Regina Duarte confirmou que foi convidada por Bolsonaro para assumir o comando da Secretaria da Cultura, na vaga do recém-defenestrado Roberto Alvim, e ficou de dar uma resposta até a próxima segunda-feira. Volto ao assunto oportunamente.
Por mais absurdo que possa parecer aos olhos de um observador distante o suficiente para não se infectar com a polarização político-ideológica tupiniquim, tanto a mídia quanto o Legislativo e o Judiciário perdem um latifúndio de tempo discutindo tolices como os pronunciamentos estapafúrdios dos Bolsonaros — pai, filhos e outros espíritos de porco que gravitam em torno do clã presidencial —, os erros de ortografia do ministro da educação e, pasmem!, o Especial de Natal do Porta dos Fundos, cuja exibição foi contestada pelo CENTRO DOM BOSCO DE FÉ E CULTURA — uma associação de carolas desocupados que parecem ignorar a existência de um dispositivo chamado “controle remoto”.
Enquanto isso, pelo fato de Jair Bolsonaro ter descumprido a
promessa de propor o fim da reeleição — e, pior, ter-se declarado
candidatíssimo a um segundo mandato poucos meses depois de ser empossado —, a contrapartida do ex-presidiário de Curitiba, que é ficha-suja e
portanto inelegível, embora os tendenciosos institutos de pesquisas o incluam em
praticamente todas as sondagens eleitorais, colocou o país do futuro
que nunca chega em clima de campanha presidencial precoce, embora o que se devesse focar são as eleições municipais deste ano — as primeiras que ocorrerão sob as novas regras instituídas pelo arremedo de reforma da Legislação Eleitoral (que ficou anos-luz distante do ideal, mas foi a que se conseguiu aprovar).
Dentre outras mudanças, destaca-se a proibição dos partidos de
formar coligações para eleger vereadores, pondo fim às malfadadas chapas mistas
— mediante as quais se elegiam pessoas na carona de outras, muitas vezes
inadequadas sob os aspectos político, ético, social, moral e cultural. A partir
de agora, como explica Dora Kramer na edição de Veja da semana
passada, cada partido que quiser garantir boas vagas nas Câmaras Municipais
terá de ir à luta com candidato próprio à prefeitura.
A norma também torna sem efeito o aluguel do tempo de
televisão e rádio de legendas menos expressivas, que trocavam essa benesse
financiada com dinheiro público por apoio a candidaturas majoritárias
(a prefeito, senador, governador e presidente) dos partidos maiores. Ah,
mas que importância tem isso no destino do país? Toda. Feito o teste municipal,
valerá a mesma regra em 2022, com óbvias e substantivas repercussões nas
campanhas e depois nas composições das Assembleias Legislativas e na Câmara dos
Deputados.
Para não incorrer no pecadilho do analfabetismo político, da
precipitação, do chute, enfim, do vexame cívico, convém ficar de olho na entrada
em cena dos candidatos oriundos dos movimentos civis suprapartidários, que
tiveram pouca importância relativa nas eleições de 2018, mas já despertam
interesse significativo e, ao que tudo indica, aumentarão sua presença nos
mais variados partidos, reforçando a atuação para 2022, em que serão atores de
peso e presença crescente.
No quesito novidades de 2020, teremos também o
posicionamento explícito de pretendentes às candidaturas presidenciais de 2022.
Como atuará cada um deles? Lula carrega o PT ao mundo da fantasia, pois
está impedido legalmente de concorrer. Bolsonaro, em campanha aberta,
vai tentar eleger o maior número possível de prefeitos de partidos
simpatizantes para depois os filiar ao Aliança pelo Brasil,
aproveitando que prefeitos não perdem o mandato por mudar de agremiação,
podendo fazê-lo quando a legenda obtiver registro no TSE. João Doria
já avisou que fará campanha para todos os candidatos do PSDB e aliados
do partido para ganhar visibilidade país afora, já que é candidatíssimo à presidência
da República. Luciano Huck, também pretendente, ouve de alguns de seus
conselheiros que deve ficar de fora para se preservar, ao passo que outros o aconselham
a já se mostrar como candidato. Na dúvida, o apresentador global mantém um pé
em cada canoa: não assume a candidatura, mas vai trilhando os caminhos da
política com conversações naquelas áreas ditas de centro e centro-direita que fomentaram
a vitória de FHC em 1994 (não se sabe ao certo se causa do Plano Real
ou se por expertise).
Em armadilha parecida poderá se ver o Congresso em 2020
devido ao Orçamento da União impositivo, segundo o qual o parlamento
passa a ser o responsável pelo ordenamento de despesas da União — pondo um fim naquele
escambo de troca de votos de deputados e senadores por liberação do dinheiro
das emendas. Com isso, o Legislativo fica mais independente e o debate sobre a
distribuição do Orçamento ganha nova importância, mas suas excelências não
terão mais esse velho colo para chorar, vão ter de se virar. Nas palavras de Rodrigo
Maia “a gente vai precisar fazer bonito pelo próprio esforço; se não
fizermos, não teremos a quem culpar”.
Por último, mas não menos importante: nem bem voltou
oficialmente de recesso, o Legislativo já trama contra aqueles que deveria
representar, provando e comprovando que morre cedo, no Brasil, aqueles que
vivem de esperança. Depois de elevar a própria estatura aprovando pautas como a
reforma da Previdência, os parlamentares pra lá de lamentáveis voltam aos poucos
ao normal, submetendo-se a um processo de encolhimento voluntário. Assim disse Josias de Souza:
Num instante em que a sociedade cobra do Congresso a volta
da prisão em segunda instância, os deputados urdem uma maracutaia capaz de
transformar num “superprivilégio” o fim do foro especial por prerrogativa de
função — que o STF restringiu, em 2018, a crimes praticados no exercício
do mandato e a ele relacionados. Processos de gente como Temer e Aécio,
por exemplo, baixaram para a primeira instância, mas, com a revogação da prisão
na segunda instância, esses e outros corruptos migraram do inferno para o paraíso,
passando a dispor de todo o manancial de recursos judiciais disponíveis nas
quatro esferas do Judiciário. Agora, os deputados ressuscitam emenda
constitucional já aprovada no Senado sobre a prerrogativa de foro, segundo a
qual continua sob a laje do privilégio apenas os presidentes dos três poderes e
o vice-presidente da República — o resto baixaria para o mármore quente da
primeira instância. Mas a proposta inclui uma emboscada: juízes de primeiro
grau seriam proibidos de decretar contra os políticos medidas cautelares como
prisão preventiva, ordens de busca e apreensão e quebras de sigilos bancário,
fiscal e telefônico. Assim, mesmo que a prisão em segunda instância seja
restaurada, apenas os tribunais teriam poderes para encostar os bandidos da
política contra a parede. A coisa funcionaria mais ou menos assim: o juiz de
primeira instância teria todo o poder para punir os corruptos, mas passaria a
operar de joelhos, com as mãos amarradas e com uma venda nos olhos.