sábado, 18 de janeiro de 2020

FOI-SE O TROCA-TROCA, MAS A IMORALIDADE “PARA LAMENTAR” AINDA CAMPEIA SOLTA


Regina Duarte confirmou que foi convidada por Bolsonaro para assumir o comando da Secretaria da Cultura, na vaga do recém-defenestrado Roberto Alvim, e ficou de dar uma resposta até a próxima segunda-feira. Volto ao assunto oportunamente.

Por mais absurdo que possa parecer aos olhos de um observador distante o suficiente para não se infectar com a polarização político-ideológica tupiniquim, tanto a mídia quanto o Legislativo e o Judiciário perdem um latifúndio de tempo discutindo tolices como os pronunciamentos estapafúrdios dos Bolsonaros — pai, filhos e outros espíritos de porco que gravitam em torno do clã presidencial —, os erros de ortografia do ministro da educação e, pasmem!, o Especial de Natal do Porta dos Fundos, cuja exibição foi contestada pelo CENTRO DOM BOSCO DE FÉ E CULTURA — uma associação de carolas desocupados que parecem ignorar a existência de um dispositivo chamado “controle remoto”.

Enquanto isso, pelo fato de  Jair Bolsonaro ter descumprido a promessa de propor o fim da reeleição — e, pior, ter-se declarado candidatíssimo a um segundo mandato poucos meses depois de ser empossado —, a contrapartida do ex-presidiário de Curitiba, que é ficha-suja e portanto inelegível, embora os tendenciosos institutos de pesquisas o incluam em praticamente todas as sondagens eleitorais, colocou o país do futuro que nunca chega em clima de campanha presidencial precoce, embora o que se devesse focar são as eleições municipais deste ano — as primeiras que ocorrerão sob as novas regras instituídas pelo arremedo de reforma da Legislação Eleitoral (que ficou anos-luz distante do ideal, mas foi a que se conseguiu aprovar).

Dentre outras mudanças, destaca-se a proibição dos partidos de formar coligações para eleger vereadores, pondo fim às malfadadas chapas mistas — mediante as quais se elegiam pessoas na carona de outras, muitas vezes inadequadas sob os aspectos político, ético, social, moral e cultural. A partir de agora, como explica Dora Kramer na edição de Veja da semana passada, cada partido que quiser garantir boas vagas nas Câmaras Municipais terá de ir à luta com candidato próprio à prefeitura.

A norma também torna sem efeito o aluguel do tempo de televisão e rádio de legendas menos expressivas, que trocavam essa benesse financiada com dinheiro público por apoio a candidaturas majoritárias (a prefeito, senador, governador e presidente) dos partidos maiores. Ah, mas que importância tem isso no destino do país? Toda. Feito o teste municipal, valerá a mesma regra em 2022, com óbvias e substantivas repercussões nas campanhas e depois nas composições das Assembleias Legislativas e na Câmara dos Deputados.

Para não incorrer no pecadilho do analfabetismo político, da precipitação, do chute, enfim, do vexame cívico, convém ficar de olho na entrada em cena dos candidatos oriundos dos movimentos civis suprapartidários, que tiveram pouca importância relativa nas eleições de 2018, mas já despertam interesse significativo e, ao que tudo indica, aumentarão sua presença nos mais variados partidos, reforçando a atuação para 2022, em que serão atores de peso e presença crescente.

No quesito novidades de 2020, teremos também o posicionamento explícito de pretendentes às candidaturas presidenciais de 2022. Como atuará cada um deles? Lula carrega o PT ao mundo da fantasia, pois está impedido legalmente de concorrer. Bolsonaro, em campanha aberta, vai tentar eleger o maior número possível de prefeitos de partidos simpatizantes para depois os filiar ao Aliança pelo Brasil, aproveitando que prefeitos não perdem o mandato por mudar de agremiação, podendo fazê-lo quando a legenda obtiver registro no TSE. João Doria já avisou que fará campanha para todos os candidatos do PSDB e aliados do partido para ganhar visibilidade país afora, já que é candidatíssimo à presidência da República. Luciano Huck, também pretendente, ouve de alguns de seus conselheiros que deve ficar de fora para se preservar, ao passo que outros o aconselham a já se mostrar como candidato. Na dúvida, o apresentador global mantém um pé em cada canoa: não assume a candidatura, mas vai trilhando os caminhos da política com conversações naquelas áreas ditas de centro e centro-direita que fomentaram a vitória de FHC em 1994 (não se sabe ao certo se causa do Plano Real ou se por expertise).

Em armadilha parecida poderá se ver o Congresso em 2020 devido ao Orçamento da União impositivo, segundo o qual o parlamento passa a ser o responsável pelo ordenamento de despesas da União — pondo um fim naquele escambo de troca de votos de deputados e senadores por liberação do dinheiro das emendas. Com isso, o Legislativo fica mais independente e o debate sobre a distribuição do Orçamento ganha nova importância, mas suas excelências não terão mais esse velho colo para chorar, vão ter de se virar. Nas palavras de Rodrigo Maia “a gente vai precisar fazer bonito pelo próprio esforço; se não fizermos, não teremos a quem culpar”.

Por último, mas não menos importante: nem bem voltou oficialmente de recesso, o Legislativo já trama contra aqueles que deveria representar, provando e comprovando que morre cedo, no Brasil, aqueles que vivem de esperança. Depois de elevar a própria estatura aprovando pautas como a reforma da Previdência, os parlamentares pra lá de lamentáveis voltam aos poucos ao normal, submetendo-se a um processo de encolhimento voluntário. Assim disse Josias de Souza:

Num instante em que a sociedade cobra do Congresso a volta da prisão em segunda instância, os deputados urdem uma maracutaia capaz de transformar num “superprivilégio” o fim do foro especial por prerrogativa de função — que o STF restringiu, em 2018, a crimes praticados no exercício do mandato e a ele relacionados. Processos de gente como Temer e Aécio, por exemplo, baixaram para a primeira instância, mas, com a revogação da prisão na segunda instância, esses e outros corruptos migraram do inferno para o paraíso, passando a dispor de todo o manancial de recursos judiciais disponíveis nas quatro esferas do Judiciário. Agora, os deputados ressuscitam emenda constitucional já aprovada no Senado sobre a prerrogativa de foro, segundo a qual continua sob a laje do privilégio apenas os presidentes dos três poderes e o vice-presidente da República — o resto baixaria para o mármore quente da primeira instância. Mas a proposta inclui uma emboscada: juízes de primeiro grau seriam proibidos de decretar contra os políticos medidas cautelares como prisão preventiva, ordens de busca e apreensão e quebras de sigilos bancário, fiscal e telefônico. Assim, mesmo que a prisão em segunda instância seja restaurada, apenas os tribunais teriam poderes para encostar os bandidos da política contra a parede. A coisa funcionaria mais ou menos assim: o juiz de primeira instância teria todo o poder para punir os corruptos, mas passaria a operar de joelhos, com as mãos amarradas e com uma venda nos olhos.