Os panelaços contra Bolsonaro — que vêm se repetindo há mais de uma semana — foram classificados por zero três como um protesto “meia-boca”, e a pandemia de Covid-19, comparada pelo menino prodígio ao acidente nuclear de Chernobyl (no que lhe assiste alguma razão, pois tanto a ditadura soviética de 1986 quanto a chinesa de 2020 tentaram esconder o problema, potencializando suas nefastas consequências).
Fato é que o post do deputado causou um “incidente
diplomático” com a China, que acontece de ser nosso principal parceiro
comercial e o único país que se dispôs a nos vender respiradores artificiais,
máscaras cirúrgicas e outros suprimentos necessários à prevenção e no
tratamento do coronavírus — inclusive os milhões
de testes rápidos que o Ministério da Saúde encomendou para agilizar a
detecção da doença Brasil afora, que são fabricados por uma empresa chinesa.
Sobre os panelaços, Josias de Souza, com a habitual lucidez e o indefectível humor
ácido que caracterizam seus comentários, lembrou que que grandes barulhos sociais costumam começar com um
chiado, e que há duas calamidades no Brasil, uma sanitária e outra verbal. Ao
tratar a primeira como uma "fantasia" que, turbinada pela
"grande mídia", evoluiu para a "histeria", o
chefe do Executivo cutuca com vara curta o saco cheio nacional.
Quinze meses atrás, Bolsonaro tinha um governo novinho
em folha, um Posto Ipiranga, uma agenda de reformas, um PIB
potencial de 2,5% e uma mulher chamada Michelle. Hoje, a primeira-dama
pode ser a única coisa que lhe resta.
Quando a falta de rumo do governo Bolsonaro começou a
se tornar patente, o Coronavírus mostrou que seu rumo é o de uma crise
sem precedentes, com a qual o presidente não tem capacidade de lidar, ou mesmo
de enxergar suas astronômicas dimensões. Paulo Guedes pede à população e
ao mercado que acreditem no governo, mas confiança não se impõe, se adquire. A
credibilidade de quem pede o voto de confiança conta muito, e o histórico de Bolsonaro
não o credencia. E com essa maldita pandemia, o que já era ruim ficou pior. O corte
de verbas (quase R$ 40 bi) que o superministro pretendia anunciar virou fumaça
com a mesma rapidez que o álcool em gel desapareceu do mercado. Sob estado de
calamidade sanitária, em vez de cortar despesas, Guedes terá de abrir os
cofres. O déficit de 2020, antes estimado em 124 bilhões, pode dobrar, e as
reformas estruturais, que já não empolgavam o Planalto e os líderes do
Congresso, subordinaram o liberalismo do Posto Ipiranga à lógica do
posto de saúde.
A depender da magnitude da crise, da capacidade da Nau de Insensatos
de atravessá-la e do tempo que levará até alcançar águas mansas, o epílogo
deste governo pode ser escrito por um presidente bem diferente daquele que há
pouco mais de um cavalgava expectativas esplendorosas. Na semana passada,
enquanto anunciava uma "festinha" de dois dias para celebrar seu
aniversário e o da primeira-dama, Bolsonaro declarou que a pandemia vai
passar. Átila, o rei
dos hunos, também passava. O problema era a situação em que ficavam o
gramado e a vegetação em volta depois de sua passagem.