domingo, 8 de março de 2020

AINDA SOBRE O CAPITÃO CAVERNA



ATUALIZAÇÃO SOBRE O CORONAVÍRUS: O Ministério da Saúde confirmou seis novos casos da virose no Brasil, dois em São Paulo, um no Rio de Janeiro, um no Distrito Federal e um na Bahia. Com isso, já são 19 casos confirmados da doença. Em Brasília, uma mulher de 52 anos — que esteve em viagem no Reino Unido e na Suíça — começou a apresentar febre, tosse e secreções em 26 de fevereiro. Tanto o teste feito na última quinta-feira quanto a contraprova deram positivo e a paciente segue internada, em estado grave (síndrome respiratória aguda severa), na UTI do Hospital Regional da Asa Norte, onde respira com a ajuda de aparelhos. Para mais informações sobre o COVID-19 e como se prevenir da doença, clique aqui

POSTAGEM DO DIA:

Bolsonaro atira no mensageiro ao responsabilizar a imprensa pela repercussão da piada que próprio fez, ao comentar o resultado fraco do PIB em 2019. Brincar com o crescimento pífio do PIB é brincar com a taxa de desemprego, é menosprezar as consequências no cotidiano do cidadão de baixa renda ou sem renda.

Um dia depois de ter escalado um palhaço empregado da TV Record para se fantasiar de presidente e responder as perguntas da imprensa, o capitão indagou, em tom irônico, por que os repórteres continuavam indo diariamente à residência oficial registrar suas declarações, a despeito de serem invariavelmente fustigados. De tão tosco, o mandatário do país deixa pelo caminho pistas sobre suas impropriedades — e até mesmo suas ilegalidade. Ao levar a tiracolo o "Carioca", depois de elogiar a chegada da franquia CNN Brasil, ele deixa claro o que considera imprensa que merece respeito.

Bolsonaro diz que jornalista é raça em extinção, mas se incomoda quando identificam nele a emulação do palhaço contratado. E o que se viu foi um palhaço orientando o outro sobre que perguntas fazer aos repórteres, enquanto bananas eram distribuídas e sua claque de apoiadores ia ao delírio. Um simulacro patético do que Chacrinha fazia no palco como arte (ainda que tosca e de gosto discutível), mas que o presidente e seu clone humorista transformaram na explicitação de uma visão de mundo apequenada pela atuação permanente no lado escuro da sociedade.

Volto a dizer que há ocasiões em que o uso de uma frase, mesmo sendo um clichê, aplica-se perfeitamente a determinadas situações. No caso em tela, vale relembrar a lição dada por William Randolph Hearst, magnata da imprensa e inspirador do filme Cidadão Kane, de Orson Welles: “Notícia é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado. O resto é propaganda”.

Nada de engraçado pode ser extraído dessa história patética senão o fato de Bolsonaro ainda se espantar quando os jornais independentes estampam nas manchetes sua falta de compostura. A exemplo do General Costa e Silva (27.º presidente do Brasil e segundo da ditadura militar), que dizia preferir "elogios construtivos" a críticas construtivas, Bolsonaro não gosta de críticas (e tampouco da imprensa, mas aí o sentimento é mútuo).

Lula e Dilma também não eram fãs incondicionais da imprensa nem se deliciavam com o que era publicado a seu respeito no tempo em que ocuparam o Palácio do Planalto. Em 2017, durante um evento no Rio de Janeiro, o petista disse que, se um dia voltasse à Presidência da República, faria a regulação legal dos órgãos de imprensa. Já a gerentona de araque tinha sua contrafação: o comediante que fazia a Dilma Bolada recebia, segundo diversas delações, pagamento mensal em “dinheiro não contabilizado” para cumprir a missão (impossível) de transformá-la numa figura simpática popularmente.

Antes de encerrar, complementando o que eu disse no post de ontem sobre as patacoadas de Paulo Guedes e a reação do Congresso à referência ao AI-5, assim escreveu J.R. Guzzo:

O planeta Terra seria um lugar perfeitamente insuportável se todo o mundo, sem nenhuma exceção, dissesse sempre a verdade, o tempo todo, para todas as outras pessoas que conhecesse. Já imaginou? É melhor não imaginar. 

O fato é que esta vida precisa ter os seus momentos de hipocrisia, para funcionar com um mínimo de paz — mas também é fato que as autoridades da nossa vida pública não precisavam exagerar. É a velha história: gente que manda não perde praticamente nenhuma oportunidade de ficar cega para os seus próprios desastres, mas nunca é surda, nem por um minuto, para qualquer erro que possa ser cometido pelos outros.

O hipócrita, felizmente, é um bicho que só morde de verdade quando consegue esconder que está sendo hipócrita – quando a sua hipocrisia fica na cara de todo mundo, como vive acontecendo, o mal que faz não leva a lugar nenhum. É o caso, neste preciso momento, do ministro Dias Toffoli, que acaba de compartilhar com o resto da nação suas preocupações com a má imagem que os investidores estrangeiros fariam do Brasil depois de uma declaração do ministro Paulo Guedes sobre o AI-5. Teria o ministro sugerido a ressurreição do “Ato”, que está morto há 40 anos — quatro vezes mais, aliás, que o tempo durante o qual esteve vivo? Não. Ele disse o seguinte: “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”, no caso de haver baderna na rua, em vez de oposição na política.

É livre, obviamente, o julgamento de cada um sobre o que disse Guedes. O que não tem cabimento é imaginar que Toffoli está sendo aquilo que ele finge que é — um cidadão aflito com o futuro do investimento externo no Brasil. Se há alguém nesse País que assusta o investidor, de qualquer nacionalidade, é ele mesmo, em pessoa — junto com os seus parceiros de STF que acabam de proibir a prisão de criminosos condenados em segunda instância. Isso, sim, é construir a imagem de uma nação sem lei.

Bom domingo a todos, apesar dos pesares.