quarta-feira, 2 de outubro de 2019

LULA LÁ (AGORA EM CASA)



Ao que parece, Lula quer manter a qualquer custo sua narrativa de preso político perseguido pela justiça injusta, condenado por um juiz parcial apenas para impedi-lo de voltar a presidir o país a que tanto bem ele fez durante seus governos. Diz que não troca sua dignidade pela liberdade — e nem poderia, pois não é possível trocar o que não se tem por algo que se finge não querer.

Da sala VIP onde se encontra hospedado desde abril do ano passado, o picareta dos picaretas insiste que demonstrou serem falsas as acusações contra ele, e que são seus acusadores, e não ele, que estão presos às mentiras que contaram ao Brasil e ao mundo. Parece piada, mas é fato, como também o é a própria Lava-Jato ter pedido sua progressão de regime.

Juristas, advogados criminalistas e outros palpiteiros divergem sobre se Lula tem o direito de se recusar a aceitar a progressão. Por outro lado, se ele realmente quer ficar preso, basta anular seu atestado de bom comportamento — destruindo a cela ou agredindo os policiais, por exemplo — ou se recusar a cumprir as medidas cautelares que podem ser impostas pela juíza da Vara de Execuções Penais Carolina Lebbos — como usar tornozeleira eletrônica, por exemplo.

Josias de Souza resumiu muito bem essa palhaçada: Pessoas normais morrem uma única vez, mas atores como Lula são reincidentes. E agora, o petista usa a cadeia como palco para encenar seu novo ato. Embora esteja preso há um ano e meio, não cumpre pena, dá espetáculos. Tornou-se uma espécie de presidiário-ostentação. Concede entrevistas em série. Vinha ensaiando uma troca de figurino. Planejara a migração gradativa do papel de vítima de hipotéticas injustiças para o de candidato a um terceiro mandato presidencial em 2022. À espera de uma decisão da 2ª Turma do Supremo sobre o pedido de suspeição que protocolou contra Sergio Moro, ordenou a seus advogados que se abstivessem de reivindicar o regime semiaberto, que evoluiria para a prisão domiciliar. Súbito, a força-tarefa de Curitiba atravessou na encenação do preso um pedido de progressão do regime, e o encarcerado foi forçado a improvisar sua pantomima da resistência, cuja encenação foi potencializada pelas mensagens surrupiadas por ladrões na operação de busca e apreensão que realizaram nos celulares da turma da Lava-Jato.

A parte mais complicada do teatro será encontrar um ponto de convergência entre o personagem que o próprio enxerga quando se olha no espelho e aquilo que passou a representar na vida real: um ficha suja inelegível até 2035, quando, se ainda estiver vivo, terá quase 90 anos. Para recuperar os direitos políticos, seria preciso que o Supremo anulasse a sentença do tríplex e que o juiz Bonat atuasse como um anti-Moro ao julgar novamente o processo. Sem mencionar que o petralha teria de torcer para que não surgisse uma nova condenação em segunda instância nos próximos três anos, o que é complicado para um colecionador de ações penais.

Beira o ridículo um corrupto e lavador de dinheiro condenado em três instâncias por 8 a 0 obter da legislação brasileiros, redigida por bandidos para beneficiar bandidos, reclamar de ir para casa. Como explicou Deltan Dallagnol, o Ministério Público atua na acusação, mas também representa o Estado e, como tal, não pode permitir a um acusado escolher o regime pelo qual cumprirá sua pena. Até porque o Estado não terá como explicar essa recusa às instâncias jurídicas superiores.

Como eu já comentei várias vezes, Lula quer ser absolvido, declarado inocente e ainda ver de camarote a condenação do ministro Sergio Moro e do procurador Deltan Dallagnol por parcialidade na acusação e na sentença. E ficar livre dos demais processos.

De um tempo a esta parte, a fraude que se autodeclara a alma viva mais honesta do país tornou se o rei dos spoilers a respeito de sua condição. Após ter recebido o pseudojornalista Verdevaldo das Couves na sala de estado-maior em que passou os primeiros 17 meses de sua pena, usou seus dons proféticos de sedutor de massas para dizer aos repórteres amigos Mônica Bergamo, da Folha, e Florestan Fernandes, do El País, que sua obsessão é desmoralizar o ex-juiz e o procurador. E agora teve outra premonição, ao afirmar que “seria um prazer” que ministro e procurador, dois inimigos figadais, entrassem no lugar dele na cela. Ou seja: o bandido quer ser solto somente quando o xerife e o delegado estiverem atrás das grades, e então tornar a disputar a presidência.

Será preciso conseguir de seus amigões no STF e em outros tribunais superiores o cancelamento não de um, mas de todos os processos a que responde. Terá também de bater todos os outros pretendentes numa eleição em que seu partido, o PT, não conta em princípio nem com o apoio de outros líderes de esquerda, como Ciro Gomes, que tem a mesma obsessão que ele. E, sobretudo, convencer o eleitor a votar num candidato condenado em três instâncias, por corrupção, lavagem de dinheiro e mais uma miríade de delitos.

Vencer esses obstáculos pode não ser fácil nem mesmo para um migrante que saiu da escassez para a abundância no prazo curto de uma vida. Mas não é prudente menosprezar a megalomania de um operário braçal que passou quase 14 anos no poder, e que agora tem a seu favor o absurdo de um sistema jurídico que o condena em três instâncias a quase 9 anos de cadeia, e ele fica preso um ano e cinco meses.

A cereja do bolo: O condenado que nunca experimentou o inferno presidiário brasileiro e vive a detratar agentes da lei, alguns dos quais heróis do povo, arvora-se a comandar a própria soltura. Tudo foi minuciosamente planejado e está sendo cumprido à risca. Seus empregadinhos no Congresso já aprovaram em votações simbólicas uma lei contra abuso de autoridade que já está coagindo juízes, promotores e policiais a seguirem as novas normas de conduta e deixarem à vontade criminosos de todos os tipos. A esquerda sem votos e o Centrão sem escrúpulos, com a muda cumplicidade do presidente da Banânia, que quer emplacar um filho na Embaixada do Brasil nos EUA e livrar outro de investigações sobre atos espúrios cometidos no seu gabinete de deputado na Alerj, dão dinheiro e poder a chefões das organizações criminosas partidárias. Tudo dentro do plano. Para completar, com a adesão de Cármen Lúcia, Rosa Weber e Alexandre de Moraes, o Supremo se prepara não para interpretar, mas sim corrigir a Constituição. Por enquanto, só poderão impedir esse plano o amor do povo ainda devotado a Moro, Dallagnol e, sobretudo, à eficiência da Polícia Federal na investigação sobre o hackers que abasteceram Verdevaldo com seu material roubado.

A complicada estratégia lulista de soltar os bandidões e mandar para suas celas (não a dele, que é privilégio de poderoso chefão) agentes honestos, inteligentes, judiciosos e trabalhadores da lei também é ameaçada pela empáfia de seus operadores. A réstia de esperança que surge entre as telhas vem da informação de que os bandidos de Araraquara que invadiram os celulares de quase mil autoridades no Brasil se acreditavam infalíveis. Walter Delgatti, o Vermelho, deu a senha. A Polícia Federal usou como antídoto dose do veneno que ele vendeu, ao ler mensagens trocadas com seus cúmplices, com autorização do juiz. Numa, um destes temeu que o pedido de férias do ministro da Justiça e da Segurança Pública pudesse representar risco. “(Moro) descobriu algo será?”, indagou o outro. “Ele (Moro) tá com medo, isso sim. Hacker aqui não deixa rastros. Hacker de hacker. Você não entendeu ainda. Quem nasceu para ser crash-overlong nunca vai ser hacker aqui”, respondeu Vermelho. Felizmente, não foi bem assim.

Com José Nêumanne.

EM TEMPO: Sobre a decisão do STF na sessão desta tarde, que deve delimitar o alcance da jabuticaba jurídica criada pela maioria que se formou na sessão da semana passada, clique aqui ouvir a opinião de Merval Pereira.