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quarta-feira, 18 de setembro de 2019

SUTILEZAS DO MOTOR — TAXA ESTEQUIOMÉTRICA — ETANOL X METANOL


O RESSENTIDO É UM ETERNO REFÉM DO PASSADO.

Nos motores de ciclo Otto, o movimento do pistão é descendente nas fases de admissão e de combustão e ascendente nas de compressão e de descarga.

Durante a fase de admissão, a mistura ar-combustível é sugada para o interior do cilindro; na de compressão, ela é "espremida" no interior da câmara de explosão; na de combustão, ela é inflamada pela centelha gerada pela vela de ignição; na de descarga, os gases remanescentes da combustão são expulsos pelo movimento novamente ascendente do pistão, que prepara o cilindro para uma nova fase de admissão.

Observação: Somente o ciclo de combustão é considerado "útil" (no sentido de realizar trabalho, ou seja, gerar energia), mas isso não significa que as demais fases não sejam igualmente importantes, pois cada qual cumpre seu papel.

No capítulo anterior, vimos o que é taxa de compressão e que não se deve confundi-la com taxa estequiométrica. Mas faltou explicar que esta última remete à proporção entre o ar e o combustível que compõem a mistura ar-combustível queimada fase de combustão.

Quem não cabulou as aulas de física no colégio deve estar lembrado de que não há combustão sem oxigênio, daí porque o que é vaporizado, comprimido e inflamado no interior da câmara não é o combustível, mas uma mistura dele com o oxigênio presente na atmosfera.

Tanto nos motores carburados quanto nos equipados com injeção eletrônica (vide ilustração), a proporção entre a gasolina e o ar gira em torno de 12:1 — ou seja, 12 partes de ar para uma de combustível. No álcool, que tem poder calorífico inferior ao da gasolina, a mistura precisa ser mais rica — em torno de 8:1, ou seja, 8 partes de ar para uma parte de combustível —, daí a razão pela qual os veículos flex tendem a fazer menos quilômetros por litro com álcool do que com gasolina.

No tempo dos jurássicos carburadores, a taxa estequiométrica era definida por gargulantes (ou giclês), o que tornava impossível alterá-la em tempo real. Assim, veículos projetados para rodar com gasolina não podiam ser abastecidos com etanol (ou até podiam, mas funcionavam mal e bebiam mais que o Lula), e vice-versa.

Essa limitação foi superada com a adoção da injeção eletrônica de combustível — que também propiciou o desenvolvimento dos motores bicombustível que equipam nossos veículos "flex", nos quais o módulo da injeção (centralina) recebe informações em tempo real de sensores estrategicamente posicionados e a partir delas ajusta a mistura às exigências do combustível (gasolina, etanol ou ambos em qualquer proporção) e às necessidades do motor em cada situação específica.

Abro um parêntese para tratar (ainda que em rápidas pinceladas) das principais diferenças entre o etanol e o metanol, começando por dizer que tanto um quanto o outro podem ser usados como combustível em veículos automotores. No entanto, o primeiro — também chamado de álcool etílico (C2H5OH), é obtido através da fermentação do amido e de outros açúcares presentes em vegetais como a cana-de-açúcar, o milho e a beterraba, e além de ser usado como combustível para veículos como alternativa à gasolina, está presente também em bebidas, produtos de limpeza etc.

metanol (CH3OH), por sua vez, não provém da cana ou de outros vegetais; sua obtenção se dá a partir do carvão ou da oxidação do gás metano, o que o torna venenoso e corrosivo — em contato com a pele, ele provoca irritação; a inalação de seus vapores causa náusea e vômitos, e sua a ingestão pode levar à morte.

O metanol costuma ser usado como insumo na produção de solventes de vernizes e tintas, mas, por ser incolor e apresentar odor e sabor semelhantes ao do etanol, também serve de matéria prima para a falsificação de bebidas (como uísque, vodca e assemelhados). Em pequenas quantidades, sua toxicidade é até baixa, mas seu processo metabólico, oxidado pela enzima catalase, transforma-o em aldeído fórmico (HCOH) e ácido fórmico (HCOOH), e é aí que a porca torce o rabo.

No Brasil, o metanol já serviu para suprir a falta de etanol no mercado, mas de uns tempos a esta parte seu uso como combustível para carros comuns foi proibido, embora ele continue sendo empregado em conpetições automobilísticas, já que propicia uma combustão mais rápida, que implica em maior potência do motor. Por outro lado sua queima gera uma espécie de "chama invisível", que já provocou acidentes sérios em um sem-número de competições.

Como a carga tributária que incide sobre o metanol o torna atraente para os vigaristas de plantão, donos de postos de combustível o adicionam à gasolina para aumentar seus lucros. Segundo os órgãos fiscalizadores, há registros de gasolina batizada com 27% álcool e 23% de metanol, e de casos em que a proporção deste último chega a 50%.

Com isso eu fecho o parêntese e encerro mais este capítulo.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

AINDA SOBRE MOTORES DE COMBUSTÃO INTERNA DO CLICO OTTO (CONTINUAÇÃO)

TUDO QUE SOBE TEM QUE DESCER.

Destrinchando melhor o que vimos nos capítulos anteriores, motores de quatro tempos (ciclo Otto) dividem-se, grosso modo, em três partes: Cabeçote, bloco e cárter.

O número de cilindros — que ficam no bloco — varia conforme o projeto; aqui pelas nossas bandas, a maioria dos veículos de fabricação recente utiliza motores com 3 ou 4 cilindros, mas isso não significa que não existam modelos com 5, 6, 8 e até 12 cilindros.

No interior cada cilindro, um pistão (ou êmbolo), ligado ao virabrequim por uma biela, sobe e desce milhares de vezes por minuto, conforme o regime de rotações (RPM) do motor. À distância que ele percorre do ponto morto superior (PMS) ao inferior (PMI) e vice-versa dá-se o nome de "curso", e esse curso é determinado pelo tamanho da biela.

Como o êmbolo sobe e desce duas vezes a cada volta do virabrequim, são quatro as fases (ou tempos) do ciclo Otto: admissão, compressão, explosão e descarga, mas apenas a fase de explosão (ou combustão) que produz energia — daí ela ser considerada como o ciclo de força ou ciclo ativo do motor (mais detalhes na postagem anterior).

Para sincronizar o movimento dos pistões com a abertura e o fechamento das válvulas, engrenagens posicionadas nas extremidades dianteiras do eixo-comando de válvulas e do virabrequim trabalham interligadas por uma correia sincronizadora (feita de borracha combinada com cintas de aço). Alguns fabricantes optam pela "corrente de sincronização", que, por ser de metal e trabalhar com lubrificação, têm vida útil superior, mas costuma ser barulhenta e custar mais caro na hora da troca. 

Tanto num caso como no outro, deve-se substituir esse componente e seu respectivo atuador de tempos em tempos (consulte o manual do seu veículo para saber a frequência indicada pelo fabricante). Em caso de quebra, o sobe e desce dos pistões e o abre e fecha das válvulas perdem o sincronismo. Além de deixar o motorista a pé, isso pode causar entortamento de válvulas, empenamento do cabeçote e danos a outros componentes internos do motor.

Voltando às válvulas nos quatro tempos do ciclo Otto:

1) Na fase de admissão, somente as válvulas de admissão se abrem, fazendo com que a mistura ar-combustível seja aspirada para o interior do cilindro pelo movimento descendente do pistão;

2) Na fase de compressão, tanto as válvulas de admissão quanto as de escapamento se fecham, garantindo que o movimento ascendente do êmbolo comprima a mistura dentro da câmara de combustão (por câmara de combustão, entenda-se o espaço que sobra entre a base do cabeçote e cabeça do pistão quando este último alcança o PMS);

3) Na fase de combustão, as válvulas de admissão e de descarga permanecem fechadas enquanto a centelha produzida pela vela de ignição inflama a mistura e a "explosão" resultante empurra o êmbolo de volta ao PMI, produzindo a energia mecânica que é transmitida pela biela ao virabrequim;

4) Na fase de exaustão (ou descarga), as válvulas de escapamento se abrem, fazendo com que o movimento novamente ascendente do pistão expulse do cilindro as sobras dos gases produzidos pela combustão, dando início a um novo ciclo, e assim sucessivamente.

Amanhã continuamos daqui.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

AINDA SOBRE A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA — INJEÇÃO ELETRÔNICA DE COMBUSTÍVEL E MOTOR DE COMBUSTÃO INTERNA DO CICLO OTTO


SE A MÔNICA É DO TAMANHO DO CEBOLINHA E DO CASCÃO, POR QUE ELES A CHAMAM DE BAIXINHA?

Uma nova crise do petróleo levou à retomada do uso do etanol como combustível automotivo em 2003, mas então o carburador já era peça de museu e a injeção eletrônica propiciara o desenvolvimento de motores flexíveis (capazes de queimar tanto etanol quanto gasolina ou uma mistura de ambos em qualquer proporção).

O primeiro veículo nacional "descarburado"  foi o VW Gol GTI — uma série esportiva limitada e cara daquele que se tornou o carro nacional mais popular depois que o Fusca deixou de ser fabricado —, e o primeiro "flexível" foi o Gol Total Flex, que a Volkswagen apresentou em 2003, em comemoração a seus 50 anos de operação no Brasil. Houve também modelos "multicombustível", como o Astra Multifuel, lançado pela GM em 2005, e Siena Tetrafuel, lançado em 2006 pela Fiat. Ambos rodavam tanto com gasolina quanto com etanol e GNV, mas só o modelo da Fiat suportava gasolina sem adição de álcool, como a que é vendida na maioria dos países vizinhos. Por razões que agora não vêm ao caso, a produção desses modelos foi descontinuada, mas os veículos "flex" caíram no gosto do consumidor tupiniquim, e hoje representam 80% da frota nacional.

Anos luz de tecnologia separam os veículos a álcool dos anos 1980 dos flexíveis atuais. Dirigir as carroças de antanho era uma tortura. Além do consumo exagerado e da exigência de manutenção constante, fazer o motor "pegar" e aquecer nas manhãs de inverno era uma provação. Havia gente que deixava o carro ligado enquanto tomava banho, café, e se vestia para o trabalho. Já os flexíveis atuais são igualmente eficientes com qualquer um dos dois combustíveis, isoladamente ou misturados, e o motorista não sente a menor diferença, a não ser a potência, o torque e o consumo ligeiramente superiores quando abastece com etanol.

Essa tecnologia só se tornou possível quando a indústria finalmente aposentou o pré-histórico carburador, que dosava a mistura através de gargulantes (também chamados de “giclês), resultando numa taxa estequiométrica imutável, por volta de 14,6:1 nos modelos à gasolina e 8,4:1 nos modelos a álcool. Isso significa 14,6 e 8,4 mais ar, respectivamente, do que combustível, o que deixa claro quão mais "rica" precisa ser a mistura quando se utiliza o etanol

Observação: Por taxa estequiométrica, entenda-se a proporção entre a quantidade de ar e de combustível que chegam até a câmara de combustão, seja através do carburador, seja pelo sistema de injeção eletrônica.

Com a injeção eletrônica, sensores estrategicamente posicionados realizam diversas medições em tempo real e enviam os dados a um módulo, e este promove ajustes na mistura, no ponto de ignição, etc., de maneira a otimizar a queima da mistura. Daí a razão de podermos colocar no tanque dos “flexíveis” gasolina, álcool ou a mistura de ambos em qualquer proporção.

Os principais componentes de um motor atual são basicamente os mesmos usados no início do século passado: cilindroscabeçotecárter (espécie de “depósito” de óleo lubrificante), pistões (ou êmbolos), bielasvirabrequim (ou árvore de manivelas) e válvulas (e respectivo mecanismo de acionamento).

Os cilindros ficam no bloco, entre o cabeçote e o cárter. Sobre cada um deles, duas ou mais válvulas acionadas pelo “eixo-comando” abrem e fecham a comunicação entre a câmara de explosão e os dutos de admissão e escapamento. Abaixo dos cilindros, os mancais (apoios) suportam o virabrequim, que é ligado aos pistões por meio de bielas e acoplado a um “volante” metálico cuidadosamente balanceado. No interior de cada cilindro, um pistão realiza movimentos de vai-e-vem milhares de vezes por minuto (vertical nos motores “em linha”, em ângulo nos modelos “em V” e horizontal nos propulsores “boxer”, como os refrigerados a ar que a VW usava no Fusca, na Brasília e nos primeiros Gol, com quatro pistões são contrapostos e trabalhando horizontalmente).

Amanhã a gente continua.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (FINAL)


ALGUMAS PESSOAS PERGUNTAM: POR QUÊ? OUTRAS PERGUNTAM: POR QUE NÃO?

Você certamente já ouviu que o álcool desgasta mais as peças do motor do que a gasolina, que os carros Flex se “acostumam” quando são abastecidos sempre com o mesmo combustível, que alternar entre os combustíveis prejudica o motor, que é preciso zerar o tanque para mudar de combustível, e assim por diante. Se não ouviu, ainda vai ouvir; afinal, se todo mundo só falasse daquilo que realmente entende, o silêncio seria insuportável.

As montadoras afirmam que não há diferenças perceptíveis ou problemas gerados pelo abastecimento com qualquer proporção álcool-gasolina. Para quem usa o veículo em condições normais, o importante é abastecer em postos confiáveis — o difícil é separar o joio do trigo, pois preço elevado não garante boa qualidade, mas isso é outra história —, seguir a regrinha dos 70% e atentar para as especificações referentes à taxa de compressão do motor e às quantidades de torque e potência geradas pelo seu veículo com cada combustível (essas informações constam das especificações técnicas, no manual do proprietário, mas também podem ser obtidas no site do fabricante).

Observação: O tipo do combustível é determinante na definição da taxa de compressão, que é a base para a escolha de outros parâmetros do projeto — como calibração do sistema de injeção, gerenciamento da transmissão e controles eletrônicos e de diagnóstico de falhas, entre outros. 

Motores a gasolina costumam usar taxas de compressão entre 8:1 e 12:1, enquanto os movidos a etanol funcionam melhor com algo entre 12:1 e 14:1 (já os propulsores a Diesel trabalham com taxas ainda mais altas, entre 15:1 e 18:1, mas isso é conversa para uma outra vez). Nas versões Flex, é preciso encontrar um meio termo, mas os fabricantes sempre acabam privilegiando um combustível em detrimento do outro. 

Veículos destinados à exportação costumam apresentar taxas de compressão mais baixas, já que priorizam o uso da gasolina. Nos projetos focados no álcool, a taxa média fica em torno de 13:1. Assim, se a potência gerada for quase a mesma nos dois combustíveis — por exemplo, 144 cv com etanol e 141 com gasolina — e o consumo, bem mais elevado no álcool — 5,5 km/l (E) e 9 km/l (G), também por exemplo —, use gasolina (a menos que a diferença de preço for maior que 30%, o que raramente se verifica na prática). Já se diferença de potência for expressiva — 111 cv com álcool e 104 cv com gasolina, por exemplo — e a do consumo, irrelevante — 7,8 km/l (E) e 8,5 (G), também por exemplo —, abasteça com etanol, ainda que a diferença de preço seja menor que 30%.

Este breve resumo encerra — ou interrompe temporariamente — nossa abordagem sobre álcool, gasolina e sutilezas da mecânica automotiva. Espero que vocês tenham gostado e que minhas dicas lhes tenham sido úteis de alguma maneira. Dúvidas, curiosidades, ponderações, experiências pessoais? Deixem seus comentários.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 15)


DIREITOS HUMANOS SÃO PARA HUMANOS DIREITOS.

Disse alguém que “a corrupção no Brasil é como lenço de papel; a gente puxa um da caixa e vêm uns quatro ou cinco”. Essa frase me veio à memória quando me dei conta de que este é o décimo-quinto capítulo de uma sequência que pensei concluir em três ou quatro, e vejo agora poderia estender por mais outros quinze, já que uma coisa puxa a outra, e aí... Mas o mote deste Blog é “informática, política e outros temas correlacionados”, e há semanas eu não escrevo sobre informática. Tudo bem que os automóveis estão recheados de tecnologia embarcada, o que de certa forma os relaciona com informática... Mas deixemos isso de lado e passemos ao que interessa.

Os veículos Flex vieram para ficar. Ainda que os carros elétricos venham a se tornar comercialmente viáveis no Brasil, certamente não será no mês que vem, nem no ano que vem ou no próximo que isso irá acontecer. Portanto, é provável que o motor à explosão continue firme e forte por mais algumas décadas, e nada indica que os carros movidos exclusivamente à gasolina voltem a dominar o mercado. O que pode ocorrer (e já vem ocorrendo, embora de forma incipiente) é a popularização dos híbridos, mas isso é conversa para uma próxima oportunidade.

Não fosse pelo apetite pantagruélico dos nossos governantes, os benefícios do etanol começariam pelo licenciamento, já que o IPVA dos veículos a álcool é de 3% (contra 4% das versões à gasolina). Até não muito tempo atrás, os Flex eram tributados pela alíquota menor, mas isso mudou quando eles se tornaram maioria. Todavia, como o IPVA é um tributo estadual, a alíquota aplicada em São Paulo pode não ser a mesma que é aplicada no seu Estado).

Do ponto de vista do preço do combustível, abastecer com etanol é mais compensador quando o litro custa 30% menos que o da gasolina. Isso porque um carro Flex que rode 10 km/l com gasolina rodará 7 km/l com álcool, de modo que o preço menor acaba compensando o consumo maior. Demais disso, os veículos Flex tendem a ter melhor desempenho (torque e potência) quando abastecidos com álcool. Em média, a diferença é de 2%, mas pode chegar a 10% em alguns casos específicos (como já foi explicado, os projetistas precisam definir uma razão de compressão “intermediaria” para atender ambos os combustíveis, o que sempre acaba favorecendo um deles). Por outro lado, quem mora em regiões onde o inverno é mais rigoroso deve optar pela gasolina sempre que a temperatura ficar abaixo dos 10º C.

O álcool é um combustível “limpo”.  Primeiro, porque sua queima, se comparada à da gasolina, produz bem menos poluentes — que causam o efeito estufa e acarretam diversos malefícios ao nosso sistema respiratório (o efeito estufa provoca a elevação da temperatura do planeta, propiciando o degelo das calotas polares e, consequentemente, o aumento do nível dos oceanos, além de fenômenos como tufões, furacões e maremotos). Segundo, porque ele tem propriedades solventes, que ajudam a manter os bicos injetores limpos, dispensando os aditivos utilizados na gasolina para essa finalidade. O problema é quando o carro é abastecido com combustível adulterado — no caso do etanol, o mais comum é a adição de água para aumentar o volume, o que, além da perda de rendimento, traz para o tanque compostos como sódio e cloro, que podem gerar resíduos e corrosão no sistema.

O álcool é um combustível renovável e autossustentável. No Brasil — que é o segundo maior produtor de etanol do mundo, atrás somente dos EUA, onde o produto é obtido a partir do milho —, ele é produzido a partir da cana-de-açúcar. Assim, basta replantar a matéria prima para dispor desse biocombustível indefinidamente. Isso sem mencionar que, por ser um vegetal, a cana-de-açúcar faz fotossínteseprocesso biológico que, como certamente sabe quem não cabulou as aulas de Ciências no colégio, é realizado através da clorofila presente nas plantas verdes, que, através da energia da luz solar, absorvem água e dióxido de carbono da atmosfera e liberam oxigênio, purificando o ar. Note que as terras cultiváveis no Brasil destinadas ao plantio da cana representam apenas 1% de toda área agricultável; com o dobro dessa área, o país poderia abastecer toda a sua frota de veículos leves com etanol.

Já a gasolina é um subproduto do petróleo, que levou milhares de anos para se formar a partir do acúmulo de material orgânico sob condições específicas de pressão e isolamento em camadas do subsolo de bacias sedimentares. Assim, quando as reservas de petróleo se esgotarem, não haverá mais como produzir gasolina. Claro que isso dificilmente ocorrerá neste século ou no próximo, até porque o consumo mundial de petróleo e derivados vem diminuindo conforme novas alternativas se tornam economicamente viáveis — o carro elétrico é uma delas.

As descobertas gigantes no pré-sal até poderiam trazer a tão sonhada autossuficiência, mas a extração é cara e, para ser compensadora, o preço do barril do petróleo precisaria disparar no mercado internacional. Em tese, os 2,6 milhões de barris extraídos por dia supririam a demanda nacional, mas, na prática, não nos livraremos tão já da importação de petróleo e derivados. Como o óleo brasileiro é “pesado”, as refinarias precisam misturá-lo com óleo leve importado, e ainda que Petrobras exporte o excedente do óleo pesado, os ganhos não cobrem os gastos com a importação.   

Observação: Lula, o PT e seus magos da economia — que quase levaram o país à bancarrota — afirmam que tornaram o Brasil autossuficiente na produção de petróleo, e uma porção de bocós acreditou. Mas isso é uma mentira tão deslavada quanto a de que, durante sua gestão, o criminoso de Garanhuns quitou nossa dívida externa. 

A produção de etanol gera outras fontes de energia. O poder calorífico dos substratos da cana, como o bagaço e a palha, permite produzir vapor que é transformado em energia térmica, mecânica e elétrica — a chamada bioeletricidade, que é utilizada para abastecer as próprias usinas (algumas chegam a quase 100% de auto sustentabilidade) e cujo excedente pode ser vendido ao sistema elétrico brasileiro.

Continua no próximo capítulo.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 14) — SOBREALIMENTAÇÃO (COMPRESSOR E TURBOCOMPRESSOR — CONTINUAÇÃO)


MEDIOCRIDADE ATIVA É UMA MERDA.

Em poucas palavras, a sobrealimentação, principal responsável pelo downsizing dos motores, consiste em forçar a entrada de mais oxigênio na câmara de combustão. Esse efeito pode ser obtido através do aproveitamento dos gases expulsos da câmara no ciclo de descarga (ou seja, usando uma energia que seria desperdiçada) ou “pegando carona” na rotação do virabrequim (através de um sistema de polias e correia que rouba potência do motor para fazer o motor gerar mais potência). Tanto num caso como no outro, propulsores de capacidades cúbicas reduzidas geram mais torque e potência (conforme o ajuste da pressão do compressor, o ganho de potência pode variar de 50% à 300%), consomem menos combustível e poluem menos a atmosfera.

Observação: Ao nível do mar, 23,14% da massa do ar atmosférico é composta de oxigênio. Para conseguirmos mais massa para o mesmo volume de ar, de duas uma: ou reduzimos a temperatura, ou aumentamos a pressão. Reduzir a temperatura de admissão de forma que os ganhos sejam significativos requer um equipamento de grande porte e alto custo. Além disso, temperaturas muito baixas comprometem a vaporização e consequente a homogeneidade da mistura — é isso que acontece com nossos carros nas manhãs frias de inverno, quando o motor demora a “pegar” e engasga até a temperatura normal de funcionamento ser alcançada. Portanto, a solução mais viável é aumentar a pressão, e é aí que entram os compressores. Em linhas gerais, eles comprimem o ar que está sendo admitido e o enviam para os cilindros com maior densidade, permitindo que mais combustível seja injetado e mais potência seja gerada. 

A ideia da sobrealimentação surgiu no século XIX, mas foi somente em 1905 que o suíço Alfred Büchi descreveu o turbo, em sua patente, como “uma máquina reciprocante na qual a energia cinética dos gases de escape moveria um eixo ligado a uma turbina, que serviria como pré-compressor para o ar admitido pelos cilindros” — aliás, uma definição exata de como funcionam os turbocompressores atuais.

Inicialmente, o sistema era usado apenas em motores de grande deslocamento volumétrico, como os de navios, trens e aviões — nestes últimos, além de aumentar a potência, o turbo minimizava os efeitos da rarefação do ar em grandes altitudes. Na indústria automobilística, depois de estrear em motores a diesel de caminhões, essa inovação chegou às pistas quando a Cummins inscreveu nas 500 Milhas de Indianápolis um carro com motor turbodiesel (ele não venceu a prova, mas percorreu todas as 500 milhas sem parar nos pitstops). Nos veículos de passeio, o primeiro modelo “turbinado” foi o Chevrolet Corvair Monza Spyder, cujo flat-6 de 2.4 litros, auxiliado pelo turbocompressor, produzia 151 cv.

Se fôssemos detalhar o funcionamento do compressor mecânico e do turbo, jamais terminaremos esta sequência de postagens. Então, resumindo a história em poucas palavras, o compressor mecânico fornece torque de forma mais linear do que o turbo, além de não estar sujeito ao turbo lag — “atraso” decorrente do tempo que a turbina demora para “encher” e gerar pressão positiva no coletor de admissão, e que pode culminar com um indesejável tranco.

Observação: A última vez que eu ouvi falar em compressor mecânico em veículos nacionais foi quando a Ford lançou o Fiesta 1.0 Supercharger, em 2002, com um compressor mecânico que aumentava sua potência de 65 cv para 95 cv a 6.000 rpm, e o torque, de 8,9 kgfm a 3.650 rpm para 12,6 kgfm a 4.250 rpm. Se na versão aspirada o carrinho demorava 18,2 segundos para ir de 0 a 100 km/h e atingia 150 km/h de velocidade máxima, na Supercharger ele alcançava 100 km/h em 13 segundos e atingia respeitáveis 176 km/h de velocidade máxima. Todavia, devido ao tamanho avantajado do compressor mecânico e o estresse a que o motor era submetido pelo uso de correia e polias levaram a Ford a abandonar o Supercharger. Hoje em dia, esses compressores são usados apenas em motores grandes, como os V8 5.0 e V6 3.0 da Jaguar Land Rover, o V8 6.2 LT4 do Chevrolet Camaro e o V8 5.0 do Mustang Shelby, cujo público alvo prioriza o desempenho sem se preocupar com custo e consumo mais elevados.

Voltando ao downsizing, a combinação da injeção direta com a sobrealimentação permitiu o desenvolvimento de motores mais econômicos e capazes de entregar torque constante a partir de baixíssimas rotações. Nos modelos com turbo nativo (ou seja, instalado “de fábrica”), nem se ouve mais o tradicional “espirro” produzido pela válvula de alívio da pressão quando se tira o pé do acelerador, pois o excesso de ar é redirecionado para o coletor de admissão ou para o filtro de ar. Por outro lado, o indesejável turbo lag, continua presente, razão pela qual algumas montadoras vêm optando pelo turbo elétrico, como é o caso da Audi com o SQ7 e-turbo (foto).

No turbo convencional, o movimento da turbina (caixa quente), que é acionada pelos gases provenientes do coletor de escape do motor, é transferido por um eixo a um compressor (caixa fria), o que aumenta a pressão do ar (ar limpo) que entra no coletor de admissão. O problema é que em baixas rotações o gases são insuficientes para alimentar satisfatoriamente o compressor, e assim se dá o turbo-lag.

No turbo elétrico, em vez da caixa quente acionada pelos gases, um motor elétrico faz funcionar o compressor (independentemente da rotação do motor) que trabalha em conjunto com outros dois turbocompressores convencionais, um de baixa pressão e outro de alta pressão. O primeiro fôlego é dado pelo e-turbo, que atua em regimes de giro baixos e médios. Quando os gases resultantes da explosão da mistura ar-combustível passam a acionar plenamente os turbos convencionais, o e-turbo aproveita fluxo de ar que passa por ele para gerar energia elétrica, aumentando a eficiência do motor de 15% a 20%.

Observação: O e-turbo é um voraz consumidor de energia. Em momentos de pico, ele necessita de até 7 kW (equivalente a 5 secadores de cabelo ligados ao mesmo tempo), potência que, num sistema convencional de 12 V, precisaria de 583 A para ser gerada. Assim, a Audi optou por vincular a turbina a um sistema de 48 V, que gera a mesma potência com apenas 145 A. A energia recuperada pelo e-turbo vai para uma bateria dedicada, mas pode ser aproveitada pelo sistema de 12 V que alimenta o restante do veículo com o auxílio de um conversor.

O deslocamento volumétrico do motor é apenas um dos responsáveis pelo torque e potência que ele produz, e a sobrealimentação é apenas uma das maneiras de se obter esse resultado. Outra opção que merece algumas linhas é a sobrealimentação química, como é o caso do “Nitro”, que é usado para gerar mais em provas de arrancada e de velocidade.

O processo consiste em injetar óxido nitroso (NO) na corrente de admissão — quando aquecido a aproximadamente 300°C, o “gás do riso” sofre a dissociação de suas moléculas e libera oxigênio (que representa 36% da sua massa). Somado ao combustível extra injetado, esse aumento de oxigênio faz com que a combustão da mistura comprimida pelo pistão gere mais energia. E como está liquefeito sob pressão dentro de uma garrafa, esse gás muda de estado e sofre uma queda sensível de temperatura ao passar pelo difusor e encontrar uma pressão ambiente muito mais baixa. Com isso, todo o fluxo admitido também sofre resfriamento, e o resultado é um considerável aumento de densidade. E como a densidade está diretamente ligada ao ganho de potência...

Para desespero dos puristas, os enormes V8 de antigamente deram lugar aos V6, e estes vem sendo progressivamente substituídos por propulsores de 4 ou 3 cilindros, com cilindradas de 1000 CC a 1.600 CC, mas com torque e potência de sobra, maior economia de combustível e menor emissão de poluentes.

Dúvidas? Escreva. A sessão de comentários está aí para isso mesmo.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 13) — SOBREALIMENTAÇÃO (COMPRESSOR E TURBOCOMPRESSOR)


SE: UMA ÚNICA PALAVRA DE MIL LETRAS.

Vimos que os “motorzões” de muitos cilindros e capacidades cúbicas entre 5 e 7 litros vêm perdendo espaço para versões menores, que consomem menos combustível e poluem menos nossa já irrespirável atmosfera. O responsável por esse prodígio é o “downsizing” (mais detalhes no post anterior), que resulta em propulsores com menos cilindros e menor capacidade cúbica, mas desempenho semelhante ao de seus “irmãos maiores”.

Torno a lembrar que motores de combustão interna transformam a energia calorífica produzida pela queima da mistura ar/combustível na energia cinética que faz o carro se movimentar. Para isso, o combustível líquido é vaporizado e combinado com certa quantidade de ar. Trocando em miúdos: quanto mais oxigênio entra nos cilindros, mais combustível pode ser queimado, e quanto maior a quantidade dessa mistura dentro da câmara de combustão, mais torque e potência o motor irá gerar. É uma maneira bem primária de resumir essa questão, evidentemente, mas suficiente para o leitor a compreender o princípio que levou à adoção dos turbocompressores e dos compressores mecânicos nos automóveis.

A capacidade cúbica (ou cilindrada, ou deslocamento volumétrico) do motor está diretamente relacionada ao número de cilindros e ao diâmetro e curso dos pistões. Em poucas linhas, ela indica a quantidade de mistura que “enche” a câmara de combustão durante o ciclo de admissão (quando o pistão se desloca de seu ponto morto superior para o inferior). Quanto maior a quantidade de ar sugado pela depressão produzida pelo movimento descendente do êmbolo, mais combustível poderá compor a mistura e, consequentemente, maior será a força resultante de sua queima.

Observação: Quanto maior a pressão que empurra o pistão para baixo, mais torque e potência serão
repassados pelo eixo de manivelas (ou virabrequim), através do volante do motor (*), ao sistema de transmissão, que irá desmultiplicar as rotações e transferi-las para as rodas motrizes. Simples assim. 

À luz dessa breve introdução, fica fácil concluir que a alimentação dos cilindros determina o regime do motor, ou, em outras palavras, quanto maior a quantidade de mistura introduzida nas câmaras, maior a força produzida. O problema é que o volume aspirado é sempre inferior à cilindrada, já que os gases sofrem uma perda de carga e não enchem completamente as câmaras. E é aí que entra a sobrealimentação, que pode ser conseguida com um turbocompressor ou um compressor mecânico. Ambos têm a mesma finalidade, ou seja, pressurizar o ar para o interior dos cilindros. A diferença é a maneira como cada qual faz isso: no turbo, são os gases de escape (provenientes da queima da mistura e liberados no ciclo de descarga) que acionam a turbina, fazendo funcionar o compressor. No sistema mecânico, o compressor, a exemplo do alternador e da bomba d’água, é acionado por uma correia ligada a uma polia (ou seja, aproveita o movimento giratório do virabrequim).

Tanto um sistema quanto o outro têm vantagens e desvantagens, mas isso já é assunto para a próxima postagem.

(*) O volante do motor é um disco metálico pesado (30 kg em média), fixado na extremidade posterior do virabrequim, que funciona como um “reservatório de energia cinética”. Basicamente, ele é responsável por dar início às quatro fases de combustão de um motor do ciclo Otto — quando o motorista dá a partida, a energia da bateria aciona o motor de arranque, que gira o volante; acumular energia cinética para “dar um empurrãozinho a mais” ao giro do motor nas chamadas fases passivas (admissão, compressão e descarga); transmitir torque ao câmbio — ao soltar o pedal da embreagem, o motorista faz com que o disco de fricção seja pressionado pelo platô contra o volante, “pegando carona” no giro do motor e transferindo o movimento rotacional do virabrequim para o câmbio, que o desmultiplica e transmite para as rodas motrizes. Sem a massa do volante, o funcionamento do motor seria irregular, gerando vibrações que seriam transmitidas para o habitáculo, causando desconforto aos ocupantes do veículo (as vibrações não absorvidas pelo volante são amenizadas pelos coxins — peça feita de metal e borracha, sobre a qual o motor é apoiado e preso ao chassis (ou ao monobloco, conforme o caso).  

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 12) — DOWNSIZING



Vimos que torque é trabalho e potência é a rapidez com que esse trabalho é realizado. Vimos também que essas grandezas são expressas, respectivamente, em kgfm e cv nas fichas técnicas dos carros nacionais, e que o deslocamento volumétrico do motor não é o único responsável pela quantidade de torque e potência que ele é capaz de produzir. Agora, veremos o que significa “downsizing”.

Numa tradução livre, o termo downsizing designa “encolhimento” e comumente utilizado em relação a redução de pessoal ou de custos no mundo empresarial. No âmbito da indústria automotiva, ele tem a ver com a redução no tamanho dos motores (número de cilindros, deslocamento volumétrico, etc.) sem perda de desemepenho. Assim, os gigantescos V8, como os que marcaram presença no Brasil com o Ford Maverick GT e o Dodge Charger R/T, por exemplo, vêm sendo aposentados e substituídos por propulsores de 4 e até 3 cilindros.

O deslocamento volumétrico do motor (também chamado de clindrada ou capacidade cúbica) é determinado pelo número de cilindros e pelo diâmetro e curso dos pistões. Tradicionalmente, maior deslocamento garantia mais torque e potência, mas a evolução tecnológica vem permitindo que motores com menos cilindros e capacidades cúbicas mais reduzidas tenham desempenho equivalente ao de seus irmãos maiores, mas gastando menos combustível e despejando menos poluentes na atmosfera.

Com 8 cilindros em V e 4.945 cm3 de cilindrada, o motor do Maverick GT produzia (e ainda produz, porque há remanescentes ativos e operantes) 197 cv a 4.600 rpm e torque de 39,5 kgfm a 2.400 rpm, levando os 1.400 kg do sedã esportivo a 100 km/h em 11 segundos e à velocidade máxima de 182 km/h. O consumo urbano o fabricante era de 4,5 km/l (de acordo com o fabricante), mas eu me lembro de ter gasto meio tanque para ir do bairro da Liberdade a Osasco e voltar de lá até o Aeroporto de Congonhas. Tudo bem que era de madrugada, a ideia era testar os limites do carro e aproveitar a Marginal Pinheiros, que naquela época não estava apinhada de radares fotográficos. Portanto, o trajeto não foi feito exatamente devagar, mas o fato é que o consumo daquela barca era assustador! Mesmo assim, para quem gosta do riscado não há nada como o ronco feroz de um V8.

Observação: A inscrição “302-V8” que se vê no paralama dianteiro do Maverick que ilustra esta postagem expressa a cilindrada” do motor em polegadas cúbicas (padrão de medida utilizado nos EUA). Conforme já vimos, a cilindrada corresponde o volume da mistura ar-combustível que os cilindros admitem. Para converter o padrão norte-americano ao utilizado no Brasil (e em diversos países), basta multiplicar o valor em polegadas cúbicas pela constante 16,375. Assim, 302 x 16,375 = 4.945,25, valor que, em números redondos, corresponde ao 5.0 do propulsor do Maverick V8.

Contemporâneo do Maverick, o Fusca 1300, com seu motor boxer de 4 cilindros e 1.298 cm3, dispunha de 46 cv cv a 4.600 rpm e 9,1 kgfm a 2.800 rpm para empurrar seus 800 kg, e levava intermináveis 40 segundos para alcançar 100 km/h (quase a sua velocidade máxima). Tamanha lerdeza não se refletia na economia de combustível (não para os padrões atuais), pois o carrinho bebia um litro de gasolina a cada 7 km (trajeto urbano). A título de comparação, o VW UP! Cross 1.0 TSI, com motor de apenas 3 cilindros e 999 cm3, conta com 105 cv a 5.000 rpm e 16,8 kgfm a 1.500 rpm para levar seus 920 kg a 100 km/h em 9 segundos. Sua velocidade máxima é de 184 km/h e seu consumo urbano, de 14 km/litro.

O grande responsável por esse “prodígio de magia” é a sobrealimentação, velha conhecida dos aficionados por velocidade — quem não se lembra do icônico Porsche 911 Turbo, lançado nos anos 1970? Para entender melhor o que veremos na próxima postagem, clique aqui e relembre como funciona um motor de combustão interna do ciclo Otto.

Bom final de semana a todos e até segunda.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 9) — SOBRE TORQUE E POTÊNCIA


IMAGINAÇÃO É A INTELIGÊNCIA SE DIVERTINDO.
Ontem, 13, foi a segunda terça-feira de novembro, dia de Patch Tuesday da Microsoft. O problemático update de outubro (build 1809) não foi incluído (felizmente; se é para ter problemas, melhor ficar com a versão 1803 até que a mãe da criança dê seu jeito). Na minha máquina, o patch KB4467702 entrou liso feito quiabo, a exemplo de uma atualização do Adobe Flash Player. A ferramenta de remoção de software malicioso também rodou sem novidades. Desejo a mesma sorte a todos.

Abastecer um veículo Flex com etanol traz benefícios que transcendem a economia e o desempenho (o álcool custa mais barato e gera mais torque e portência). Mas nem tudo são flores nesse jardim. Antes de detalhar isso melhor, porém, é preciso preencher algumas lacunas que ficaram em aberto ao longo dos capítulos anteriores. Acompanhe.
Numa definição não muito exata do ponto de vista técnico, mas adequada aos propósitos desta postagem, a potência — que é medida em cavalos vapor (cv) cavalos de força (hp, do inglês horse-power) ou quilowatts (kW) — é responsável por fazer o veículo ganhar velocidade, ao passo que o torque — expresso em quilogramas-força/metro (kgfm) ou em Newtons-metro (Nm) —, por entregar a força.
Para fugir das intrincadas fórmulas que aprendemos no colégio e esquecemos logo após o vestibular, troquemos isso em miúdos: levar algo de um ponto a outro é trabalho, e torque representa trabalho, embora seja uma força com tendência a girar objetos (apertar as porcas da roda do carro é um bom exemplo: ao aplicar uma determinada força na chave de rodas, você cria o torque necessário para rosquear a porca no prisioneiro). Já a potência tem a ver com a rapidez com que esse trabalho é realizado (veículos mais potentes alcançam velocidades mais elevadas e se deslocam de um ponto a outro mais rapidamente do que os menos potentes).
Conforme vimos no capítulo anterior, o motor desenvolve sua potência máxima em regimes de giro elevados — entre 5.000 e 7.000 rotações por minuto nos carros de passeio, mas que chegam a 15.000 rpm nos bólidos de F1 —, ao passo que o torque máximo tende a surgir regimes inferiores — o que é bom: quanto menor o regime de giros em que ele é produzido e mais plana for sua “curva”, tanto melhor (vide figura que ilustra esta postagem).
Para não abrir mais uma lacuna a ser preenchida mais adiante, lembro que o torque costuma ser associado à arrancada, e a potência, à velocidade, embora ambos sejam produzidos pela combustão, aumentem conforme o giro do motor se eleva e atuem em conjunto durante todo o tempo em o veículo é utilizado. O fato de o torque máximo surgir em regimes inferiores ao da potência máxima se explica pela distância horizontal das bielas, que varia de acordo com sua posição em relação ao virabrequim. Com isso, o torque também varia, já que ele é o produto da força pela distância. Note que, com o pistão no ponto mais alto do ciclo e a biela alinhada verticalmente com o centro do virabrequim, nenhum torque é gerado — seria como posicionar a chave de roda na vertical e subir em cima dela; ainda que você conseguisse se equilibrar, a porca não se soltaria, pois o torque só se manifesta quando a força atua numa alavanca perpendicular ao eixo.
A potência, por ser associada à velocidade máxima, é usada como referência primária da eficiência do motor (isso nos veículos de passeio; nos ônibus e caminhões valoriza-se mais o torque — que  costuma ser mais abundante nos motores do ciclo Diesel, além de surgir em rotações mais baixas que nos do ciclo Otto. A título de ilustração, um motor diesel de 12 litros produz 400 cavalos (quase a mesma potência do motor V8 a gasolina de um Ford Mustang preparado), mas gera incríveis 228 kgfm de torque a 1.200 rpm, enquanto o Mustang entrega “apenas” 48,9 kgfm a 5.600 rpm.
torque é expresso em Newtons-metro (Nm) ou em Quilogramas-força x metro (kgfm ou m.kgf). 1 Nm corresponde ao torque produzido por 1 N de força aplicada a 1 m de distância do ponto de rotação, e equivale a aproximadamente 0,10 kgfm. Para entender isso melhor, pense na chave de rodas do nosso exemplo: quanto maior for seu braço, menor será o esforço (torque) necessário para girar a porca.
Motores de combustão interna (como os que equipam a maioria dos nossos veículos) transformam a energia calorífica gerada pela queima da mistura ar-combustível na energia mecânica produzida pelo movimento descendente do pistão. Em outras palavras, a força (torque) resultante da explosão é transmitida pela biela ao virabrequim, que a transmite, através do volante, ao câmbio (através da embreagem ou do conversor de torque, conforme o caso), que a desmultiplica e repassa ao diferencial, que faz girar as rodas motrizes (veja isso em detalhes nesta postagem).
Para não encompridar demais este texto, trataremos das unidades de potência na próxima postagem. Bom feriadão a todos.