domingo, 29 de março de 2020

ESTÁ DIFÍCIL! MAS NINGUÉM DISSE QUE SERIA FÁCIL!



Há momentos nesta vida em que somos obrigados a fechar para balanço. Como agora, por exemplo. Para tentar conter a pandemia do coronavírus — que, pelas últimas contas, já infectou 662 mil viventes e matou mais de 30 mil, mundo afora —, a solução foi parar o país (noves fora as atividades consideradas essenciais) para reduzir ao mínimo a interação entre as pessoas para postergar o colapso do sistema de saúde por excesso de demanda. E não só do SUS, mas também da rede privada.

Falando no SUS, se os trilhões de reais que o governo arrecada anualmente fossem bem administrados — e não desviados, roubados e malversados —, teríamos não só o melhor sistema de saúde pública do mundo, mas também o melhor ensino público e segurança igual ou melhor que de países como Islândia, Áustria e Dinamarca.

Falando na Dinamarca, a notícia de que Lula viajou para Copenhague para escapar do coronavírus é fake news. O criminoso de Garanhuns está confinado em SBC (embora devesse estar na cadeia) com a namorada da vez (Janja), e não apresentou qualquer sintoma da doença após ter voltado da Europa (para quem não se lembra, o sumo pontífice da seita do inferno se encontrou com o sumo pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana). 

Detalhe: ninguém entre os puxa-sacos que integraram a comitiva do molusco apanhou o vírus, ao passo que 25 dos puxa-sacos que acompanharam Bolsonaro aos EUA testaram positivo para o SARS-CoV-2. Parece que a praga da militância petista é mais eficaz que a dos bolsomínions. Por mim... bom, deixa pra lá.

Interessa dizer que um país que já vinha polarizado, dividido por um abismo político-ideológico-partidário que teve início graças ao “nós contra eles” incentivado por Lula e atingiu 99,999% da população, instala-se agora uma nova cizânia: por falta de bom senso e de consenso entre os governos Federal, Estaduais e Municipais sobre a eficácia, o alcance e a duração desse lockout, corre-se o risco de finalizar por vias indiretas o trabalho que Dilma começou, mas não teve tempo de terminar: enterrar de vez a Economia brasileira.

Há quem defenda o maior isolamento social possível enquanto durar a curva ascendente da pandemia e quem ache que o confinamento deva ser limitado aos grupos de risco, de modo a permitir a reabertura de empresas e estabelecimentos comerciais. 

O presidente é um caso à parte, pois há dois Jaíres Bolsonaros, que, como no filme O Médico e o Monstro (clique aqui para assistir ao trailer), habitam o mesmo corpo. Num determinado momento, Jair/Mr. Hyde chama a doença de “resfriadinho” e prega o final do isolamento sem nenhum estudo científico que embase a medida; em seguida, Jair/Dr. Jekyll avaliza medidas que o governo começa a adotar para proteger empresas e pessoas, favorecendo a manutenção do confinamento por mais algum tempo. 

A soma dos Bolsonaros dois resulta num presidente confuso, que tende a trocar a ciência pela conveniência política do candidato à reeleição, que tenta jogar no colo dos governadores uma recessão que se revela inevitável no mundo todo.

Epidemiologistas e infectologistas afirmam que o melhor caminho a ser seguido deve ser decidido de maneira técnica e não política ou exclusivamente econômica. Até o momento, o país adotou o que se convencionou chamar de "isolamento horizontal", no qual todos são aconselhados a ficar em casa, conforme preconiza a OMS, a fim de frear a disseminação do vírus e prevenir um colapso do sistema de saúde. Mas Bolsonaro, desautorizando seu próprio ministro da Saúde (*), vem defendendo outro modelo, chamado "vertical", que permite a reabertura de escolas, universidades e negócios e prevê que apenas idosos e pessoas com doenças preexistentes se isolem.

(*) Há uma semana, segundo o Datafolha, seu desempenho no combate ao coronavírus rendeu a Mandetta 55% de aprovação popular — 20 pontos percentuais a mais que os 35% de Bolsonaro. Não podendo elevar a própria estatura, o capitão encolheu o auxiliar. O linguajar técnico que rendia prestígio ao ministro acocora-se diante das conveniências políticas do presidente. Segundo O Antagonista, Mandetta precisou atacar a imprensa para agradar o chefe e o filho lelé: “Desliguem um pouco a televisão. Às vezes ela é tóxica demais. Há quantidade de informações e, às vezes, os meios de comunicação são sórdidos porque só vendem se a matéria for ruim. Publicam o óbito, nunca vai ter que as pessoas estão sorrindo na rua. Senão, ninguém compra o jornal.” Não que eu discorde totalmente dessa colocação, mas, enfim, se o doutor não se cuidar, sua reputação como médico logo caberá numa caixa de fósforos.

Estima-se que, caso nada tivesse sido feito, até 40 milhões de pessoas morreriam. Medidas intermediárias, que reduzem os contatos sociais dos idosos com outras pessoas em 60%, e do restante da população em 40%, baixaria o número de mortos à metade. Já o retorno à rotina sem planejamento e reforço na aplicação de testes pode ter efeitos devastadores, sobretudo enquanto número de casos estiver aumentando — a menos que surja uma vacina ou um prodígio de magia capaz de imunizar a população.

Há quem afirme que manter o isolamento horizontal durante muito tempo não só impactaria negativamente a economia como faria com que a imunidade social continuasse baixa (ou seja, quando se retomasse a vida normal, poderia haver uma segunda onda de infecções). Mas o fato é que não existe consenso, muito menos entre os níveis de governos. O que se vê nas entrelinhas é uma disputa política com vistas às eleições de 2022.

Se o bom senso prevalecesse, muito provavelmente a decisão seria por uma abertura gradual, mantendo a proibição de eventos públicos e o fechamento de espaços como cinemas, teatros, de modo a evitar aglomerações. Paralelamente, poder-se-ia modular (afrouxar ou ampliar) o confinamento com base na redução ou aumento do número de internações por semana, por exemplo. Mas para isso é preciso testar uma amostra significativa da população (entre 10% e 20%), para avaliar o nível de contaminação e prevenir que eventuais doentes sem sintomas entrem em contato com pessoas suscetíveis. O Ministério da Saúde anunciou a compra de 22,9 milhões de testes, e um grupo de bancos prometeu doar outros 5 milhões. Quando tivermos uma testagem mais abrangente, será mais seguro diminuir as restrições.

Para encerrar, um texto de J.R. Guzzo:

É uma tragédia que o Brasil, justo quando está sob o ataque da epidemia de propagação mais rápida dos tempos modernos, jogue a ciência no lixo para discutir o presidente Jair Bolsonaro. Não apenas a ciência foi abandonada em favor da disputa política; junto com o conhecimento, foram declaradas questões de interesse secundário, ou nem isso, a lógica, a busca de uma real eficácia no combate público à doença, o respeito aos interesses da maioria e a noção de que os governos existem para servir, e não para tirar vantagens das horas de desgraça. Os seres humanos, e eles são mais de 200 milhões, foram esquecidos.

Bolsonaro diz que Doria é “lunático” e faz “política” com coronavírus. As pessoas com responsabilidades a cumprir nessa crise, pelos cargos que ocupam nos governos ou em áreas onde se decide alguma coisa, não estão jogando no mesmo lado. Uma parte se dedica honestamente, se sacrifica e se arrisca para saber mais e cuidar melhor do combate ao coronavírus. Outra parte é apenas inconsciente, ou estúpida: dedica-se compulsivamente a copiar o que fez o vizinho, não quer estudar nada e acha que deve proibir o máximo das atividades humanas, na crença de manada que é isso — o isolamento, a quarentena e a proibição do contato entre as pessoas — que a maioria da população quer no momento. A parte que sobra é a dos que querem tirar vantagem da calamidade.

O Brasil não é um país unido na guerra contra um inimigo comum. É um país dividido em facções. E quando essas coisas acontecem, uma das primeiras vítimas é a liberdade de pensamento. Há uma interdição rancorosa às ideias divergentes, às dúvidas e às propostas que não sejam as suas. Há uma verdade só, o confinamento máximo, e quem discordar — ou meramente sugerir uma abordagem diferente — passa a ser tido como um inimigo público. Tudo se reduz a uma pergunta: você é contra ou a favor do que Bolsonaro está dizendo? O resto não interessa.

O que o presidente acha ou não acha não vai fazer diferença nenhuma. Se ele parar de falar no assunto pelos próximos 90 dias, por acaso o vírus irá embora? Ou, ao contrário, vai ficar mais agressivo? O que vai decidir as coisas é o acerto, maior ou menor, das medidas todas em defesa dos reais interesses do público.

Está cada vez mais óbvio, em cada vez mais países, qual é a prioridade suprema do momento: conseguir combinar a volta da normalidade na produção e nas relações humanas com o máximo de segurança para a saúde pública. Quem está realmente trabalhando para isso no Brasil?