaratórios contra a decisão de Toffoli, por considera a liminar ultra petita — ou seja, que ela extrapolou o pedido feito pela defesa ao abranger todas as investigações em andamento no país (vale lembrar que um juiz, em sua decisão, não pode ir além do que é solicitado pelas partes).

A procuradora-geral argumentou que o intercâmbio de informações do Coaf com investigações do Ministério Público é fato corriqueiro no ordenamento jurídico brasileiro, que o Supremo sempre referendou essa utilização, e que a decisão "suspendeu toda e qualquer investigação, inquérito, ação penal e execução penal em curso no território nacional em que haja informação do COAF, da Receita Federal e do BACEN ao Ministério Público, o que vai muito além do que foi pedido pelo requerente em petição avulsa e pelo Ministério Público no recurso extraordinário".

Resta saber se Toffoli imporá limites ao alcance da controversa liminar ou se ao menos levará o assunto ao plenário do Supremo (que retoma as atividades no início do mês que vem). A informação que se tem é de que ele tenciona consultar seus colegas sobre uma possível antecipação do julgamento da ação relativa ao compartilhamento de dados entre órgãos de controle e de investigação, que está pautado para novembro. Todavia, ensina a sabedoria popular que em pinto de padre, barriga de criança e cabeça de juiz não se deve confiar.

Voltando ao protagonista da tragicomédia espúria que objetiva libertar o sevandija eneadáctilo e enxovalhar Sérgio Moro e os procuradores da Lava-Jato, além, sabe-se agora, de desestabilizar a República como um todo, a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Verdevaldo se tornou fundamental depois que os quatro bois de piranha foram apanhados e seu líder, Walter Delgatti Neto, vulgo “Vermelho”, confessou ter sido o responsável pelas invasões, liberou para a PF todos os seus arquivos armazenados na nuvem e afirmou ter dado ao site The Intercept o acesso a informações capturadas do aplicativo Telegram em sua megaoperação.

Observação: Principal alvo da Operação Spoofing, Delgatti foi preso com a boca na botija, enquanto acessava uma conta no aplicativo Telegram em nome do ministro da Economia, Paulo Guedes. A informação foi confirmada na última quarta-feira, durante uma coletiva do diretor do Instituto Nacional de Criminalística e do coordenador-geral de Inteligência da PF. O líder da gangue depôs na noite de terça-feira acompanhado por um defensor público, mas trocou de advogado no dia seguinte.

Em postagem no Twitter, Moro escreveu: "Parabenizo a Polícia Federal pela investigação do grupo de hackers, assim como o MPF e a Justiça Federal. Pessoas com antecedentes criminais, envolvidas em várias espécies de crimes. Elas, a fonte de confiança daqueles que divulgaram as supostas mensagens obtidas por crime". Leandro Demori, editor do Intercept, respostou: "Nunca falamos sobre a fonte. Essa acusação de que esses supostos criminosos presos agora são nossa fonte fica por sua conta". Em nota, a defesa de Verdevaldo disse que não comenta assuntos relacionados à identidade de suas fontes anônimas. E dá-lhe óleo de peroba!

As investigações correm sob sigilo e quase nada se sabe além do pouco que foi divulgado, mas essa história ainda vai feder. E muito.

A nota de PT:

O ministro Sergio Moro, responsável pela farsa judicial contra o ex-presidente Lula, comanda agora um inquérito da Polícia Federal com o claro objetivo de produzir mais uma armação contra o PT.
As investigações da PF sobre as pessoas presas em São Paulo confirmam a autenticidade das conversas ilegais e escandalosas que Moro tentou desqualificar nas últimas semanas.
Acuado, o ex-juiz repete seus conhecidos métodos: prisões espetaculares e vazamentos direcionados contra seus adversários. É criminosa a tentativa de envolver o PT num caso em que é Moro que tem de se explicar e em que o maior implicado é filiado ao DEM. O PT sempre foi alvo desse tipo de farsa, como ocorreu na véspera da eleição presidencial de 1989, quando a polícia vestiu camisetas do partido nos sequestradores do empresário Abílio Diniz antes de apresentá-los à imprensa. O PT tomará as medidas judiciais cabíveis contra os agentes e os responsáveis por mais esta farsa. Quem deve explicações ao país e à Justiça é Sergio Moro, não quem denuncia seus crimes.
(a) Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do PT.
(a) Paulo Pimenta, líder do PT na Câmara dos Deputados
(a) Humberto Costa, líder do PT no Senado Federal

Dando tempo e jeito, não deixe de assistir à discussão sobre esse furdunço no Jovem Pan Morning Show desta quinta-feira: