Há momentos nesta vida em que somos obrigados a fechar para balanço. Como
agora, por exemplo. Para tentar conter a pandemia do coronavírus — que, pelas
últimas contas, já infectou 662 mil viventes e matou mais de 30 mil, mundo afora —, a solução foi parar o país (noves fora as atividades consideradas
essenciais) para reduzir ao mínimo a interação entre as pessoas para postergar o colapso do sistema de saúde por excesso de
demanda. E não só do SUS, mas também da rede privada.
Falando no SUS, se os trilhões de reais que o governo
arrecada anualmente fossem bem administrados — e não desviados, roubados e
malversados —, teríamos não só o melhor sistema de saúde pública do mundo, mas também
o melhor ensino público e segurança igual ou melhor que de países como Islândia,
Áustria e Dinamarca.
Falando na Dinamarca, a
notícia de que Lula viajou para Copenhague para escapar do coronavírus é fake
news. O criminoso de Garanhuns está confinado em SBC
(embora devesse estar na cadeia) com a namorada da vez (Janja), e não
apresentou qualquer sintoma da doença após ter voltado da Europa (para quem não
se lembra, o
sumo pontífice da seita do inferno se encontrou com o sumo pontífice da Igreja
Católica Apostólica Romana).
Detalhe: ninguém entre os puxa-sacos que
integraram a comitiva do molusco apanhou o vírus, ao passo que 25 dos puxa-sacos que acompanharam Bolsonaro aos EUA testaram positivo para o SARS-CoV-2. Parece que a praga da militância
petista é mais eficaz que a dos bolsomínions. Por mim... bom, deixa pra lá.
Interessa dizer que um país que já vinha polarizado,
dividido por um abismo político-ideológico-partidário que teve início graças ao “nós contra eles” incentivado por Lula e atingiu 99,999%
da população, instala-se agora uma nova cizânia: por falta de bom senso e de
consenso entre os governos Federal, Estaduais e Municipais sobre a eficácia, o
alcance e a duração desse lockout, corre-se o risco de finalizar por vias
indiretas o trabalho que Dilma começou, mas não teve tempo de terminar: enterrar de vez a Economia brasileira.
Há quem defenda o maior isolamento social possível enquanto
durar a curva ascendente da pandemia e quem ache que o confinamento deva ser
limitado aos grupos de risco, de modo a permitir a reabertura de empresas e estabelecimentos
comerciais.
O presidente é um caso à parte, pois há dois Jaíres Bolsonaros,
que, como no filme O Médico e o Monstro (clique aqui para assistir ao trailer), habitam o mesmo corpo. Num determinado momento, Jair/Mr. Hyde chama a
doença de “resfriadinho” e prega o final do isolamento sem nenhum estudo
científico que embase a medida; em seguida, Jair/Dr. Jekyll avaliza
medidas que o governo começa a adotar para proteger empresas e pessoas,
favorecendo a manutenção do confinamento por mais algum tempo.
A soma dos Bolsonaros dois
resulta num presidente confuso, que tende a trocar a ciência pela conveniência
política do candidato à reeleição, que tenta jogar no colo dos governadores uma
recessão que se revela inevitável no mundo todo.
Epidemiologistas e infectologistas afirmam que o melhor caminho
a ser seguido deve ser decidido de maneira técnica e não política ou
exclusivamente econômica. Até o momento, o país adotou o que se convencionou
chamar de "isolamento
horizontal", no qual todos são aconselhados a ficar em casa, conforme
preconiza a OMS, a fim de frear a disseminação do vírus e prevenir um
colapso do sistema de saúde. Mas Bolsonaro, desautorizando seu
próprio ministro da Saúde (*), vem defendendo outro
modelo, chamado "vertical", que permite a reabertura de
escolas, universidades e negócios e prevê que apenas idosos e pessoas com
doenças preexistentes se isolem.
(*) Há uma semana, segundo o Datafolha, seu desempenho
no combate ao coronavírus rendeu a Mandetta 55% de aprovação popular — 20 pontos
percentuais a mais que os 35% de Bolsonaro. Não podendo elevar a própria
estatura, o capitão encolheu o auxiliar. O linguajar técnico que rendia
prestígio ao ministro acocora-se diante das conveniências políticas do presidente. Segundo O Antagonista, Mandetta precisou atacar a imprensa
para agradar o chefe e o filho lelé: “Desliguem um pouco a televisão. Às
vezes ela é tóxica demais. Há quantidade de informações e, às vezes, os meios
de comunicação são sórdidos porque só vendem se a matéria for ruim. Publicam o
óbito, nunca vai ter que as pessoas estão sorrindo na rua. Senão, ninguém
compra o jornal.” Não que eu discorde totalmente dessa colocação, mas, enfim, se o doutor não se cuidar, sua reputação como médico logo caberá
numa caixa de fósforos.
Estima-se que, caso nada tivesse sido feito, até 40 milhões de
pessoas morreriam. Medidas intermediárias, que reduzem os contatos sociais dos
idosos com outras pessoas em 60%, e do restante da população em 40%, baixaria o
número de mortos à metade. Já o retorno à rotina sem planejamento e reforço na
aplicação de testes pode ter efeitos devastadores, sobretudo enquanto número de casos estiver aumentando — a
menos que surja uma vacina ou um prodígio de magia capaz de imunizar a população.
Há quem afirme que manter o isolamento horizontal durante
muito tempo não só impactaria negativamente a economia como faria com que a
imunidade social continuasse baixa (ou seja, quando se retomasse a vida normal,
poderia haver uma segunda onda de infecções). Mas o fato é que não existe
consenso, muito menos entre os níveis de governos. O que se vê nas entrelinhas
é uma disputa política com vistas às eleições de 2022.
Se o bom senso prevalecesse, muito provavelmente a decisão
seria por uma abertura gradual, mantendo a proibição de eventos públicos e o
fechamento de espaços como cinemas, teatros, de modo a evitar aglomerações. Paralelamente,
poder-se-ia modular (afrouxar ou ampliar) o confinamento com base na redução ou
aumento do número de internações por semana, por exemplo. Mas para isso é
preciso testar uma amostra significativa da população (entre 10% e 20%), para
avaliar o nível de contaminação e prevenir que eventuais doentes sem sintomas
entrem em contato com pessoas suscetíveis. O Ministério da Saúde anunciou a
compra de 22,9 milhões de testes, e um grupo de bancos prometeu doar outros 5
milhões. Quando tivermos uma testagem mais abrangente, será mais seguro
diminuir as restrições.
Para encerrar, um texto de J.R. Guzzo:
É uma tragédia que o Brasil, justo quando está sob o ataque
da epidemia de propagação mais rápida dos tempos modernos, jogue a ciência no
lixo para discutir o presidente Jair Bolsonaro. Não apenas a ciência foi
abandonada em favor da disputa política; junto com o conhecimento, foram
declaradas questões de interesse secundário, ou nem isso, a lógica, a busca de
uma real eficácia no combate público à doença, o respeito aos interesses da
maioria e a noção de que os governos existem para servir, e não para tirar
vantagens das horas de desgraça. Os seres humanos, e eles são mais de 200
milhões, foram esquecidos.
Bolsonaro diz que Doria é “lunático” e faz “política”
com coronavírus. As pessoas com responsabilidades a cumprir nessa crise, pelos
cargos que ocupam nos governos ou em áreas onde se decide alguma coisa, não
estão jogando no mesmo lado. Uma parte se dedica honestamente, se sacrifica e
se arrisca para saber mais e cuidar melhor do combate ao coronavírus. Outra
parte é apenas inconsciente, ou estúpida: dedica-se compulsivamente a copiar o
que fez o vizinho, não quer estudar nada e acha que deve proibir o máximo das
atividades humanas, na crença de manada que é isso — o isolamento, a quarentena
e a proibição do contato entre as pessoas — que a maioria da população quer no
momento. A parte que sobra é a dos que querem tirar vantagem da calamidade.
O Brasil não é um país unido na guerra contra um inimigo
comum. É um país dividido em facções. E quando essas coisas acontecem, uma das
primeiras vítimas é a liberdade de pensamento. Há uma interdição rancorosa às
ideias divergentes, às dúvidas e às propostas que não sejam as suas. Há uma
verdade só, o confinamento máximo, e quem discordar — ou meramente sugerir uma
abordagem diferente — passa a ser tido como um inimigo público. Tudo se reduz a
uma pergunta: você é contra ou a favor do que Bolsonaro está dizendo? O
resto não interessa.
O que o presidente acha ou não acha não vai fazer diferença
nenhuma. Se ele parar de falar no assunto pelos próximos 90 dias, por acaso o
vírus irá embora? Ou, ao contrário, vai ficar mais agressivo? O que vai decidir
as coisas é o acerto, maior ou menor, das medidas todas em defesa dos reais
interesses do público.
Está cada vez mais óbvio, em cada vez mais países, qual é a
prioridade suprema do momento: conseguir combinar a volta da normalidade na
produção e nas relações humanas com o máximo de segurança para a saúde pública.
Quem está realmente trabalhando para isso no Brasil?