quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

AINDA SOBRE ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS


Considerar a Lei da Ficha Limpa um obstáculo à democracia por não permitir que um líder popular como Lula seja julgado nas urnas seria admitir que uma eleição vitoriosa isentasse o candidato de seus crimes.

Se Lula ― ou qualquer outro candidato ― cometeu crimes contra o patrimônio público, em benefício próprio ou de terceiros, não há justiça alguma em permitir que se valha da popularidade para ludibriar os eleitores e buscar nas urnas uma forma de não ser julgado nos tribunais.

Esposar a tese de que, por ser popular nas pesquisas, o molusco abjeto não pode ser impedido de disputar as eleições, sob pena de a legitimidade do pleito restar comprometida, seria submeter as leis à política partidária e desvirtuar a democracia.

Em seu capítulo IV, a Constituição estabelece condições de elegibilidade, elenca algumas hipóteses de inelegibilidade e abre espaço para que outras condições sejam definidas em lei complementar, visando proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato e a normalidade e legitimidade das eleições.

Uma Lei Complementar de iniciativa popular ― conhecida como Lei da Ficha Limpa ― foi promulgada em 2010 para “incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato”. O fato de ser uma iniciativa popular demonstra claramente que os anseios de uma sociedade que, já naquela época, clamava por barreiras éticas e morais nas condições de elegibilidade.

Lei da Ficha Limpa representa um significativo avanço democrático com o escopo de viabilizar o banimento da vida pública de pessoas que não atenderiam às exigências de moralidade e probidade, considerada a vida pregressa. Mas leis não impedem que crimes continuem sendo cometidos ― portanto, seria absurdo dizer que a Lei da Ficha Limpa não produziu efeitos práticos porque a corrupção revelada pela Operação Lava-Jato continua a ocorrer (e como ocorre).

Réus condenados por um juízo colegiado não podem se candidatar a qualquer cargo público eletivo. Trata-se de um pressuposto legal, como o que estabelece, por exemplo, que menores de 35 anos não podem se candidatar à presidência da República.

Se uma decisão da Justiça que condene o ex-presidente Lula for considerada suspeita de politização, estaremos aceitando que o estado democrático de direito não funciona no Brasil. O que não passa de uma tentativa canhestra de defesa contra as evidências passaria a ser uma verdade absoluta. De mais a mais, por que cargas d’água a Lei da Ficha Limpa, que foi sancionada pelo próprio Lula na presidência, nunca foi contestada antes?

Não se nega ao molusco abjeto o direito de explorar todas as brechas legais para tentar continuar no pleito ― e se, por absurdo, ele chegasse até o dia da eleição em condições de ser votado, e ganhasse, teria, pelo menos em tese, o direito de assumir a presidência da República (e o mesmo se aplica à hipótese de Bolsonaro ser eleito). 

Mas seria uma república desmoralizada, que teria o presidente que merece. Uma patética continuidade do ambiente político do governo Temer ― que se salvou do impeachment com manobras fisiológicas dignas de uma republiqueta de bananas ― seria reafirmada se um caudilho populista condenado em segunda instância fosse alçado novamente ao poder central graças a chicanas jurídicas.

Que Deus nos livre disso.

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