UM POÇO DE INCERTEZAS
O terremoto de magnitude 10 da última quarta-feira, que teve
como epicentro o Palácio da Alvorada e se espalhou rapidamente Brasil
afora, deixou no chinelo a “Delação do Fim do Mundo” e colocou o
governo na antessala do Apocalipse. Tudo começou com o furo de
reportagem publicado em O Globo por Lauro Jardim, cuja pronta repercussão na mídia
levou ao esvaziamento do Congresso e sitiou no Palácio do Planalto o presidente
da República. Quase 24 horas depois, em sua primeira fala à nação, Temer
classificou de clandestina a gravação da conversa entre ele e o
dono da JBS num encontro à sorrelfa, tarde da noite, no Palácio
do Jaburu ― segundo Joesley, foi preciso apenas baixar o vidro
do carro e dizer que era o Rodrigo para ter o acesso à
garagem liberado ― daí se pode inferir que clandestina foi a reunião,
não a gravação.
Observação: A J&F Investimentos é uma
holding criada em 1953 pela família Batista e que controla empresas como
a JBS, Eldorado Celulose e outras. J, B, e
S são as iniciais de José Batista Sobrinho, pai de Joesley e Wesley
Batista (e de mais quatro filhos), mais conhecido como Zé Mineiro.
Nos anos 1950, o patriarca dos Batista fundou, em Anápolis (GO), a Casa
de Carnes Mineira, que deu origem a uma rede de açougues que se virou uma
rede de frigoríficos, e que, com os ventos de cauda soprados pelo BNDES durante
os governos petistas, aumentou seu faturamento de R$ 4,3 bilhões em 2006
para R$ 170 bilhões em 2016.
Durante a tal conversa, Joesley fala de sua situação
como investigado, diz que está “segurando” dois juízes, que vem pagando mesada
de R$ 50 mil ao procurador da República Ângelo Goulart Villela em
troca de informações sigilosas sobre as operações Sépsis, Greenfield
e Cui Bono, nas quais a JBS é investigada, e R$ 400 mil por mês
ao doleiro Lucio Funaro, operador do ex-presidente da Câmara Eduardo
Cunha (presos na Lava-Jato), para garantir que ambos fiquem de bico calado.
Ao “ser informado” dos crimes do bilionário, Temer deveria ter determinado a pronta
abertura de uma investigação, mas agiu como alguém que, numa inconsequente
conversa de botequim, ouvisse um amigo discorrer sobre suas aventuras
extraconjugais. Só isso (“só” é força de expressão) basta para enquadrá-lo
por crime responsabilidade e embasar um pedido de impeachment. À guisa de justificativa, a Secretaria
Especial de Comunicação Social da Presidência da República divulgou nota
afirmando o presidente não acreditou na veracidade das declarações de Joesley ― o empresário estava sendo
objeto de inquérito e, portanto, parecia contar vantagem ―, que juízes e/ou
membros do Ministério Público estivessem sendo cooptados, e que a gravação
teria sido editada mais de 50 vezes. Mesmo assim, Janot determinou a
prisão de Ângelo Villela e autorizou a
abertura de um inquérito para investigar Michel Temer. Este último, por seu
turno, diz que vai largar o osso, como deixou claro em seu segundo pronunciamento
à nação. Se ele terá condições de continuar à frente do governo (boa
parte da base aliada já começou a debandar, como ratos que abandonam o navio
quando pressentem a iminência do naufrágio) ou se será expelido do cargo pelo TSE
(que deve retomar o julgamento do pedido de cancelamento da chapa Dilma-Temer
no próximo dia 6), aí são outros quinhentos.
Temer orientou sua tropa de choque a “partir para o
enfrentamento”, a despeito de o STF ter autorizado a abertura de um
inquérito para investigá-lo. A meu ver, isso deveria leva-lo a se afastar (ou
ser afastado) do cargo até a conclusão das investigações ― como
aconteceria em qualquer democracia que se preze. Mas não Temer, como não
Dilma antes dele e nem Collor antes dela (é fato que o “caçador
de marajás de araque” renunciou na véspera do julgamento do impeachment
para preservar seus direitos políticos, o que não funcionou, pois ele acabou
sendo cassado, mas isso já é outra história). Em vez disso, sua excelência resolveu
atacar a credibilidade do depoimento de Joesley, mesmo não sendo capaz
de apresentar argumentos que expliquem de maneira convincente sua conivência
com os atos espúrios revelados durante a conversa clandestina no Jaburu.
A julgar por sua retórica, falta pouco para o presidente cair no ridículo em
que caíram antes dele a gerentona de araque ― que, além de incompetente,
agora é acusada de saber da origem dos milhões que financiaram suas campanhas e
de ter negociado pessoalmente parte das propinas ― e a alma viva mais honesta
do Brasil ― que deve ser agraciada no mês que vem com sua primeira sentença
no âmbito da Lava-Jato).
Temer disse na quinta-feira que a investigação pedida pelo Supremo será território onde surgirão todas as explicações, que não tem qualquer envolvimento com os fatos, que não renunciará à presidência e que exigirá investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro. “Esta situação de dubiedade ou de dúvida não pode persistir por muito tempo. Se foram rápidas nas gravações clandestinas, não podem tardar nas investigações e na solução respeitantemente a essas investigações”, arrematou o presidente. No sábado, porém, o discurso mudou: “A gravação clandestina foi manipulada e adulterada com objetivos nitidamente subterrâneos, e incluída no inquérito sem a devida e adequada averiguação, levou muitas pessoas ao engano induzido e trouxe grave crise ao Brasil.
Os especialistas que examinaram o arquivo de áudio não chegaram a um consenso sobre as supostas interrupções ou edições. Alguns atribuem a falha ao gravador, mas a maioria atesta que não há sinais de mudança na parte fundamental da gravação: quando Joesley diz que zerou suas pendências com Eduardo Cunha e ficou de bem com o ex-deputado preso em Curitiba, ouve-se a seguir o presidente incentivar, dizendo “isso tem que continuar, viu”.
Para o perito ouvido pelo Estadão, o mesmo ocorre na parte em que o Temer ouve Joesley dizer que está manipulando a Justiça. O presidente encaminhou a gravação para o serviço de inteligência da Presidência da República; a PGR informou que uma avaliação técnica concluiu que o áudio revela uma conversa lógica e coerente e que a gravação anexada ao inquérito do STF é exatamente a entregue pelo colaborador, e o ministro Edson Fachin determinou o encaminhamento do arquivo à perícia da Polícia Federal, que deverá apresentará a ele as respectivas conclusões. Sem embargo, diversos pontos da conversa que NÃO FORAM CONTESTADOS pelo presidente caracterizam crime de responsabilidade, o que já basta para embasar pedidos de impeachment contra ele. Até tarde de sexta-feira, 8 pedidos já haviam sido protocolados na Câmara, e no sábado foi a vez da OAB, que aprovou por 25 votos a 1 o relatório que resultará no 9º pedido (isso se nenhum outro for protocolado antes). Resta saber o que fará o presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia, que mantém boas relações com Temer ― ou mantinha, pois não se sabe como elas ficarão daqui por diante.
Temer disse na quinta-feira que a investigação pedida pelo Supremo será território onde surgirão todas as explicações, que não tem qualquer envolvimento com os fatos, que não renunciará à presidência e que exigirá investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro. “Esta situação de dubiedade ou de dúvida não pode persistir por muito tempo. Se foram rápidas nas gravações clandestinas, não podem tardar nas investigações e na solução respeitantemente a essas investigações”, arrematou o presidente. No sábado, porém, o discurso mudou: “A gravação clandestina foi manipulada e adulterada com objetivos nitidamente subterrâneos, e incluída no inquérito sem a devida e adequada averiguação, levou muitas pessoas ao engano induzido e trouxe grave crise ao Brasil.
Os especialistas que examinaram o arquivo de áudio não chegaram a um consenso sobre as supostas interrupções ou edições. Alguns atribuem a falha ao gravador, mas a maioria atesta que não há sinais de mudança na parte fundamental da gravação: quando Joesley diz que zerou suas pendências com Eduardo Cunha e ficou de bem com o ex-deputado preso em Curitiba, ouve-se a seguir o presidente incentivar, dizendo “isso tem que continuar, viu”.
Para o perito ouvido pelo Estadão, o mesmo ocorre na parte em que o Temer ouve Joesley dizer que está manipulando a Justiça. O presidente encaminhou a gravação para o serviço de inteligência da Presidência da República; a PGR informou que uma avaliação técnica concluiu que o áudio revela uma conversa lógica e coerente e que a gravação anexada ao inquérito do STF é exatamente a entregue pelo colaborador, e o ministro Edson Fachin determinou o encaminhamento do arquivo à perícia da Polícia Federal, que deverá apresentará a ele as respectivas conclusões. Sem embargo, diversos pontos da conversa que NÃO FORAM CONTESTADOS pelo presidente caracterizam crime de responsabilidade, o que já basta para embasar pedidos de impeachment contra ele. Até tarde de sexta-feira, 8 pedidos já haviam sido protocolados na Câmara, e no sábado foi a vez da OAB, que aprovou por 25 votos a 1 o relatório que resultará no 9º pedido (isso se nenhum outro for protocolado antes). Resta saber o que fará o presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia, que mantém boas relações com Temer ― ou mantinha, pois não se sabe como elas ficarão daqui por diante.
Temer disse que o
autor do grampo está livre e solto, passeando por Nova York, que o Brasil, que já tinha saído da mais
grave crise econômica de sua história, vive agora dias de incerteza, que
Joesley não passou nenhum dia na cadeia, não foi preso, não foi julgado, não
foi punido e, pelo jeito, não será. De fato, diferentemente do
que se viu em todos os acordos de colaboração firmados antes deste, os termos
da delação dos Batista e outros seis executivos da JBS e J&F,
já homologada pelo ministro Fachin, não só permitiram que eles deixassem
o país como também os livraram de responder a inquéritos na esfera Penal ― o
que é no mínimo estranho. Temer
afirmou também que, prevendo os efeitos de sua delação na taxa de câmbio, Joesley
comprou US$ 1 bilhão, e sabendo que a gravação também reduziria o valor das
ações de sua empresa, vendeu-as antes da queda da bolsa. De fato, a JBS
lucrou milhões e milhões de dólares em menos de 24 horas; nesse ponto o
presidente está coberto de razão.
Peemedebistas, ministros e outros apoiadores afirmam que o
presidente está tranquilo, que vai provar sua inocência, e blá, blá, blá. Mas
não é isso que se vê nos raros momentos em que sua excelência dá o ar da graça
― ou da desgraça, melhor dizendo. Uma imagem exibida pela TV Globo
durante o primeiro depoimento e reexibida exaustivamente nos telejornais mostra
que a fisionomia do presidente denuncia um nervosismo que beira a dor física, e
que ele só conseguiu disfarçar o tremor nas mãos entrelaçando firmemente os
dedos. Outro detalhe digno de nota: na tarde de quinta-feira, Temer
disse que a investigação pedida pelo Supremo Tribunal Federal será
território onde surgirão todas as explicações. Se é assim, por que, então, apresentar àquela
Corte um pedido
de suspensão do inquérito?
O Brasil não precisa (e nem merece) de outro impeachment
presidencial. Como dizem os americanos, BETTER
THE DEVIL YE KEN, THAN THE DEVIL YE DON'T (numa tradução livre,
“melhor ficar com o diabo que conhecemos do que com o que desconhecemos”).
O afastamento de Temer levaria Rodrigo Maia ― mais um
investigado na Lava-Jato ― a assumir interinamente a presidência e convocar
eleições indiretas para o mandato tampão, e com o Congresso que aí está,
recheado de réus, investigados ou parlamentares que estão em vias de sê-lo, isso seria uma temeridade. Mas é o que
a Constituição determina e, portanto, o que terá de ser feito caso Temer
renuncie ou seja cassado pelo TSE.
A propósito da
interminável novela da cassação da chapa Dilma-Temer,
até quinta-feira tinha-se como certo que um pedido de vistas resultaria em novo
adiamento ― isso
se os ministros não resolvessem deixar tudo como está, a pretexto de que
ação perdeu o objeto quando Dilma foi penabundada. Nada do
que veio à luz nos últimos dias ― e nem o que virá nos próximos ― deveria
influenciar na decisão no TSE, mas, como bem disse o sempre eloquente
presidente daquela Corte, os juízes
não são de Marte. Para bom entendedor, meia palavra basta.
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