sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

MORO E A DISPUTA PELA PATERNIDADE DOS BONS RESULTADOS OBTIDO PELO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA



Complementando o que eu disse no post de anteontem, uma liminar (decisão provisória) de Dias Toffoli determinou que a implementação do juiz de garantias (que começaria a valer no próximo dia 23 deste mês, conforme a desfiguração feita no pacote anticrime de Sérgio Moro pelo Congresso e sancionada em dezembro pelo Capitão Burrosnágua) seja adiada por seis meses. 

Observação: O dublê de advogado do PT e presidente do STF se apressou a julgar a questão para evitar que Luiz Fux o fizesse, já que, na condição de vice-presidente da Corte, o ministro assume o plantão a partir da próxima semana e até o final do recesso do Judiciário. 

Vale salientar que Toffoli excluiu a excrescência nos casos de violência doméstica e familiar, nos crimes contra a vida e nos processos criminais na Justiça Eleitoral, o que deixa claro como o sol do meio-dia que o juiz de garantias foi criado para favorecer corruptores e corruptos.

Mudando de pato para ganso, o fracasso é órfão, mas o sucesso tem muitos pais. Na edição da sexta-feira passada, a revista eletrônica Crusoé publicou uma matéria (assinada por Helena Mader) sobre a disputa pela paternidade dos bons resultados na segurança. Na visão da articulista, esse é o menor dos problemas do ex-magistrado, já que o movimento para limitar seus poderes como ministro da Justiça e Segurança Pública segue a todo vapor, seja por interesse eleitoral ou simplesmente criminal.

A figura do Mago Merlin na versão da Disney, postada nas redes sociais por Moro, precipitou um inevitável embate político de 2020: a busca por protagonismo na segurança pública. O combate à criminalidade foi um dos principais temas das eleições de 2018, e a história deve se repetir neste ano, com os candidatos a cargos municipais tentando desfraldar a bandeira com a mesma desenvoltura de Merlin ao empunhar sua varinha de condão.

À primeira vista enigmática, a ilustração foi uma resposta irônica de Moro a críticos que questionavam o papel do governo federal na redução dos índices de violência. “Se quiserem atribuir a queda ao Mago Merlin, não tem problema. Trabalhamos para melhorar a vida das pessoas e o que importa é que os crimes continuem caindo”, escreveu ele, numa reação que ultrapassa as fronteiras da mera disputa por holofotes na área de segurança. 

Moro segue sob intenso ataque e, não sem razão, passou a erguer diques em sua própria defesa. Depois de desidratar seu pacote anticrime, setores do Congresso e do próprio governo se movem, alguns sem a menor discrição, para enfraquecê-lo politicamente. Alguns dos atores agem por interesses pessoais — de olho em verbas e cargos, não faltam entusiastas do desmembramento da Segurança Pública da pasta da Justiça —, outros por temor político, já que Moro exibe torneada musculatura eleitoral para as eleições presidenciais daqui a menos de três anos e, se quiser partir para um voo solo, vira de imediato o favorito da peleja.

Há, é claro, um ponto de intersecção onde as duas conveniências se encontram, uma vez que a tentativa de esvaziar o papel do ministro no combate à criminalidade também teria a finalidade de enfraquecê-lo no plano eleitoral. O presidente Bolsonaro descarta, por ora, dividir a pasta de Moro eu dois ministérios, o que tiraria a Polícia Federal do controle do ex-juiz da Lava-Jato. Mas, nos bastidores, o capitão usa essa possibilidade como biombo para a hipótese de Moro frustrar suas pretensões eleitorais para 2022 — o capitão acalenta o sonho de tê-lo como vice, mas receia que ele se transforme no protagonista da chapa.

Já o lobby no Congresso e no entorno do governo para desnutrir o ex-juiz tem organização e estratégia. É orquestrado por líderes de partidos do centrão, os mesmos que desfiguraram o pacote anticrime nos bastidores, e por aliados com trânsito livre nos palácio do Planalto. Um dos principais defensores da cisão do ministério de Moro é o ex-deputado federal e coronel reformado Alberto Fraga, que, além de amigo e conselheiro de Bolsonaro, integra a chamada “turma da maçaneta” — aquela que entra no gabinete presidencial sem precisar bater à porta nem marcar horário. Com moral nas alturas, Fraga não se acanha em fazer críticas públicas a Sergio Moro. "O presidente tem ouvido todos os argumentos, mas acha que não é o momento de mexer nisso", disse Fraga a Crusoé.

O último balanço divulgado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública desmoraliza as críticas ao revelar a redução de vários indicadores de violência. Os homicídios dolosos caíram 22% entre janeiro e agosto de 2019 na comparação com o mesmo período do ano anterior — 6.684 vidas foram preservadas. Apesar da persistente crise econômica, até mesmo crimes contra o patrimônio despencaram: assaltos a bancos tiveram redução de 36,4% e roubos de carga caíram 22,9%.

Mesmo confrontado com os números, Fraga mantém a toada de ataques. "A criminalidade realmente caiu. Mas qual foi a medida adotada pelo ministério que justificaria essa redução dos índices? Nenhuma. Não existe. O mérito é realmente dos governos estaduais, não tenho nenhuma dúvida disso", diz. Responsáveis por 80% dos gastos com segurança, os governadores apressaram-se em disputar a glória pelos bons resultados. Especialistas no combate à violência reconhecem que o papel dos estados é fundamental, mas garantem que uma coordenação federativa e republicana é indispensável.

O interesse do amigo de Bolsonaro é de uma clareza meridiana e não guarda relação com as eleições de 2022. O parlamentar atua em causa própria, já que tem interesse na vaga caso a pasta de Moro venha a ser desmembrada para a criação do Ministério da Segurança Pública — seja para assumi-la pessoalmente, seja para indicar alguém de sua estrita confiança.

Ex-titular da Defesa, Raul Jungmann é outro interessado em disputar os holofotes do setor. Ele pilotou a pasta em seus onze meses de existência, depois que o Vampiro do Jaburu a criou através de uma medida provisória posteriormente aprovada pelo Congresso Nacional. Jungmann fez coro ao discurso de Fraga, atribuindo o mérito da queda da violência aos executivos estaduais. “Os estados são os grandes protagonistas desse resultado. Constitucionalmente, eles que cuidam da segurança. Mas o governo federal, na nossa gestão e na atual, contribuiu para isso e tem dado sustentabilidade a essa queda da criminalidade”, disse o ex-ministro, para quem a criação do Sistema Único de Segurança Pública, em 2018, foi fundamental para consolidar a trajetória de redução da violência.

Há outros políticos relevantes na campanha, com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. “Temos encontrado muita dificuldade no ministério, sobretudo na liberação de recursos do Fundo de Segurança Pública. Tanto que, em dezembro, o ministro Dias Toffoli concedeu uma liminar para desbloquear esses recurso. É preciso avançar muito, o governo federal tem recursos e programas que precisam ser implementados, mas falta diálogo do ministério com governadores e secretários de Segurança, afirmou o político.

Os que querem Moro longe da Segurança Pública são porta-vozes de um outro grupo que atua nos subterrâneos do poder em Brasília e faz o diabo para tentar influenciar o presidente Bolsonaro: a turma de colarinho branco enrolada em inquéritos e processos. Na atual legislatura, 50 deputados federais respondem a processos criminais na Justiça e pelo menos 27 senadores e 93 deputados são alvos de algum tipo de investigação. A escolha de Sergio Moro para o Ministério da Justiça havia indicado lá atrás a altura da régua moral do presidente eleito.

A chamada “bancada da bala”, pela qual Bolsonaro diz ter apreço, parece estar ao lado do ministro da Justiça. Líder da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, o deputado Capitão Augusto defende o trabalho desenvolvido até agora por Moro. "A César o que é de César. A redução da violência é, sim, um mérito do governo federal e do Moro. Não tivemos nenhum fato novo significativo na educação, na economia e nem no campo da inclusão social. Ainda assim, todos os índices de violência caíram", afirma o deputado, que foi um dos articuladores da criação do Ministério da Segurança Pública, em 2018. E acrescenta: "Mas já que houve a unificação das pastas, agora não dá mais para separar. Senão, o presidente passará a mensagem de que quer enfraquecer o Moro, o que seria péssimo". Para Augusto, se Bolsonaro separar as duas áreas novamente, será “um tiro no pé” e o escolhido para o ministério será visto como alguém “que traiu o Sergio Moro e o povo”. Não só o escolhido. O arquiteto da escolha também.

A pergunta de um milhão é: Capitulará Bolsonaro às pressões? Sucumbirá ele ao próprio interesse eleitoral? São questões ainda sem respostas, mas que povoam as mentes dos principais atores políticos da cena nacional.