Cotação do dólar chega aos R$ 4,78 na
manhã desta segunda-feira Fico imaginando – ou melhor, tenho até medo de
imaginar – como se comportará a Bolsa ao longo do dia. Enfim, bola pra frente,
é vida que segue, o show tem que continuar. Vamos à postagem do dia.
Nunca antes na história deste país — como diria o criminoso de Garanhuns e ex-presidiário de Curitiba — presidente algum demonstrou tanta competência em degradar a função presidencial quanto Jair Bolsonaro, mestre em adaptar os usos e costumes republicanos a seu modo de vida à margem das instituições e PhD em utilizar essas mesmas instituições para tentar destruí-las.
Considerado pelo general-ditador Ernesto Geisel como um
homem anormal e “mau militar”, o hoje presidente teve sua carreira no
Exército abreviada por planejar atos terroristas à guisa de reivindicação
salarial nos quartéis. Em 1986, o então capitão publicou na revista VEJA um artigo em que reclamava
do soldo (a matéria lhe rendeu 15 dias
de prisão e um processo por indisciplina), e no ano seguinte, também em
protesto contra os baixos salários, planejou explodir bombas de baixa potência
em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente, e o insurreto
foi absolvido de todas as acusações. Mas sua carreira militar terminou ali.
Eleito por uma maioria de mais de 57 milhões de votos — uma
resposta que as urnas deram aos anos de governo petista, marcados por
escândalos de corrupção e pela maior crise econômica da história do país —, Bolsonaro
representa um núcleo extremista da sociedade que incentiva a ir às ruas contra
as mesmas instituições que jurou proteger. Não tem noção do que venha a ser decoro,
seja na vida privada, seja na pública, e tampouco respeita a “liturgia do
cargo”. Anda às voltas com denúncias de divisões salariais ilegais em seus gabinetes
e nos de seus filhos — a chamada “rachadinha” — e em 27 anos como
deputado federal só aprovou dois projetos, mas colecionou quase
30 processos, alguns dos quais ainda tramitam no STF (embora tenham
sido suspensos quando ele vestiu a faixa, já que o presidente da República não
pode ser processado por atos anteriores ao mandato).
Nu como o rei da fábula, o presidente
revela-se uma patética versão de Lula com sinal trocado, um populista
manipulador que, embora não tenha o dom da retórica do arquirrival, alimenta um
discurso extremamente sectário, persegue adversários políticos, ataca a
imprensa e atribui a inimigos imaginários a culpa por seus próprios fracassos.
Graças à péssima qualidade do nosso eleitorado, o embate no
segundo turno das eleições passadas se deu entre os dois extremistas extremados
do espectro político-ideológico. Com isso, para evitar o mal maior, a direita
chegou ao poder encarnada num pseudo conservador, ferrenho defensor de uma
política econômica nacionalista e intervencionista, e que sequer conhece o
conceito de “direita”.
A exemplo do que fez Lula em 2002, ao assinar a Carta
ao Povo Brasileiro para acalmar o mercado — consta que o texto, supostamente
da lavra do então candidato, foi na verdade redigido por Antonio Palocci,
já que o pseudo signatário mal sabia ler, quanto mais escrever —, Bolsonaro,
por puro pragmatismo, escalou um economista liberal para chefiar o ministério da
Economia, um ex-juiz federal implacável com a corrupção e com os corruptos e mas
meia dúzia (se tanto) de notáveis. Dos demais, notadamente entre os que foram
indicados pelo guru de Virgínia (como as duas “sumidades” que chefiaram a pasta
da Educação até agora, certa pastora evangélica e um chanceler de araque), poucos valem o tempo que eu gastaria discorrendo sobre sua total inadequação ao cargo.
Um conservador, ensina o deputado federal Kim Kataguiri,
respeita as boas tradições e os principais frutos delas: As Instituições.
Isso inclui o Parlamento, o Judiciário, a Imprensa, a Polícia
Federal etc. Mas Bolsonaro deixa claro que não tem o menor apreço
por nenhum desses órgãos.
Durante a reforma da Previdência — principal bandeira do
governo —, o maior interessado em sua aprovação não só não colaborou como fez o
que pode para atrapalhar, até que sumiu do debate público — e se reapareceu no
final, foi para defender o destaque que garantiu privilégios aos policiais
federais (o que desidratou ainda mais a PEC). E depois estrilou quando os
presidentes da Câmara e do Senado, que tomaram para si a responsabilidade
pela aprovação da emenda, avisaram ela se daria nos termos dos parlamentares.
Em agosto do ano passado, numa entrevista à revista Veja,
o ministro Dias Toffoli (cuja passagem inglória pela presidência do STF
felizmente termina em setembro próximo, quando assumirá o posto o atual vice,
ministro Luiz Fux) que o Brasil esteve à beira de uma crise
institucional entre abril e maio, e que sua (dele, Toffoli) atuação foi
fundamental para pôr panos quentes numa insatisfação que se avolumava.
O ministro não deu muitos detalhes, mas a combinação
explosiva envolvia uma rejeição dos setores político e empresarial e até de
militares a Bolsonaro, e o cenário, de fato, era preocupante naquele
momento. No Congresso, a reforma da Previdência — principal e mais
importante bandeira econômica da atual administração — não avançava, e o
governo acusava os deputados de querer trocar votos por cargos e verbas
públicas. O impasse aumentou quando um grupo de parlamentares resolveu desengavetar
um projeto que previa a implantação do parlamentarismo, que, se aprovado, transformaria Bolsonaro
numa figura meramente decorativa, um lame duck — termo usado pelos americanos
para se referir a políticos desgastados, que perdem o protagonismo e se limitam
a cumprir compromissos protocolares, a quem os garçons palacianos servem a água
sem gelo e o café, frio.
No ano passado, os conflitos com o Congresso e a truculência
de Bolsonaro não impediram o avanço da agenda de reformas. Agora, porém, os
agentes econômicos e o mercado financeiro veem com preocupação as constantes
quedas de braço entre o Executivo e o Legislativo. Um exemplo
recente foram o impasse
com o Legislativo sobre o controle de cerca de R$ 30,1 bilhões do
Orçamento deste ano, que levou duas semanas para ser resolvido. Finalmente, após
acordo com o governo, o Congresso manteve os
vetos de Bolsonaro ao Orçamento impositivo, que devolve
ao Executivo o controle de R$ 30,8 bilhões. Mas novos
embates virão, até porque temos uma disputa institucional em curso.
Após a crise do presidencialismo de coalizão na era Dilma,
o Legislativo ampliou o controle sobre o Orçamento da União e
criou dificuldades para a edição de medidas provisórias. Mais recentemente, o Executivo
— ou a maneira de governar de Bolsonaro, melhor dizendo — acelerou um
processo que, no limite, poderá resultar num semiparlamentarismo de coalizão,
em vez do presidencialismo de coalizão (ou seria presidencialismo
de cooptação?). O Judiciário, por seu turno, se afirmou com a
judicialização da política a partir do julgamento do mensalão.
Para não estender ainda mais este texto, volto ao assunto
numa próxima oportunidade.