quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

UM PAÍS DE BOBOS


Iniciada em setembro de 2019, a temporada tradicional de incêndios na Austrália se alastrou em cinco dos oito estados daquele país e, nos últimos dias, dezenas de focos ficaram fora de controle nas cidades e no campo. O fogo em proporções inéditas matou ao menos 19 pessoas, e milhares de australianos e turistas foram desalojados para fugir do calor. A ONU e outras entidades que tais, bem como o presidente da França, veículos da imprensa do mundo inteiro e a própria "pirralha" ativista-mirim escandinava Greta Thunberg — que descobriu a fórmula mágica para faltar na escola e ser aplaudida pelos otários de plantão —, não deram um pio. A explicação é que o incêndio na Austrália é diferente das queimadas que vitimaram a Amazônia brasileira em agosto de 2019. Aqui, o fogo foi atribuído à ação de pessoas, que queimaram a floresta para desmatamento e abertura de pastos. Lá, os incêndios são fenômenos naturais, e até agora não há registros de que tenham sido causados pela ação humana. Então tá.

Na sessão “VEJA ESSA” de Veja desta semana, Fernanda Thedim reproduziu um comentário atribuído a Lobão. Segundo a nota, o músico, apoiador de primeiríssima hora do presidente, “evidentemente arrependido da escolha” (o grifo é meu), disse que “NUNCA FOMOS TÃO BREGAS, VULGARES, MEDÍOCRES, RETRÓGRADOS, GROTESCOS, COM ESSA ‘ADMINISTRAÇÃO’ BOLSONARO”.

Não tenho procuração para falar por Lobão, mas acho que “arrependido da escolha” não se aplica ao caso dele, nem de milhões de brasileiros que apoiaram o capitão para evitar a volta do criminoso Lula, ora reencarnado no bonifrate Fernando Haddad. Salvo melhor juízo, não há que falar em arrependimento quando não existe alternativa à decisão que se impõe tomar. Poder-se-ia falar em decepção com alguém que durante toda a campanha agitou estandarte da intolerância à corrupção, mas limpou o rabo com a flâmula (não me perguntem onde enfiou o mastro) no instante em que o MP-RJ passou a farejar indícios de rachadinha no gabinete do primogênito Flávio Bolsonaro na Alerj.

Observação: Agora chegou a vez do pitbull presidencial. Dias atrás, a imprensa noticiou que Ana Cristina Valle foi convocada pelo MP-RJ a depor no processo que investiga a contratação de supostos funcionários fantasmas e da prática de “rachadinha” no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro. A ex-mulher do presidente esteve lotada como chefe de gabinete do Zero Dois entre 2001 a 2008 (para saber mais, clique aqui).

Jamais a história de que o capitão não tinha conhecimento do que faziam Fabrício Queiroz e o então deputado Flávio Bolsonaro. Quem viveu quase 30 anos no baixo-clero da Câmara Federal sabe melhor que ninguém como essa banda toca. De um bom presidente, espera-se que aproveite o cargo privilegiado para irradiar bons exemplos ao país. Não é o caso de Jair Bolsonaro, pelo menos no campo da ética, com bem lembrou Josias de Souza em sua participação no Jornal da Gazeta da última segunda-feira.

No final de semana, o capitão pronunciou mais uma frase que soa como aviso macabro. Referindo-se às investigações abertas contra os filhos Flávio e Carlos Bolsonaro, declarou que, se tivesse poder, "teria anulado, cancelado" os processos.

Diz o latim: Dura lex, sed lex — a lei é dura, mas é lei. Bolsonaro preferiria: "Dura lex, sed látex — a lei é dura, mas estica (sempre que for necessário livrar os filhos de encrencas).

O cinismo do presidente explica a desfaçatez com que ele esvaziou o Coaf, o descaramento com que ameaçou intervir na PF e na Receita e a tranquilidade com que atropelou Sergio Moro na sanção do juiz de garantias. Quando a luz se acende, o presidente se dá conta de que não pode tudo. Esconde as armas e o baralho. Faz cara de inocente, assobiando frases desconexas sobre o desejo de anular investigações hipoteticamente armadas pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Como se o Ministério Publico estivesse nas mãos do governador.

Na campanha, Bolsonaro era o cavaleiro da ética. Após receber a faixa de presidente, propôs em discurso a criação de um "movimento para restabelecer padrões éticos e morais" que transformariam o país. Disse que ficariam no passado "a corrupção, os privilégios, as vantagens e os favores". O que mais espanta não é o presidente admitir agora que gostaria de colocar os podres familiares sob o tapete. O que assusta de verdade é a suposição de que o Brasil é um país de bobos.