terça-feira, 7 de novembro de 2017

O DESTINO DA OPERAÇÃO MANI PULITE (MÃOS LIMPAS) E O EFEITO SMIRNOFF NA LAVA-JATO

As decisões recentes do TSE e do STF são indícios claros de que a Operação Lava-Jato pode acabar como a Mani Pulite italiana (mais conhecida como Operação Mãos Limpas), que produziu profundas mudanças no quadro partidário daquele país e levou ao suicídio diversos políticos e empresários que tiveram seus crimes revelados ― parece que na Itália a corja de canalhas tem mais vergonha na cara do que nesta Banânia, ou Lula já estaria infernizando o Capeta há muito tempo. Enfim, o fato é que medidas legislativas reduziram os poderes da Justiça italiana, fizeram crimes prescrever, tiraram condenados da prisão e produziram uma sensação de impunidade ainda maior do que a anterior às investigações ― reparou nas semelhanças ou quer que eu desenhe?

Em seu livro recém-publicado (mais detalhes no post da última quinta-feira), o procurador Deltan Dallagnol alerta para os limites do Judiciário no combate à corrupção, afirma que é preciso ir além da Lava-Jato e que não há solução fora do sistema político. Ele compara o mal, cujo prejuízo ao Brasil estima em R$ 200 bilhões anuais, a um serial killer que mata em silêncio, que se disfarça de buracos em estradas, falta de medicamentos, crimes de rua, miséria, mas, como se esconde, dificilmente é responsabilizado pelas mortes que causa. E a principal razão a que Dallagnol atribui a persistência da chaga é a impunidade, resultado de um sistema jurídico com inúmeras brechas favoráveis aos criminosos, boa parte das quais as “Dez Medidas” ― que o Congresso mastigou, destroçou e cuspiu de volta na cara do povo ― pretendiam fechar.

Advogados e juízes criticam a sanha justiceira do MP e posam de defensores do estado de direito contra o abuso das prisões preventivas, os ataques à privacidade e o arbítrio das autoridades, mas a realidade desmente todo esse teatro. De acordo com Dallagnol, só 3,4% dos detidos na Lava-Jato eram mantidos no cárcere preventivamente, sem condenação judicial, e mais de 95% das decisões da primeira instância eram referendadas por instâncias superiores. Em contrapartida, a probabilidade de alguém ser punido por corrupção no Brasil é baixíssima – estimada em 3,17%. Em casos rumorosos do passado, apenas 1,1% dos réus foi condenado em definitivo. E mesmo esses acabam não indo para a cadeia.

No célebre episódio dos Anões do Orçamento, foi preso apenas o delator do esquema, um assessor parlamentar. Entre os protegidos pelo foro privilegiado, casos se acumulam sem julgamento em cortes superiores por até 20 anos, enquanto corre o prazo de prescrição dos crimes. Apenas em junho de 2013, o STF expediu o primeiro mandado de prisão contra um parlamentar na história ― o ex-deputado Natan Donadon, condenado por desvio de dinheiro público. Mesmo no caso do mensalão, veloz para os padrões do STF, o julgamento levou oito anos.

Nenhum advogado de político deixa de aproveitar as inúmeras filigranas jurídicas que permitem anular provas ― como ocorreu na Operação Castelo de Areia ―, nem de recorrer enquanto der, se possível até a prescrição ― como ocorreu no escândalo Marka-Fonte Cindam ou com o deputado Paulo Maluf. O ex-senador Luiz Estevão ingressou com ― pasmem! ― 120 recursos até ser preso.

Dallagnol cita dois exemplos reais de recursos que ilustram a benevolência com os réus no convoluto labirinto jurídico brasileiro. Tome fôlego: “O agravo regimental nos embargos de declaração no agravo regimental no agravo em recurso extraordinário no recurso extraordinário no agravo regimental nos embargos de declaração no agravo regimental no agravo nº 1249838”; e os embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental nos embargos de declaração no agravo em recurso extraordinário no recurso extraordinário no agravo regimental no agravo regimental no agravo no 1387499”.

Ao lado dos italianos, o juiz Moro lembrou uma frase de Joaquim Nabuco na longa campanha do abolicionismo, que comparou ao combate à corrupção: “Há necessidade de manter infinita esperança”. Até hoje, todavia, infinita tem sido apenas nossa paciência e tolerância com a impunidade.

Com Helio Gurovitz

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