quarta-feira, 4 de março de 2020

DOIS BRASIS


Pouca gente é capaz de apresentar argumentos lógicos para explicar como funciona a engrenagem política e econômica que produz a desigualdade no Brasil. Mas basta entrar na fila do INSS para perceber que a desigualdade está lá.

No momento, aguardam na fila por aposentadorias e pedidos de auxílio doença e auxílio maternidade quase 1,9 milhão de pessoas. Desse total, 1,3 milhão de pessoas esperam a mais de 45 dias, prazo máximo para a resposta do INSS.

Essa fila existe porque há dois países num mesmo Brasil: o país real e o país alternativo, dos discursos oficiais. Por uma dessas ironias supremas, os dois Brasis se encontraram no noticiário desta segunda-feira. Com quase 50 dias de atraso, saiu finalmente no Diário Oficial da União a medida provisória que autoriza a contratação temporária de aposentados para ajudar a reduzir a fila que se formou nos guichês das aposentadorias. No mesmo dia, começou pontualmente o prazo para a entrega do Imposto de Renda de 2020.

No Brasil do Imposto de Renda — ágil, bem planejado, e 100% informatizado —, o brasileiro que é chamado a contragosto de contribuinte terá até o dia 30 de abril para prestar contas ao fisco, pagando os impostos devidos quando for o caso. No país do INSS — lento, sem planejamento e com uma informatização paleolítica — abril é o mês do início do treinamento do pessoal que será contratado para tentar zerar uma fila que não deveria existir.

O mais extraordinário é que os dois brasis — o da Receita Federal e o do INSS — convivem no organograma do Ministério da Economia, um de costas para o outro. Na Receita Federal, a modernidade do século 21. No INSS, serviços do século 19.

O Brasil continuará sendo o mais antigo país do futuro do mundo enquanto esses dois países abrigados no seu território — o moderno e o arcaico — não começarem a se encontrar em outro lugar que não seja o absurdo.

Texto de Josias de Souza.