terça-feira, 28 de janeiro de 2020

O JUIZ DE GARANTIAS SEGUNDO FUX




A incerteza que esvoaça desgraça mais que a própria desgraça”, dizia Tia Miquita — interpretada pela atriz Célia Biar no folhetim global MINHA DOCE NAMORADA”, que foi ao ar entre 1971 e 1972 e teve como protagonistas Regina Duarte e Cláudio Marzo.

Esse ditado me veio à mente devido às idas e vindas do STF em relação a temas de grande relevância. Como sabe quem acompanha as sessões da nossa mais alta Corte de Injustiça, os ministros vêm balizando seus votos cada vez menos baseados nos ditames da Lei e mais nas convicções político-ideológica e preferências partidárias de cada um, e a falta de consenso no plenário se traduz em placares de 6 votos a 5 ou, quando muito, 7 a 4.

Na semana passada, Dias Toffoli, atual presidente e responsável pelo plantão da Corte até o último final de semana, considerou constitucional a emenda incluída no pacote anticrime que cria o “juiz de garantias” — uma nítida represália urdida pelo deputado psolista Marcelo Freixo e apoiada pelos parlamentares enrolados com a Lava-Jato —, mas adiou sua implementação por 180 dias. Ao assumir o plantão na última segunda-feira, Luiz Fux, vice-presidente e relator das quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade protocoladas contra a PEC, revogou a decisão do colega e, apontando “vícios de inconstitucionalidade”, prorrogou a suspensão por tempo indeterminado (mais detalhes no post do último sábado e nesta matéria do Valor Econômico). Segue transcrição de trecho do despacho do ministro

Observo que se deixaram lacunas tão consideráveis na legislação, que o próprio Poder Judiciário sequer sabe como as novas medidas deverão ser adequadamente implementadas. O resultado prático dessas violações constitucionais é lamentável, mas clarividente: transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa. Em outras palavras, tem-se cenário em que o Poder Legislativo induz indiretamente o Poder Judiciário a preencher lacunas legislativas e a construir soluções para a implementação das medidas trazidas pela lei, tarefas que não são típicas às funções de um magistrado”.

Nunca é demais lembrar — e não se trata de uma crítica, mas de uma triste constatação —, que Toffoli, o Maquiavel de Marília, ganhou de Lula a suprema toga em 2009 graças aos “bons serviços” prestados ao PT, embora não tenha feito mestrado, doutorado, nem tampouco publicado um mísero panfleto sobre algum tema relacionado ao Direito. Abrilhantam seu invejável currículo duas reprovações em concursos para juiz de primeira instância em São Paulo — ambas na fase preliminar, que avalia conhecimentos gerais e noções básicas de Direito dos candidatos. Seu despreparo para o cargo de ministro salta aos olhos, e sua passagem pela presidência do STF, que ele pretendia “conciliadora”, vem se revelando uma execrável tragicomédia.

Para ficar num exemplo recente, ao conceder monocraticamente uma liminar ao senador Flávio Bolsonaro (sobre a investigação de “rachadinha” em seu gabinete na Alerj, quando o primogênito do capitão-decepção ainda era deputado estadual), Toffoli paralisou outras 935 investigações baseadas em dados fornecidos pelo Coaf e pela Receita Federal sem expressa autorização judicial. Em novembro, quando o assunto finalmente foi a plenário, o nobre magistrado sujeitou seus pares (e os telespectadores que assistiam à transmissão do julgamento ao vivo e em cores) a uma peroração que durou quase 5 horas, numa tentativa de explicar o que nem ele era capaz de entender. Ao final, o ministro Luís Roberto Barroso fez a única sugestão prática para desvendar a massa bruta de palavrório despejada pelo colega: “Vamos chamar um professor de javanês”.

Segundo J.R. Guzzo publicou à época, Toffoli, o inigualável, e seus parceiros de facção no STF são hoje a pior ameaça ao estado de direito, às instituições e à democracia no Brasil. Não são os “bots” das redes sociais, as “milícias”, a “extrema direita” e sabe lá Deus quem mais. São eles. Em geral, suas excelências fazem isso ordenando que os criminosos sejam protegidos e tenham direito à impunidade, sobretudo nos casos de corrupção. Mas a destruição da lei e a proibição de se prestar justiça no Brasil inclui, também, a incapacidade funcional de entender questões básicas de Direito. E o atual presidente do Supremo (cujo mandato, felizmente, termina em setembro p.f.) é a personificação disso tudo.

Voltando à decisão de Fux, os boquirrotos de sempre — que buscam as luzes da ribalta como mariposas a das lâmpadas — externaram suas subidas opiniões. Marco Aurélio Mello, por exemplo, afirmou que o vice que ainda não foi eleito presidente [Fux] e que o será em setembro afasta do cenário um ato do presidente, o que é terrível em termos institucionais e revela tempos estranhos, muito estranhos. Segundo o vice-decano — que ganhou a suprema toga do primo Fernando Collor de Mello —, a atitude de Fux foi um “descalabro” que gera insegurança jurídica e "desgasta barbaramente" a imagem do Supremo.  

ObservaçãoO que desgasta mesmo a imagem do Supremo é o fato de Marco Aurélio Mello e outros ministros da mesma cepa — que eu prefiro não citar nominalmente — serem membros da Corte, mas isso já é outra conversa.

A exemplo do que fez quando teve uma liminar sua cassada por Toffoli, Mello relembrou que “os integrantes [do Supremo] ombreiam, apenas têm acima o colegiado. O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares. Coordena, simplesmente coordena, os trabalhos do colegiado. Fora isso é desconhecer a ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o regimento interno, enfraquecendo a instituição, afastando a legitimidade das decisões que profira. Tempos estranhos em que verificada até mesmo a autofagia.

Resumo da ópera: O jabuti do juiz de garantias foi criado sob as bênçãos do ministro do togado supremo Alexandre de Moraes e feito sob medida para inventar uma quinta instância, tornando a Justiça mais lerda e mais cara e visando única e exclusivamente favorecer réus abonados. Basta ver quem apoia essa excrescência (PT, esquerda, Centrão) e quem a critica (Moro, Bretas e Oriovisto). Salvo melhor juízo, Fux não desrespeitou a decisão de Toffoli, até porque ser relator de quatro ações que tratam do tema lhe dá total autonomia na condução dessa discussão e a prerrogativa de liberar a matéria para votação em plenário, embora a decisão de colocar o assunto na pauta de julgamento seja do presidente da Corte.