NÃO SE NASCE MULHER:
TORNA-SE.
Ninguém nega
que as recorrentes suspensões do
WhatsApp, determinadas pelo juiz Marcelo
Montalvão, da Vara Criminal da
Comarca de Lagarto (SE),
penalizaram o Facebook, que é o
responsável pelo aplicativo, mas também causaram aborrecimentos a milhões de
usuários tupiniquins que, a rigor, nada tinham a ver com o peixe.
Na verdade,
o bloqueio foi pedido pela Polícia
Federal numa investigação de tráfico de drogas, e resultou do fato de o WhatsApp ter se recusado a fornecer
informações que ajudariam a identificar os envolvidos. A propósito, vale
lembrar que essa intransigência já havia causado a prisão do presidente do Facebook para América Latina, em março
p.p., e que, em dezembro de 2015, outra decisão judicial tirou o aplicativo do
ar, por conta da recusa da empresa em colaborar com a investigação de uma
quadrilha de roubo a bancos.
O
embasamento legal da suspensão do serviço, nesses casos, advém do Marco Civil da Internet ― mais exatamente aos artigos 11, 12, 13 e 15, caput e parágrafo 4º da Lei 12.965/14,
segundo os quais as empresas que fornecem aplicações, ainda que sediadas no
exterior, devem prestar “informações que permitam a verificação quanto ao
cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao
armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à
privacidade e ao sigilo de comunicações”. No entanto, o fato de essa norma
ainda não ter sido regulamentada dá margem a interpretações divergentes.
Segundo Luiz Moncau, pesquisador e cogestor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV
Direito Rio, um provedor de aplicações como o WhatsApp é obrigado a guardar por seis meses determinados tipos de
dados, tais como os horários em que seus clientes utilizaram o aplicativo, os
demais usuários com quem eles se comunicaram, e por aí afora, mas não o conteúdo das mensagens, pois isso seria
perigoso do ponto de vista da privacidade. Aparentemente, houve uma
“interpretação equivocada” do §3º do artigo 11 do Marco Civil, segundo o qual as empresas devem proteger a privacidade
de comunicação.
Moncau pondera ser difícil analisar
melhor a questão, pois o processo corre em segredo de justiça, mas considera
que o juiz não está na melhor posição, já que, ao se ater ao caso concreto,
prolatou uma decisão desproporcional, que afetou não só as partes envolvidas,
mas o Brasil inteiro. Por conta disso, já que a instância superior que apreciou
os recursos acolheu a tese dos insurgentes, segundo a qual "em face dos
princípios constitucionais, não se mostra razoável que milhões de usuários
sejam afetados em decorrência da inércia da empresa" [em fornecer
informações à Justiça].
Feitas essas
considerações, eu pretendia passar ao excerto de uma extensa matéria publicada
pela revista Veja há algumas semanas
(que você pode conferir, ainda que parcialmente, clicando aqui), segundo a qual o fato de os
aplicativos virem oferecendo mais segurança e privacidade aos usuários os torna
mais vulneráveis a criminosos, que também se sentem mais seguros para
delinquir. Entretanto, considerando que este post já está de bom tamanho, o
resto vai ficar para o próximo.
Abraços a todos e até lá.