Está difícil. A qualquer minuto, dizem médicos
respeitadíssimos, os governos e as redes sociais, o sujeito pode pegar um
coronavírus ao botar o pé para fora de casa, e a partir daí não está claro se
ele vai ter uma gripe, se não vai acontecer nada ou se vai cair morto. Epidemiologistas
afirmam que o governo deveria adotar providências a fim de impedir ou limitar aglomerações
e movimentações de pessoas, suspender aulas em escolas e universidades,
espetáculos esportivos e artísticos, cultos religiosos e qualquer grande
reunião, bem como restringir a presença física em locais de trabalho e a circulação
pelas cidades.
Ler sobre o assunto, em geral, só aumenta a sua própria
confusão mental, visto que lhe jogam em cima 1.000 notas, avisos, vídeos,
áudios, fotos, etc., que se repetem ou se contradizem uns aos outros. Para
completar, começam a surgir, agora, dúvidas cada vez angustiantes sobre outras
aflições da vida. Vou perder meu emprego? Vou fechar a minha empresa? Vou ficar
sem um tostão no bolso?
O noticiário é tenebroso. As bolsas caem tanto, em todos os
países do mundo, a ponto de suspenderem os pregões. O dólar passa dos R$ 5,00.
As companhias de aviação, a continuar essa procissão, estão a caminho da
falência porque a cada dia um país diferente proíbe voos vindos do exterior, e
os passageiros não podem mais comprar passagens, mesmo que queiram. Na
sequência, quebram os hotéis e o restante da indústria de viagem. Segue-se a
falência dos fornecedores.
As indústrias não poderão operar se os operários não puderem
frequentar ambientes onde há outras pessoas. O mesmo vale para o grande, médio
e pequeno comércio. Faltam peças e componentes importados. E se proibirem as
pessoas de andar de ônibus, metro ou trem? Estão sendo suspensos shows,
disputas esportivas, convenções, congressos (inclusive congressos médicos) e
mais todo o tipo de atividade onde existe público.
Empresas que podem adotam, pelo menos em parte, o
“teletrabalho”. A Amazon quebra, porque não há mais gente para fazer as
entregas. A Netflix morre por falta de gente para ver seus filmes. Os
governos (o do Brasil, por exemplo, já está quebrado muito antes de qualquer
vírus) param porque não há mais funcionários, nem impostos. Ao fim e ao cabo, o
que sobra?
Há duas possibilidades: ou a onda passa, e passa
relativamente logo, ou o mundo acaba. Como a segunda hipótese é pouco provável,
mesmo porque é impossível dar tudo errado durante o tempo todo, sobra a
primeira. Há estimativas, nas quais você acredita se quiser, que as coisas vão
piorar durante os próximos três, quatro ou cinco meses, e depois começarão
inevitavelmente a melhorar — porque o contágio se esgota e o combate à epidemia
se torna mais eficaz. Muito do mal, entretanto, já está feito.
A economia mundial não vai crescer como se poderia esperar —
na verdade, o que se espera agora é exatamente o contrário. No Brasil,
especialmente, a situação é delicada. Não apenas a estrutura de saúde, pública
ou particular, não está equipada para enfrentar uma epidemia dessas proporções —
atenção: a de nenhum país está, mesmo no primeiro mundo, porque era impossível
prever o coronavírus e executar, durante anos, o volume de obras para
enfrentá-lo –, mas na própria economia em si. O Brasil vem de um
não-crescimento de 1% em 2019. A reação que se poderia esperar para este ano,
pela excelente posição dos principais fundamentos econômicos, já parece travada
— até porque a maioria das empresas, dos investidores e dos consumidores tem
certeza de que está travada.
O ministro Paulo Guedes disse que o país tem “capacidade
e velocidade de escape” para enfrentar a crise. Não se sabe bem o que é isso,
mas é certo que a urgência das reformas se torna cada vez mais vital. O Brasil,
sem nenhum vírus, já não tinha outra escolha que não fosse transformar
radicalmente o seu Estado. Agora, então, continuar a não mexer em nada parece
uma clara tentativa de suicídio.
Entrementes, Bolsonaro, ignorando riscos de
disseminação do vírus em aglomerações de pessoas, sobre os quais ele próprio
havia alertado, não só voltou a estimular como também aderiu aos protestos
pró-governo e contra o Congresso e o STF no último domingo, que foram mixurucas no tamanho — nem todos os eleitores do capitão são golpistas, mas todos os golpistas votaram nele, e foi esse pedaço do seu eleitorado, o pior pedaço, que desceu ao asfalto —, mas tiveram
um gigantesco significado político. "Não tem preço", reagiu Jair
Bolsonaro ao confraternizar com apoiadores. Engano. Haverá um preço. E ele
será alto.
O governo enfrenta um par de crises: a pandemia da COVID-19 e o raquitismo do PIB. O bom senso recomendaria buscar aliados e evitar brigas. Mas Bolsonaro achou que seria uma boa ideia associar-se a uma manifestação com ataques ao Judiciário e, sobretudo, ao Legislativo. Descobrirá nos próximos dias o seguinte: pior do que duas crises, só três crises.
Imaginou-se que o país viveria uma fase benfazeja, com a aprovação de novas reformas sem mensalões nem petrolões, mas o capitão substituiu o presidencialismo de cooptação pelo governo de trincheira, e o Legislativo, em resposta, levou a irresponsabilidade fiscal às fronteiras do paroxismo. Sob refletores, o governo foi à mesa de negociações; nos bastidores, o presidente detonou seus negociadores. O general Augusto Heleno forneceu munição à ala golpista chamando os congressistas de “chantagistas”, antes de arrematar em grande estilo: “Foda-se!”. Fornicou-se apenas o interesse público, pois os parlamentares responderam à hostilidade explodindo no colo de Bolsonaro uma pauta-bomba de R$ 20 bilhões — dinheiro que não existe nos cofres do Tesouro.
O governo enfrenta um par de crises: a pandemia da COVID-19 e o raquitismo do PIB. O bom senso recomendaria buscar aliados e evitar brigas. Mas Bolsonaro achou que seria uma boa ideia associar-se a uma manifestação com ataques ao Judiciário e, sobretudo, ao Legislativo. Descobrirá nos próximos dias o seguinte: pior do que duas crises, só três crises.
Imaginou-se que o país viveria uma fase benfazeja, com a aprovação de novas reformas sem mensalões nem petrolões, mas o capitão substituiu o presidencialismo de cooptação pelo governo de trincheira, e o Legislativo, em resposta, levou a irresponsabilidade fiscal às fronteiras do paroxismo. Sob refletores, o governo foi à mesa de negociações; nos bastidores, o presidente detonou seus negociadores. O general Augusto Heleno forneceu munição à ala golpista chamando os congressistas de “chantagistas”, antes de arrematar em grande estilo: “Foda-se!”. Fornicou-se apenas o interesse público, pois os parlamentares responderam à hostilidade explodindo no colo de Bolsonaro uma pauta-bomba de R$ 20 bilhões — dinheiro que não existe nos cofres do Tesouro.
O
deputado Marcelo Ramos, presidente da comissão que colocou em pé a
versão de reforma previdenciária aprovada pelo Legislativo ano passado,
sinaliza o que está por vir: “A ida do presidente às manifestações deixa
claro que ele não tem nenhuma responsabilidade com a agenda econômica do país;
se tivesse, estaria procurando unir o povo em torno dela e não dividir o
povo em torno de pautas antidemocráticas e secundárias.” E acrescentou:
"Bolsonaro se entrincheira no seu gueto de radicais, que
é cada vez menor, já que ninguém com o mínimo de bom senso pode continuar
acreditando nisso como um caminho razoável para o desenvolvimento e o futuro do
país."
Paulo Guedes continua pressionado pelas duas
emergências que o assediavam na semana passada e ainda terá de lidar com o
desafio de levar à vitrine medidas emergenciais contra os efeitos tóxicos do
coronavírus. Além de renovar seus argumentos em favor do destravamento das
reformas no Congresso, o ministro terá de lidar com um presidente que decidiu
dar de ombros para as recomendações médicas sobre o coronavírus para se isolar
numa quarentena com o golpismo. O preço político do isolamento será alto. Num
país que ainda convive com quase 12 milhões de desempregados, Bolsonaro
logo descobrirá que golpes retóricos não criam empregos. Mas então pode ser tarde
demais.
Com J.R. Guzzo e Josias de Souza