terça-feira, 14 de maio de 2019

O GOVERNO, A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E A BALBÚRDIA INSTITUCIONALIZADA



Eu adoraria compartilhar boas notícias, mas há tempos que elas andam em falta nas prateleiras tupiniquins. Então, vamos ao que temos para hoje, começando pela viagem de Bolsonaro aos EUA, onde ele será homenageado pela Câmara de Comércio Brasil-EUAe não pela revista Time, como a princípio foi divulgado na mídia. A efeméride acontecerá em Dallas, que fica num estado tradicionalmente armamentista e racista e foi palco do assassinato de JFK em 1963 — episódio que até hoje suscita teorias conspiratórias de todo tipo. Na última quinta (9), o presidente disse a parlamentares: “Se eu não sou bem-recebido em Nova York, vou ser no Texas”. E completou: “Eu não pude comparecer à cidade onde o prefeito se comporta como um radical, promovendo e se preparando para fazer manifestações das piores possíveis com a minha presença”.

Para o prefeito de NYCBolsonaro aprendeu do jeito mais difícil que nova-iorquinos não são condescendentes com a opressão. “Boa viagem. Seu ódio não é bem-vindo aqui”, finalizou o dito-cujo. Entrementes, no perfil oficial de certo ex-presidente criminoso e parlapatão, surgiu um post alfinetando Bolsonaro e seus filhos: "Perguntaram aqui como eu tuíto. Do mesmo jeito que o Bolsonaro. Eu tenho um filho que eu não controlo. Se ele solto não controla o dele, imagina eu preso".

Como se já não faltassem problemas, o presidente pode seguir até o final do mandato dependente do Congresso para honrar todos os pagamentos sem cometer crime de responsabilidade e, consequentemente, ser alvo de um processo de impeachment. Este ano, o governo já está refém dos parlamentares para aprovar crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões; para os próximos, os rombos devem ser de R$ 264,9 bilhões em 2020, R$ 146,9 bilhões em 2021 e R$ 157,5 bilhões em 2022. Embora a tendência seja de queda, os valores permanecem em patamares astronômicos.

A “regra de ouro” foi criada para evitar que governos se endividem para pagar despesas que não sejam investimentos ou com a rolagem da dívida pública. Uma PEC do deputado Pedro Paulo visa aprimorá-la e dar ao governo mais instrumentos de contenção dos gastos antes do descumprimento, mas só Deus sabe quando ela será votada e, pior, se será aprovada. Enquanto a mudança não sai, o jeito é tentar obter o apoio de 257 deputados e 41 senadores — maioria absoluta das duas Casas — para não ficar entre o calote em beneficiários e o crime de responsabilidade. No Planalto, a ordem é aguardar e apostar no "bom senso" do Congresso. E isso é o mesmo que acreditar no Coelho da Páscoa.

Sem a reforma da Previdência, dizem os analistas, teremos descumprimentos da regra de ouro pelos próximos dez anos. Poucos duvidam da aprovação da PEC, mas ninguém sabe o quanto ela será desidratada. A falta de articulação do governo para obter apoio parlamentar tem dificultado a tramitação, e os recentes eventos em Brasília e o aumento do ruído político indicam que a aprovação pode demorar mais do era esperado.

Na avaliação de Paulo Guedes, a oposição, sozinha, não tem condições de barrar a reforma, mas o fato é que os partidos aliados tampouco têm condições de aprová-la sozinhos. O capital político do presidente vem evaporando a olhos vistos — mais por culpa dele próprio e de seus filhos do que pela atuação deletéria do PT e seus satélites. Recente levantamento feito pelo XP Ipespe apurou que a avaliação negativa de Bolsonaro cresceu de 26% para 31% entre abril e maio, devido, sobretudo, a uma provável migração de pessoas que antes diziam não saber (ou que não responderam) para o campo ruim e péssimo. Sua administração ainda conta com a aprovação de 1/3 dos brasileiros — o que é pouco, considerando que o capitão foi eleito com 55,13% dos votos válidos.

A pesquisa abordou ainda a reforma da Previdência, e apurou que 44% dos entrevistados a aprovam, mas 21% divergem parcialmente do texto. No total, 62% acham que “alguma reforma” é necessária — o que já é um começo. Sobre a expectativa para o restante do mandato de Bolsonaro, 51% acreditam que será ótimo ou bom (ante 50% em abril), mas o percentual dos que acham que será ruim ou péssimo também cresceu (23% para 27%).

Para não ficar só nisso, segue mais um texto lapidar de Dora Kramer:

Foge à compreensão das mentes normais a razão de o presidente do Brasil assistir de maneira complacente à enxurrada de insultos dirigidos a figuras da República, entre as quais o vice-presidente e alguns ministros, por aquele antagonista residente na Virgínia, cujo nome passo a me abster de pronunciar por considerá-lo a materialidade gráfica do baixo calão. O assunto aqui não é ele. É o presidente. Mais que tolerante, Jair Bolsonaro é submisso e até reverente ao autor das ofensas que em última análise lhe são dirigidas, pois atingem profissionais que escolheu porque achou capazes de ajudá-lo a governar o país. Nesse aspecto, não faz diferença se civis ou militares.

Bolsonaro alega que é “dono do próprio nariz” para justificar sua indulgência e afirmar que cada um age como quer no controle da própria vida. Pois se existe alguém impedido de dizer e fazer impunemente o que lhe dá na telha é exatamente o chefe da nação. É o mais comprometido dos brasileiros com o dever de dar satisfação, de medir consequências de seus atos, palavras e até omissões, de atuar no estrito limite da ordem constitucional. Ocupa o cargo por delegação de quem passou a ter a propriedade do nariz presidencial desde a eleição.

E aqui se incluem todos os brasileiros. Os que votaram nele ou deixaram de votar movidos por convicção e os que o escolheram motivados pela rejeição ao adversário. Uma das hipóteses para que o presidente seja dócil ao tratamento hostil é que não queira dar aos cidadãos que compartilham não necessariamente do estilo mas das crenças do autor referido no início a impressão de que esteja cedendo a gente identificada com ideias opostas e aí dando uma demonstração de fragilidade ante o eleitorado de raiz.

É verdade que nas pesquisas Bolsonaro encontra ainda apoio significativo nesse segmento. Mas é verdade também, e até mais eloquente, que perde credibilidade entre os que optaram por ele achando que se livravam das amarras ideológicas do PT e agora deparam com atuações patológicas avalizadas pelo presidente, que, assim, consegue a façanha de ver boa parte do Brasil pensante aplaudir a presença de militares no governo, algo antes temido e tido como sinal de alerta para o risco de retrocesso.

Nada a ver com esquerda, com partidos de oposição. É questão de bom-senso, e Jair Bolsonaro se coloca do lado contrário de maneira arriscada para ele. Da grita em redes sociais, o repúdio ao clima de sarjeta transbordou para o Congresso, no qual crescem as manifestações de solidariedade aos ofendidos enquanto caminha com lentidão a reforma da Previdência. A sociedade reage e as instituições se posicionam. Logo chegará a vez de o Judiciário pronunciar-se a respeito.

Com isso, o presidente da República cava o isolamento e, paradoxalmente, se põe cada vez mais sob a tutela daqueles que são alvo dos ataques porque são eles que recebem o crescente respaldo da opinião pública. É de perguntar até quando isso vai durar se Bolsonaro não parar de falar em páginas viradas e não puser um ponto-final na balbúrdia em que se transformou o seu governo.

Observação: Deu em O ANTAGONISTA que Bolsonaro avalia seriamente exonerar o general Santos Cruz da Secretaria de Governo. Além do desgaste crescente, o presidente recebeu informações de que o ministro, em conversas com outros integrantes do governo, se referiu a ele de forma desrespeitosa. O capitão sabe que a demissão vai provocar reações entre os demais generais. Em outras palavras, é o prenúncio da tempestade perfeita.