quarta-feira, 9 de outubro de 2019

LIBERTAS QUÆ SERA GILMAR



Para a turma do copo meio cheio soam exageradas e alarmistas as interpretações de que, a despeito do desejo de muitos, a tese gestada e parida pelos maugistrados supremos, na semana passada, crava o último prego no caixão da Lava-Jato. Já a turma do copo meio vazio alardeia que está tudo acabado e que a soltura do sevandija de Garanhuns — na visão deles, um fato consumado — eliminará a resistência de alguns ministros a votar pela proibição da prisão após a condenação em segunda instância.

Quando se trata de processar corruptos que detêm foro especial por prerrogativa de função, o Supremo é lerdo como um cágado perneta,  mas quando se trata de mantê-los longe das portas giratórias do sistema penitenciário tupiniquim, é rápido como um raio.

Pela ótica dos maugistrados, afronta o direito à legítima defesa prender o réu antes de a decisão condenatória transitar em julgado, quando na verdade a afronta (à sociedade) é homenagear os criminosos e os chicaneiros que semeiam apelos protelatórios durante o trâmite da ação nas quatro instâncias da nossa "Justiça", visando à prescrição da pretensão punitiva do Estado.

Com exceção de um breve interstício de 7 anos, os criminosos sempre foram presos após a condenação em primeira ou segunda instâncias no Brasil — como sói acontecer na maioria das democracias do Planeta. A prisão após trânsito em julgado vigeu somente entre 2009 e 2016, mas favoreceu uma miríade de condenados bem situados social e economicamente, capazes de arcar com os honorários milionários de criminalistas estrelados e assim postergar sua prisão até o advento da prescrição. Alega a banda podre do Judiciário — ou melhor, os maugistrados “garantistas” — que, segundo a Constituição, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória. Na prática, sobretudo numa Justiça abarrotada de processos e tradicionalmente sensível aos pleitos dos mais abastados, isso equivale a dizer Dia de São Nunca. Vale salientar que o cumprimento antecipado da pena não é antidemocrático nem restringe o direito de defesa dos condenados, que continuam podendo recorrer até as últimas instâncias das Justiça — conforme, aliás, acontece nos EUA, Canadá e Reino Unido, por exemplo, que prendem os apenados na segunda instância e, em alguns casos, até mesmo depois da sentença de primeiro grau.

A Lava-Jato vem sendo bombardeada desde sempre, mas os ataques se intensificaram ultimamente, e passaram a ser desfechados até por quem deveria defender a operação — como certo presidente que faz pose de inimigo ferrenho da corrupção e vira a casaca quando o alvo das investigações integra sua família ou o entorno palaciano (tem ministro na Esplanada que, a despeito de ostentar uma ficha corrida de fazer inveja ao criminoso Lula, desafia a lei da gravidade, e se cair, periga cair "para cima). Como lágrimas de desespero não lavam a alma, rir é o melhor remédio. Aliás, uma das poucas virtudes desse povinho medíocre que o Criador colocou cá no País das Maravilhas é troçar da própria desgraça.

A autodeclarada alma viva mais honesta do Brasil diz que só sai da cadeia com o atestado de inocência passado pelo STF, assinado por Deus e com firma reconhecida em cartório do Céu. Diante disso, a PF vem consultando médiuns, videntes, ciganas, paranormais e o escambau para saber quanto tempo levará até que o petralha reencarne — isso pode demorar muito, pois ele diz que só aceita voltar como Deus.

Também corre à boca pequena a versão de que Lula não quer deixar a cela por receio de perder o lugar para Dilma, Temer, Collor ou outro ex-presidente de colarinho sujo que o Judiciário resolva adotar como bandido de estimação.

Falando em bandido de estimação, certo ministro supremo — aquele cujo beiço pesa 5 arrobas e que Augusto Nunes apelidou de "Maritaca de Diamantino" — vem soltando acusados antes mesmo que sejam presos.  Segundo o site Sensacionalista, já podem ser vistos nos postes de Brasília cartazes com os dizeres: SOLTO A PESSOA AMADA EM SETE DIAS. Fala-se até que Janot não matou o dito-cujo porque depois não haveria quem o soltasse, e que ele (o maugistrado, não o ex-procurador) deve lançar ainda este ano o Iogurte do Gilmar, mais poderoso que óleo de rícino misturado com sal amargo.

Em homenagem a esse benemérito, Minas Gerais deve mudar em breve a inscrição "LIBERTAS QUÆ SERA TAMEM" para "LIBERTAS QUÆ SERA GILMAR".

Triste Brasil.

AINDA SOBRE TORQUE E POTÊNCIA...

OPOSIÇÃO SEM CONTRAPROPOSTA NÃO É POLÍTICA, É MERO EXERCÍCIO DO ESPÍRITO DE PORCO.

Vimos que é comum associar torque a arrancadas e potência a altas velocidades, ainda que ambas essas forças sejam produzidas pela transformação da energia calorífica da mistura ar-combustível em energia cinética, cresçam na razão direta do aumento do regime de giros do motor (RPM) e atuem em conjunto durante todo o tempo em o veículo é utilizado.

Via de regra, o torque tende a "aparecer" bem antes do regime em que a potência máxima é alcançada (vide figura), e motores de grandes cilindradas costumam gerar mais potência e proporcionar curvas de torque mais “planas” (com força abundante em praticamente todas as faixas de rotação) do que os cilindrada reduzida, que precisam ser mantidos em regimes de giro elevados para produzir força. Daí a necessidade de o motorista reduzir as marchas ao realizar ultrapassagens ou transpor longos trechos em aclive.

Por ser associada com "velocidade" e "desempenho", a potência é usada como referência primária nos veículos leves, ao passo que o torque "fala mais alto" em caminhões, ônibus e utilitários de grande porte. Um motor diesel de 12 litros, por exemplo, gera “módicos” 400 cavalos e incríveis 228 kgfm de torque a 1.200 RPM; um Ford Mustang Shelby GT500 produz 770, mas entrega “somente” 86,4 kgfm de torque a 7.000 RPM.

A título de informação, o torque costuma se expresso em kgfm (quilogramas-força x metro), mas alguns manuais utilizam o Newton-metro1 Nm corresponde ao torque produzido por 1 Newton de força aplicada a 1 m de distância do ponto de rotação, e equivale a aproximadamente 0,10 kgfm. Já a potência pode ser expressa em cv (sigla de cheval vapeur) ou em kW (quilowatts). O kW é a unidade padrão do sistema nacional de unidades (SI), definida pela Organização Internacional para Normatização (ISO) segundo as normas ISO 31 e ISO 1000, e é utilizado nas fichas técnicas das montadoras de origem alemã. Fabricantes ingleses e americanos preferem o HP, e os italianos e franceses, o CV (convém escrever essas siglas com letras minúsculas).

ObservaçãoNo Brasil, a maioria das marcas (independentemente da origem) converte suas fichas técnicas para o cv, mas é bom ficar atento à equivalência real entre as medidas: 1 HP corresponde a 745,7 W ou 0,7457 kW e 1 cv, a 0,7355 kW.

A potência em HP é medida no eixo motor, com todos os acessórios necessários para ligá-lo e fazê-lo funcionar autonomamente. O BHP — de brake horse-power —, aferido segundo as (hoje obsoletas) normas americanas SAE J245 e J1995, permitia a retirada de filtro de ar, alternador, bomba de direção hidráulica e motor de partida, além de admitir o uso de coletores de escape dimensionados. Por dar uma ideia de maior potência, essa nomenclatura foi largamente utilizada pelas montadoras.

A diferença entre essa medidas tende a ser inexpressiva em motores de pouca potência  80 HP, por exemplo, representam 81,109 CV. Mas a coisa muda conforme a potência aumenta: os 430 kW do motor V8 do Mercedes AMG Coupé, também por exemplo, equivalem a 577 HP ou 585 CV. Para evitar enganos, converta a potência em kW para HP ou CV com o auxílio de uma calculadora ou recorra a um conversor de potências online (como o do WebCalc).

Para medir o torque, o motor é ligado a um dinamômetro e posto para funcionar com aceleração máxima, mas mantido em várias rotações — 1.000, 2.000, 3.000 etc. — por um freio hidráulico ou elétrico. Conhecido o valor do torque nos diversos regimes de giro, chega-se à potência multiplicando-o pela rotação.

Resumo da óperatorque é trabalho e potência, o tempo em que esse trabalho é realizado. O trabalho de subir um aclive é o mesmo se feito por um carro de 50 HP ou outro de 500 HP. Ambos vão subir a ladeira, ou seja, vão realizar o mesmo trabalho. Só que o mais potente fará o percurso em um tempo incomparavelmente menor. E o mesmo ocorre com a aceleração. Os dois carros do nosso exemplo, submetidos a um teste de aceleração de 0 a 100 km/h, por exemplo, vão atingir essa velocidade, mas o mais potente levará bem menos tempo.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

STF CORRE O RISCO DE VIRAR CARVÃO EM SEU PRÓPRIO FORNO DE ASSAR PIZZAS



Quando autorizou a prisão de condenados em segunda instância, o Supremo produziu uma novidade histórica. Em julgamento que pode ocorrer ainda neste mês, os maugistrados, capitaneados por Beiçola, Panabundowski e Tofolino, podem produzir o mais formidável retrocesso de todos que já foram impostos ao esforço anticorrupção.

Antes do mensalão, a oligarquia política e empresarial do país achava que nenhuma ilegalidade justificava a incivilidade de uma reprimenda. Depois do petrolão, o país se deu conta de que o problema das prisões não era a superlotação de pobres e pardos. O que envergonhava a nação era a ausência de bandidos de grife atrás das grades. Confirmando-se o recuo, o Supremo corre o risco de virar carvão no seu próprio forno de assar pizzas. (veja o comentário abaixo).

CABEÇOTE, VÁLVULAS, TORQUE E POTÊNCIA

A VERDADE ESTÁ POUCO SE LIXANDO PARA O QUE VOCÊ ACREDITA OU DEIXA DE ACREDITAR.

Uma vez que as válvulas são acionadas mecanicamente pelo eixo-comando (ou árvore de cames), sua abertura não acontece de forma instantânea. Por isso, a geometria dos cames (ressaltos) é projetada para dar início à abertura da válvula de admissão uma fração de segundo antes de o fluxo da mistura ar-combustível começar a invadir câmara de explosão.

O mesmo se aplica à válvula de escapamento, cuja abertura deve ter início um instante antes de o movimento ascendente do pistão dar início à fase de exaustão, quando os gases remanescentes da combustão da mistura são expulsos do interior do cilindro — e permanecer aberta até que o êmbolo alcance o PMI, pois a entrada da mistura ar/combustível ajuda a expelir os gases queimados (segundo o princípio da impenetrabilidade, dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo).

Observação: Uma fração de segundo parece pouco, mas é preciso ter em mente que, nos veículos de passeio, o virabrequim chega a dar 7 mil voltas completas por minuto, e o comando de válvulas, que da uma volta completa a cada duas voltas do virabrequim, abre e fecha as válvulas milhares de vezes por minuto.

Para otimizar a combustão e aumentar a potência, os engenheiros estudam cuidadosamente o movimento dos gases nos dutos de admissão e de escape, de maneira adequar os coletores ao projeto do motor, pois seu formato e extensão refletem no torque, na potência e no consumo de combustível. Como torque e potência variam conforme a rotação do virabrequim, o grande desafio é "ampliar" o volume da câmara de explosão de modo a obter curvas de torque e potência o mais planas possível — ou, no mínimo, evitar variações substantivas nos diversos regimes de giro impostos ao motor.

o meu desafio é trocar tudo isso em miúdos, ou seja, abordar esses conceitos usando uma linguagem acessível a leitores leigos ou pouco familiarizados com as sutilezas da mecânica automotiva. E isso nos leva à questão do torque e da potência — termos que designam coisas diferentes, mas interligadas a tal ponto que confundem até quem é do ramo.

Para explicar o que é torque e o que é potência sem recorrer às velhas fórmulas que a gente aprende na escola e esquece assim que passa no vestibular, costuma-se dizer simplesmente que “torque é para arrancada e potência, para velocidade”. No entanto, além de inexata, essa definição é por demais simplista, mesmo para quem não tem qualquer familiaridade com o cipoal da mecânica automotiva. Então, digamos que o torque é uma força que faz algo girar em torno do próprio eixo.

Um bom exemplo de torque é a força que aplicamos ao apertar as porcas da roda do carro: quando giramos a chave de rodas, estamos gerando torque. Levar o carro de um ponto a outro é trabalho, e como é o torque quem o realiza, podemos dizer que torque é trabalho, e que potência é a rapidez com que esse trabalho é realizado. À luz desse raciocínio, fica fácil entender por que veículos mais potentes alcançam velocidades mais elevadas e se deslocam de um ponto a outro mais rapidamente que os de menor potência.

Trata-se de um resuminho pra lá de elementar, mesmo considerando os propósitos despretensiosos desta postagem. Mas já é um começo. O resto fica para o próximo capitulo.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

NOSSO INTRÉPIDO CAPITÃO E OTRAS COSITAS MÁS



Bolsonaro quer “ir atrás dos mandantes” da tentativa de homicídio praticada por Adélio Bispo, o inimputável. “Nós queremos que seja investigado o material”, disse, referindo-se aos documentos apreendidos no escritório de Zanone Manuel de Oliveira Júnior, advogado do esfaqueador. O TRF-1 já formou maioria para levar ao STF a decisão sobre o pedido da PF e do MP para analisar os arquivos, visando descobrir se quem pagou o advogado também mandou matar o capitão.

Essa história de "lobo solitário" é mera cantilena para dormitar bovinos, a exemplo do "patriotismo" de Vermelho e seu bando (falo de eles terem municiado graciosamente Verdevaldo das Couves, o patriota dos patriotas). Anjos, só aqueles que tocam harpa sentados em nuvens.

Com tanto inocente morrendo de bala perdida na cidade que um dia foi maravilhosa, é lamentável ver que criminosos notórios e maugistrados que lhes homenageiam continuem perambulando pelo mundo dos vivos, violando a Constituição de maneira aberta, repetida e perigosa, deturpando o espírito da lei, baixando decretos, inventando normas de Direito e usurpando funções do Congresso. Chegamos a tal ponto de absurdez que nossa mais alta Corte se tornou a maior ameaça à democracia tupiniquim!

Não nego que Bolsonaro tem lá suas virtudes, embora nenhuma me ocorra neste momento. Por outro lado, seu nefando hábito de não perder uma oportunidade de perder oportunidades chega às raias do absurdo. Cito o exemplo do ministro do Turismo. O sujeito está enrolado até os gorgomilos no caso do Laranjal do PSL, mas continua desafiando a lei da gravidade. No aniversário da facada, Bolsonaro revelou a amigos que não o demitiu por gratidão: “Me ajudou muito lá em Juiz de Fora”.

Ainda sobre Marcelo Álvaro Antônio, escreveu Josias de Souza:

Quando Marcelo apareceu no noticiário como responsável pelo laranjal de candidaturas femininas fakes, Bolsonaro alegou que não o afastaria com base em notícia de jornal. Quando a PF abriu investigação, disse que inquérito não era sentença. Agora vieram o indiciamento da PF e a denúncia do MP à Justiça. O ministro foi formalmente acusado de falsidade ideológica, apropriação indébita e associação criminosa, mas o presidente alega que é preciso aguardar o desfecho do processo.

Em política, quem escolhe o momento exato economiza muito tempo. Nesse escândalo do Laranjal do PSL, Bolsonaro dormiu no ponto. O tempo de que dispunha para afastar o ministro não existe mais. Agora só existe o passar do tempo. E quanto mais o tempo passa, quanto maior for a sobrevida concedida ao ministro, maior será também o processo de apodrecimento do próprio governo.

Eu costumo dizer que, nas questões éticas, Bolsonaro opera em duas velocidades, ambas insultuosas. Ele é intelectualmente lento e moralmente ligeiro. A lentidão intelectual faz com que demore a perceber que sua inação faz do discurso de campanha um estelionato eleitoral. A ligeireza moral o leva a tratar os auxiliares em litígio com a lei com a mesma condescendência que dispensa ao filho Flávio Bolsonaro, encrencado num caso de peculato e lavagem de dinheiro.

Nesse contexto, o ministro Sergio Moro, que funcionaria como filtro moral do governo, ganha um novo sentido para permanecer no Ministério da Justiça. O ministro se incorpora à paisagem de Brasília como uma espécie de atração turística. Ministros encrencados, como o do Turismo — que não é o único, diga-se —, frequentam as reuniões ministeriais ao lado de Moro como se estivessem no mirante das cataratas do Iguaçu. Sabem que é perigoso. Mas o perigo é apenas presumido.

SOBRE O CABEÇOTE E OS MOTORES MULTIVÁLVULA


A FOME É A MELHOR COZINHEIRA.

Das mais priscas eras até pouco tempo atrás, o acionamento das válvulas se dava sempre do mesmo jeito, já que o momento da abertura e o tempo durante o qual elas ficavam abertas dependia diretamente da geometria dos cames (ressaltos existentes do eixo-comando, que por isso é chamado também de "árvore de cames").

Para melhorar a performance dos propulsores, um dos "venenos" mais comuns sempre foi substituir o comando original por um modelo mais "brabo", ou seja, capaz de gerar mais torque e/ou potência (veremos em breve o que significam esses dois termos) alterando os parâmetros de funcionamento das válvulas. 

A questão é que, a exemplo do "rebaixamento" do cabeçote (outro "veneno" muito usado pelos preparadores), os benefícios da troca do comando em situações específicas — nas pistas, por exemplo — nem sempre compensavam o desconforto no uso diário: além da marcha lenta instável, o funcionamento do motor em baixas rotações restava prejudicado.

Como sempre, a solução veio nas asas da evolução tecnológica, que nos trouxe os motores multiválvula, o duplo comando variável e outros aprimoramentos voltados inicialmente a veículos esportivos, mas que logo se disseminaram entre os modelos "de passeio" — contribuindo, inclusive, para o "downsizing" dos propulsores (assunto que abordaremos mais adiante).

Por motores "multiválvula", entenda-se os que contam com duas ou mais válvulas de admissão e/ou de escapamento por cilindro. Essa tecnologia remonta ao início do século passado e vinha sendo largamente utilizada em carros de corrida, mas só começou a ser aplicada nos veículos "de linha" na década de 70.  

Substituir 2 válvulas grandes (falo do diâmetro) por 4 válvulas menores evita flutuações em altas rotações, permitindo que o motor funcione melhor em regimes de giro mais elevados — o que, em última análise, aumenta a potência. Por outro lado, cabeçotes multiválvula têm mais componentes e mais partes móveis, o que significa mais peso e maior custo de manutenção. Isso sem mencionar sua tendência de gerar menos torque em rotações baixas e médias, pois a área maior coberta pelas válvulas reduz a velocidade do fluxo de ar no coletor de admissão, tornando a mistura menos homogênea e, consequentemente, limitando a potência gerada pela combustão. Isso não é problema em carros pista e esportivos usados com tal, mas a coisa muda de figura quando se trata de veículos "de passeio", que rodam durante a maior parte do tempo por trechos urbanos e, não raro, congestionados. 

Observação: A indústria automotiva vem utilizando somente comandos de válvulas acionados mecanicamente em veículos de série. Alguns esportivos são equipados com mecanismos adicionais de controle, que permitem modificar o padrão de movimento das válvulas, mas isso é outra conversa. 

Em veículos de entrada de linha e sem pretensões esportivas, os fabricantes continuam aplicando propulsores de 2 válvulas por cilindro. Nos modelos mais caros, voltados a um público alvo que não se importa de pagar mais por melhor desempenho, motores com 3 e até 5 válvulas por cilindro são bastante comuns — nos de 5 válvulasas 3 de admissão são abertas em momentos diferentes, otimizando a queima da mistura, gerando mais potência e gases de escape mais limpos, o que reduz a emissão de poluentes. Mas a maioria dos modelos multiválvula de 4 cilindros têm 16 válvulas — 4 por cilindro, geralmente duas de admissão e duas de escapamento, sendo as de admissão de maior diâmetro, mas há sistemas de 32 válvulas em motores V8 — em que os cilindros são divididos em duas séries de quatro dispostas lado a lado — com 4 válvulas por cilindro.

Não quero dizer com isso que motores de 2 válvulas por cilindro não oferecem desempenho aceitável; tudo depende do projeto — notadamente da velocidade de abertura e fechamento das válvulas, do momento em que elas se abrem e fecham e do tempo durante o qual elas permanecem abertas — e, claro, daquilo que se pretende extrair do propulsor. Mas não é difícil concluir que uma válvula de admissão aberta por mais tempo propicia a aspiração de um volume maior de mistura ar-combustível, o que garante uma explosão mais forte e, consequentemente, gera mais energia cinética. Se explodiu mais‚ é óbvio que há mais gases queimados e, por consequência, a válvula de descarga também precisa ficar mais tempo aberta, e é aí que a porca torce o rabo para os projetistas.

Continua no próximo capítulo.

domingo, 6 de outubro de 2019

A LEI, ORA A LEI



Você sabe o que é um “garantista”? É provável que já tenha ouvido falar, pois a Justiça, as leis e o Código Penal passaram a ser conversa de botequim no Brasil desde que a Lava-Jato começou a incomodar a sério um tipo de gente que jamais tinha sido incomodado na vida. Cinco minutos depois de ficar claro que o camburão da polícia podia, sim senhor, levar para o xadrez empreiteiros de obras públicas, gigantes da alta ou baixa política e milionários viciados em construir fortunas com o uso do Tesouro Nacional, já estava formada uma esquadra completa de cidadãos subitamente preocupados com a aplicação da lei nos seus detalhes mais extremos — ou melhor, a aplicação daquelas partes da lei que tratam dos direitos dos acusados da prática de crimes.

É essa turma, justamente, que passou a se apresentar como “garantista”. Sua missão, segundo dizem, é trabalhar para que seja garantido o direito de defesa dos réus até os últimos milímetros. Seu princípio essencial é o seguinte: todo réu é inocente enquanto negar sua culpa. Essa paixão pela soberania da lei, que chegou ao seu esplendor máximo com os processos e as condenações do ex-presidente Lula, provavelmente nunca teria aparecido se o direito de defesa a ser garantido fosse o dos residentes no presídio de Pedrinhas, ou em outros resorts do nosso sistema penitenciário. Esses aí podem ir, como sempre foram, para o diabo que os carregue. Mas a criminalidade no Brasil subiu dramaticamente de classe social quando a Justiça Federal, a partir da 13ª Vara Criminal do Paraná, resolveu que corrupto também estava sujeito às punições do Código Penal.

O código dizia que corrupção era crime, claro, mas só dizia — o importante, mesmo, era o que não estava dito. Você sabe muito bem o que não estava dito: que corrupção é crime privativo da classe “A” para cima, e, como gente que vive nessas alturas nunca pode ir para a cadeia, ficavam liberadas na vida real as mil e uma modalidades de roubar o Erário que a imaginação criadora dos nossos magnatas vem desenvolvendo desde que Tomé de Souza entrou em seu gabinete de trabalho, em 1549. Outra classe, outra lei. Descobriu-se, desde que o Japonês da Federal apareceu para levar o primeiro ladrão top de linha da Petrobras, que no Brasil o direito de defesa deveria estar acima de qualquer outra consideração. Quem defende um corrupto, na visão do “garantismo”, deve ter mais direitos do que quem o acusa.

Não se trata, é óbvio, de ficar dizendo que a acusação é obrigada a provar que o réu cometeu o crime. Ou que todo mundo é inocente “até prova em contrário”. Ou que ninguém é culpado enquanto estiver recorrendo da sentença. Ou que é proibido linchar o réu, ou dar à opinião pública o direito de condenar pessoas — e outras coisas que vêm sendo repetidas há mais de 200 anos. Nada disso está em dúvida. O que se discute, no atual combate à corrupção, é outra coisa: é a ideia automática, em nome do direito de defesa, de usar a lei para desrespeitar a lei.

É compreensível que os criminosos se sirvam das leis para adquirir o direito de praticar crimes sem punição? Quando fica assim, não se pode conseguir nada melhor, realmente, em matéria de tornar a lei uma ficção inútil. Existe, naturalmente, muita gente que tem uma argumentação honesta, inteligente e sensata em favor do direito de defesa — uma garantia essencial para proteger o cidadão da injustiça e das violências da autoridade pública. Mas é claro que o problema não está aí. O problema começa quando essas garantias da lei passam a ser usadas como incentivo ao crime.

O mandamento supremo dos “garantistas” determina que é indispensável fazer a “defesa absoluta da lei”. Não importa quais sejam as consequências de sua aplicação; o que está escrito tem de ser obedecido. Mas quem realmente ameaça a lei, em primeiro lugar, é o crime, e não quem quer punir o criminoso. Só que a lei existe para proteger o crime, pois foi escrita com esse objetivo, defender a lei passa a ser defender o criminoso. Vêm daí, e de nenhum outro lugar, a quantidade abusiva de recursos em favor do acusado, a litigância de má-fé e a elevação da chicana, ou seja, da sacanagem aberta, ao nível de “advocacia”.

“Garantista” em guerra contra a Lava-Jato, em português claro, é quem joga esse jogo. Seu foco mais ativo são os escritórios de advocacia milionários que se especializam na defesa de corruptos. Seus anjos preferidos são os tribunais superiores. O mais valioso deles é a banda podre do STF.