domingo, 12 de fevereiro de 2017

PONTOS A PONDERAR

Na condição de presidente nacional do maior partido da base aliada do governo petralha, Michel Temer era tudo que a gente não queria ver na presidência da Banânia. Mas “beggars can’t be choosers”; em sendo o vice da calamidade em forma de gente, o peemedebista tornou-se a única opção para penabundarmos a titular sem afrontar a Constituição. Mas, convenhamos: embora o país esteja uma merda, seria ainda pior se a Dilma tivesse dado sequência a sua desastrosa gestão. Felizmente, a gerentona de araque é página virada da nossa ingloriosa história ― embora a mídia ainda lhe conceda espaço, de vez em quando, por conta de seus desatinos delirantes ― e seu abjeto predecessor e mentor segue pela mesma trilha.

Pelo andar da carruagem, o penta-réu que se autodeclara a “alma viva mais honesta do Brasil” não demora a passar da página de política para a policial, ainda que, em sua megalômana parlapatice, insista em nos assombrar ― qual egun mal despachado ― com seus devaneios de poder (por incrível que pareça, ele ainda encontra quem lhe compra o peixe). Mas o fato é que, sem argumento sólido para se defender das acusações contra sua ímproba pessoa, resta a Lula fazer o máximo de alarido para disfarçar a inconsistência do seu batido e abilolado ramerrão, como fez ao recorrer à Comissão de Direitos Humanos da ONU (que lhe mandou plantar batatas) e ao processar o juiz Sergio Moro por abuso de autoridade (o que também resultou em nada vezes nada). Agora, sua defesa pede ao STF que corrija o “erro histórico” cometido com a suspensão da sua nomeação e posse como ministro-chefe da Casa Civil no governo Dilma. O pedido foi feito na última segunda-feira, no âmbito de um mandado de segurança impetrado pelo PPS contra a nomeação do molusco asqueroso, com único propósito era lhe restituir o direito a foro privilegiado e tirá-lo da alçada do juiz Sergio Moro (maracutaia que foi prontamente abortada por uma liminar do ministro Gilmar Mendes, para quem a nomeação do sacripanta fraudou a Constituição).

A nova manifestação dos advogados do petralha se deu depois que Michel Temer nomeou Moreira Franco para a Secretaria-Geral da Presidência ― posto recriado por medida provisória com o fito de, ao que tudo indica, conferir foro privilegiado ao aliado. O partido Rede Sustentabilidade impetrou um mandado de segurança pedindo a suspensão da nomeação do “Angorá” e, na última quarta-feira, uma liminar do juiz federal Eduardo Rocha Penteado suspendeu a nomeação (por desvio de finalidade e ofensa à moralidade). A AGU recorreu da liminar, mas ainda não se sabe o resultado (ou não se sabia até o momento em que eu concluí este texto).

Observação: A Folha apurou que há quatro ações na Justiça Federal sobre o mesmo assunto, duas no DF, uma em São Paulo e outra no Amapá. Com a nomeação, Franco ganha foro privilegiado no STF poucos dias após a homologação dos acordos dos executivos da Odebrecht (só na delação de Cláudio Melo Filho, que comandava o setor de propina da empreiteira, ele foi citado 34 vezes, acusado ter recebido dinheiro para defender os interesses da empresa. A JF do RJ concedeu liminar suspendendo a nomeação, assim como um juiz de Brasília que já havia tomado a mesma decisão, revertida na manhã da última quinta-feira pelo TRF da 1ª Região, após recurso apresentado pela AGU. A Justiça Federal no Amapá também concedeu liminar suspendendo a nomeação, mas é provável que a AGU recorra também dessa decisão. 

Voltando à indicação de Alexandre de Moraes à vaga no STF, eu já havia dito nesta postagem que o procurador Deltan Dallagnol entende que a questão pode impactar a Lava-Jato se o escolhido não compartilhar do entendimento do tribunal (consubstanciado após uma votação cujo placar foi 6 x 5)  sobre a execução provisória da pena (após condenação em segunda instância). Vejamos agora um resumo do que diz o jornalista Reinaldo Azevedo:   

(...) O Brasil é virtualmente o único país em que um processo criminal passa por 4 instâncias, sem falar dos infindáveis recursos (…) A orientação do tribunal nesse tema decide se o envio do réu à
prisão deve aguardar todos os recursos nas quatro instâncias, ou pode ser feita após o tribunal de apelação confirmar a condenação (…) Se a perspectiva é de impunidade, o réu não tem interesse na colaboração premiada. Por que vai entregar crimes, devolver valores e se submeter a uma pena se pode escapar da Justiça? Por outro lado, quanto mais efetivo o direito e o processo penal, mais interessante fica a alternativa de defesa por meio da colaboração premiada. A colaboração é um instrumento que permite a expansão das investigações e tem sido o motor propulsor da Lava-Jato. O criminoso investigado por um crime “A” entrega os crimes B, C, D, E – um alfabeto inteiro ― porque o benefício é proporcional ao valor da colaboração. Mas ela é um ponto de partida ― e não de chegada ― da investigação, e acordos objetivam trocar um peixinho por um peixão ou um peixão por um cardume.

Observação: Em suma, a execução provisória é o que pode garantir um mínimo de efetividade da Justiça Penal contra corruptos, levando-os à prisão dentro de um prazo mais razoável, e é importante para que a Lava-Jato continue a se expandir, chegando a todo o espectro da corrupção. Assim, a escolha do novo ministro, a depender de sua posição nesse tema, continua a ter um imenso impacto, ainda que ele não se torne relator da Operação.

Moraes já deixou claro ser favorável à prisão depois da condenação em segunda instância, mas não cumpre a uma autoridade fazer esse tipo de patrulhamento (...) A peroração de Dallagnol transforma em agentes da impunidade os cinco ministros que defenderam que a prisão se efetive somente depois de esgotados os recursos — como está previsto na Constituição. Formaram a maioria em favor da possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância Gilmar Mendes, Carmen Lúcia, Luiz Fux, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edison Fachin. Observem: a questão é mesmo controversa, não obedece nem mesmo a geografia ideológica ou teórica do Supremo (...) Digamos que esse tema volte e que a gente descubra que Moraes decidiu que a prisão só vale depois do último recurso. Isso evidenciaria uma conspiração? Moraes seria apenas um voto. E os outros cinco ministros que votaram contra, também estariam metidos na conspiração? (...)

Surge do MPF outra frente de fofoca contra o futuro ministro do Supremo: ele será o revisor do petrolão no plenário do tribunal e poderia tentar limpar a barra de Michel Temer ― ou dos respectivos presidentes da Câmara e do Senado, caso eles virem réus… Bem, um revisor, como o nome diz, revisa o processo e pode apresentar um voto alternativo. Mas, de novo, para que se provasse a conspiração, seria preciso contar com o concurso de mais cinco conspiradores. Isso que Dallagnol faz, à diferença do que sustentam seus fanáticos, é ruim para o país. Alimenta o clima de permanente desconfiança nos Poderes da República e nas instituições. Mais: o PT aplaude. Passa-se sempre a impressão de que ninguém presta.

Essa é a opinião de Reinaldo; o fato de eu publicá-la não significa (necessariamente) que concordo com ela. VEJA reuniu 10 controvérsias envolvendo Moraes (vale a pena conferir).

Em sua defesa, Moraes alegou ter renunciado a todos os processos em que advogava quando assumiu a Secretaria de Segurança Pública do governo Alckmin, e que nem ele, nem seus sócios, prestaram serviços à pessoas acusadas de fazerem parte do crime organizado, apenas à pessoa jurídica da cooperativa. No entanto, segue lutando contra a pecha de “advogado do PCC”. Outra crítica diz respeito à sua idade, já que terá muitos anos pela frente no STF, e que alguém mais velho poderia fazer mais sentido. Mas essa é uma crítica de menor importância, ainda que válida.

O que pegou mesmo foi o receio de que Moraes possa contribuir para colocar panos quentes da Lava-Jato. Ser o preferido de muitos senadores do PMDB acende a luz amarela. Merval Pereira, em sua coluna, falou do assunto com moderação, relembrando outros casos com viés político na escolha e defendendo a capacidade técnica do indicado. Sobre o receio de ser o revisor das decisões da Lava-Jato, o jornalista comenta: “Pela ordem prevista no Regimento Interno do STF, o revisor é sempre o primeiro a votar depois do relator, o que já causou muita tensão nas sessões do mensalão, por exemplo, quando o revisor de Joaquim Barbosa era o ministro Ricardo Lewandowski. O relator acusou por diversas vezes o revisor de tentar prolongar o julgamento se utilizando de suas prerrogativas.

Talvez esse seja o maior obstáculo político à indicação de Alexandre de Moraes ao STF, já que Temer pode ser um dos citados pelas delações da Lava-Jato. No entanto, é provável que o novo ministro não tenha de revisar nenhum processo contra ele, pois, pela tese que vigora, o presidente da República não pode ser investigado por fatos anteriores ao seu mandato (e muito menos processado). A PGR já se pronunciou a esse respeito em relação a Dilma, e mesmo que alguns ministros do Supremo, como o decano Celso de Mello, considerem que a lei não impede a investigação sobre o presidente, mas que ele seja processado, Janot não deve mudar de posição, e é a ele que compete pedir uma investigação do presidente. Se Moraes, caso venha a ser aprovado, vai agir com independência e imparcialidade, é algo que só o tempo dirá. Mas a escolha levanta suspeitas e incomoda pelo caráter político. Ao nomear para o Supremo um colaborador próximo, Temer sinaliza que priorizou interesses próprios em detrimento dos interesses da nação (aliás, esse sistema de indicação tem se mostrado viciado e precisa ser revisto, para não comprometer a credibilidade da instituição).

Alexandre de Moraes merece o benefício da dúvida, mas é imperativo ficarmos atentos a qualquer sinal de conivência com os acusados na Lava-Jato. O Brasil precisa de um STF independente.

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