Inicio esta postagem lembrando que nosso Blog comemorou mais um aniversário na última segunda-feira, 9. "Comemorou" é modo de
dizer, pois não houve festa, bolo ou champanhe. Nem mesmo uma simples remissão
deste blogueiro à efeméride — acho que foi a segunda vez em 13 anos que a data me passou despercebida. A quem interessar possa, as 4.280 postagens publicadas desde 2006 continuam acessíveis. Basta retroceder
pelas páginas, valer-se do campo "Arquivo do Blog" (no final da
coluna à direita) ou digitar as palavras-chave na caixa de buscas. A ferramenta de pesquisas não é grande coisa, mas ajuda a localizar posts sobre temas específicos. Dito isso, vamos em frente.
O tema de hoje foge um pouco ao nosso trivial, mas resolvi abordá-lo depois de ler a coluna de Walcyr Carrasco em Veja
desta semana. Isso porque sempre achei um saco essa coisa de "patrulha do politicamente correto".
Afinal, desde quando trocar o nome dos bois transforma uma rês capenga num
garanhão premiado? Por que diabos é ofensivo chamar de "gordo" alguém que pesa
140 quilos? Ou de "surdo" alguém que não ouve? Referir-se a este
último de "deficiente auditivo" o levaria a ouvir melhor? No
frigir do ovos, nem sei mais como devo me referir a pessoas da
raça negra. "Cidadão de cor"? "Afrodescendente"? Aliás, alguém já viu um branco se ofender ao ser chamado de... branco?
Antes passar à crônica do Walcyr, dedico algumas linhas a outra matéria, publicada nessa mesma edição de Veja, que foca Os Trapalhões à luz da prepotência do
líder do grupo, o "Didi" —
personagem incorporada pelo palhaço sem graça Renato Aragão, hoje com 84 anos.
Observação: Dos outros três integrantes da
trupe, somente "Dedé" — nome artístico de Manfried Sant'Anna — continua vivo (aos 83 anos); Zacharias (Mauro Faccio) morreu em 1990 e Mussum
(Antonio Carlos Gomes), em 1994.
A reportagem, assinada por Bruna Motta
e Fernando Molica, relembra que os
quatro patetas fizeram um estrondoso sucesso por longos 30 anos — recorde mundial de
permanência de programa humorístico no ar, devidamente registrado no Guinness — despejando a mancheias piadas
de gosto duvidoso sobre mulheres, homossexuais, negros, nordestinos e pobre em
geral em pleno horário nobre. E ninguém reclamava. Pelo contrário: no Rio, o
programa chegou a ter mais ibope que o quase imbatível Jornal Nacional. Os filmes dos Trapalhões figuram ainda hoje entre as seis maiores bilheterias de todos os tempos. O
disco "Saltimbancos Trapalhões"
vendeu 100 mil cópias — um feito extraordinário para a época. Mas nem tudo eram
flores nesse jardim.
O primeiro racha do grupo aconteceu em agosto de 1983 — a Globo passou seis meses exibindo
reprises, enquanto se tentava pacificar os ânimos. O estopim da briga teria
sido uma reportagem de capa de VEJA (O Grande Palhaço — Por que Renato Aragão Faz Rir), que evidenciava a condição de estrela maior de Didi e escancarava sua fortuna — esse, o empurrão fatal para a rebelião. Tamanha foi a raiva que Dedé, Mussum e Zacarias anunciaram o rompimento em uma entrevista coletiva, com Didi junto, sem saber de nada e pego de
surpresa.
Seguiu-se um período tumultuado, com cada lado fazendo trabalhos
próprios (e fracassados) e Aragão
estrilando com os “traidores” que o trocavam pelo trio de desafetos. Victor Lustosa, diretor assistente dos
filmes dos Trapalhões até o fatídico
1983, conta a reação furiosa de Renato
Aragão ao ouvir que estava de partida para a produtora rival. “Ele me falou: ‘você vai morrer de fome e não
venha bater na minha porta depois’.” Mais cruel ainda foi a forma como
dispensou sumariamente os três ex-colegas, ainda segundo Lustosa: “Não preciso deles.
Posso fazer a mesma coisa tendo um
cachorro, um macaco e um veado”.
A matéria revela ainda que Didi roubava as melhores piadas para si. Ferrugem, ator mirim no auge dos Trapalhões e que contracenou com eles na televisão e nos filmes,
relata que certa vez perguntou a Wilson
Vaz, redator do programa, por que estava aparecendo pouco. “Ele me mostrou uma pilha de páginas de texto
que havia escrito para mim, mas o Renato
não deixou que me passasse”, relembra. José
Lavigne, que dirigiu Os Trapalhões por alguns meses, confirma
ser constante a intervenção de Didi
na divisão das piadas. “Mas dono de
programa não rouba, ele pega”, filosofa, pragmático.
Várias pessoas da equipe relembram os comentários e as
atitudes racistas a que Mussum era
submetido. “Ele deixava bananas na
cadeira dele”, conta a camareira Sirene
Oliveira. “Meu pai não gostava disso
de jeito nenhum”, disse à reportagem o filho do humorista, Sandro Gomes. Se a brincadeira de mau
gosto acontecia fora do palco, Mussum mostrava sua irritação. No contexto do
programa, ele revidava com saraivadas de piadas sobre nordestinos em geral e
cearenses em particular (Aragão
nasceu em Sobral).
Durante a Copa do Mundo de 1994, Mussum morreu, aos 53 anos, por complicações decorrentes de um transplante
de coração. Decretou-se então o fim de Os Trapalhões,
no ar (com este nome) desde 1976. Passado um tempo, a Globo recontratou Aragão
para um programa-solo e Dedé foi
para o SBT fazer o mesmo —
conquistando mais audiência do que o antigo chefe. Reconciliaram-se em um
lacrimoso encontro no Criança Esperança
de 2004 e, quatro anos depois, estrearam em dupla um programa global, Turma do Didi (claro), encerrado
definitivamente em 2010. A Veja, Dedé disse que não tem raiva de
ninguém, mas não vai colocar azeitona na empada dos outros”. O humorista
amargou sérios problemas financeiros e recebe ajuda do velho companheiro Didi. De certa forma, e apesar de tudo,
esses dois trapalhões continuam juntos — sem graça como sempre foram, se o
leitor me permitir uma opinião sincera.
Para concluir, segue o texto de Walcyr Carrasco:
Em um capítulo de A Dona do Pedaço, coloquei uma personagem
falando de uma possível rival: “Deve ser gorda”. Foi o suficiente para receber
acusações de “gordofobia”. Já tive também, em outro elenco, um ator que beirava
os 140 quilos. Mas se ofendeu e cortou relações comigo quando um personagem o
chamou de “gordo”. Descobri que é errado dizer “gordo”, “gorda”. Grupos
militantes, haters da internet, todos se revoltam. O correto? Quando se vai
falar de alguém que está gordo, gordíssimo, diz-se que está com “sobrepeso”.
Criou-se a categoria de modelos “plus size”. Na verdade são gordas que desfilam
de lingerie, moda praia… Tudo bem. Plus size, ou qualquer outro termo, dá no
mesmo. São gordas. O que se faz é mudar palavras para retirar o suposto
sobrepeso (não resisti, é sobrepeso mesmo) negativo. Uma tendência forte no
politicamente correto. É um vocabulário pasteurizado. Eu tenho barriga, creio
que nunca a perderei. Já disse que, quando preciso viajar, compro um lugar para
mim, outro para a barriga. Eu e a barriga. Às vezes, quando vou comprar uma
camisa, digo: “Não quero listras horizontais, porque engordam”. O vendedor me
observa, crítico. Caio em mim. Reconheço. O que engorda não são as listras. Mas
comer pudim e chocolate, logo após um churrasco gorduroso. Entre outras
delícias. Mesmo assim, opto por uma camisa preta “porque emagrece”. Prefiro rir
e fazer piada a ser tratado com cautela. Como se minha barriga não pudesse ser
tema de conversa.
A verdade pura e
simples. Gordo não quer ser gordo. Raríssimas são as exceções. Prova disso é
que entre 2011 e 2018 o número de cirurgias bariátricas no Brasil aumentou em
85%. No total, até o ano passado, foram realizadas 424 682. É
óbvio que a obesidade é um
problema de saúde. Mas a maior parte dos pacientes só deseja usar
tamanho P. Muitas crianças choram na escola quando são chamadas de gordas. Para
tirar a carga negativa, não seria melhor simplesmente aceitar que as pessoas
são o que são? Politicamente correto significa falar de um jeito mais
bonitinho? É claro que termos como “barril”, “elefante” são ofensivos. Magoam.
Se eu posso tomar cuidado e não usar esses termos, é melhor. Mas também não
quero mascarar a realidade.
É tão ruim ser gordo?
Fora os problemas de saúde causados pela obesidade? Pois bem. Não é. Nós
vivemos num mundo contraditório. O padrão de beleza é ser magro. Mulheres
esqueléticas, subalimentadas, são consideradas lindas. Só ossos, eis tudo. O
padrão de beleza real é a mulher com curvas, seios, quadris. Expresso pelos
machistas numa frase lapidar: “Homem gosta de ter onde pegar”. Eu conheço
gordas com intensa vida afetiva e sexual. Amadas e desejadas. No universo gay,
existe a procuradíssima categoria dos “ursos”. Nela se enquadram também os
gordos.
É uma nova ditadura em que as palavras são mascaradas. Bobagem. Vocabulário não é regime. Falar diferente não emagrece. Gordice é gordice. Só que ninguém precisa sofrer por isso. Basta ser gordo e feliz.