Para não castigar o leitor com textos ainda mais longos que
os de costume, vou dedicar o post de hoje a mais algumas considerações sobre a
penúltima estultice bolsonariana e deixar para o próximo a continuação da
novela sobre a renúncia de Jânio e as sumidades que presidiram esta
banânia desde o fim da ditadura militar.
Como vimos, a manifestação popular do último domingo foi considerada
antidemocrática (na medida em que defendia o fechamento do Congresso e do
Supremo e a volta da ditadura e do AI-5) e provocou
uma saraivada de críticas, tanto da alta cúpula do Legislativo e do Judiciário
quanto de entidades como OAB, AMB, Ajufe e congêneres.
Isso porque o que poderia ser classificado como mais um protesto sem relevância
(como tantos outros) foi amplificado pela participação do presidente e seu
discurso em apoio aos manifestantes.
Bolsonaro tentou dar ares de apoio dos militares à
sua presença na manifestação — mas o Forte Apache (como é conhecido o QG
do Exército) ficou incomodado por ter sido escolhido como moldura de uma
ação política. O capitão convidou os generais ministros da defesa (Fernando
Azevedo e Silva) e da Secretaria de Governo, (Luiz Eduardo Ramos)
para acompanha-lo à efeméride, mas ambos declinaram do convite por considerarem
que sua presença passaria a impressão de que o Exército avalizava a
manifestação.
Pelo fato de Bolsonaro ser político, os generais
consideram que ele tem o direito de participar de manifestações políticas, mas,
diante da repercussão negativa desta última (ou penúltima, que outras
certamente virão), eles acharam que convalidar as reivindicações
antidemocráticas dos manifestantes foi um (ou mais um) tiro no pé.
O presidente baixou a bola e moderou o tom já na segunda-feira,
depois de receber um puxão de orelha do núcleo militar do governo. Em reunião na
noite do domingo, os ministros-generais combinaram o que ele deveria dizer no
dia seguinte para desfazer o clima político tenso (a frase “Já estou no
poder, por que daria um golpe?” lhe foi sugerida nessa reunião).
Por meio de nota, o Ministério da Defesa declarou que as
Forças Armadas obedecem à Constituição, e o procurador-geral Augusto Aras
pediu a abertura
de inquérito no STF para apurar responsabilidades, mas por alguma razão
não incluiu Bolsonaro entre os alvos da investigação. Ou ele ainda não
se deu conta de que deve obrigações não ao presidente que o indicou para o
cargo, mas à Constituição e ao brasileiro que lhe paga o salário, ou sua
intenção foi cacifar-se à vaga do Supremo que se abre em novembro com a
aposentadoria do decano Celso de Mello.
Josias de Souza diz em sua coluna que esse inquérito
está eivado de ironias, sendo a primeira delas o uso de ferramenta da ditadura
— a Lei de Segurança Nacional — para processar pessoas que pedem a volta
do regime militar, e a segunda o fato de as manifestações terem sido
magnificadas por um presidente que sustenta que não houve ditadura no Brasil. E
deixa no ar duas perguntas:
1) Por que manter o inquérito sob sigilo se o suposto
envolvimento de parlamentares é mais uma razão para submeter a apuração à luz
do Sol?
2) Por que Bolsonaro foi excluído do rol de
investigados, a pretexto de ter “apenas participado do ato”, quando foi
justamente sua participação que agregou relevância ao episódio?
Também não ficou claro como o pedido da PGR foi parar
na mesa do ministro-relator de outro inquérito secreto — o das fake news,
aberto em março do ano passado para apurar supostas notícias falsas contra o Supremo
e ataques aos seus ministros por iniciativa do presidente da Corte, Dias
Toffoli. Se a investigação que excluiu Bolsonaro for acoplada a esse
inquérito, ficará demonstrado que as coisas nem sempre são tão ruins quanto
parecem — elas podem ser muito piores.
Merval Pereira comenta que a piada do dia entre os
parlamentares é que os sorteios no STF estão sendo feitos “pela mão de
Deus”, como o gol do Maradona. O pedido de Aras caiu para o ministro
Alexandre, relator do inquérito das fake news, e o do deputado Eduardo
Bolsonaro (para impedir a prorrogação da CPI das Fake News no
Congresso), no colo de Gilmar Mendes, um dos mais ferrenhos combatentes
das fake news, e que tem assumido publicamente posições vigorosas contra as
reivindicações ilegais de intervenção militar — a tal ponto que retuitou uma
declaração do colega (mas não exatamente amigo) Luís Roberto Barroso,
repudiando os que pedem a volta do AI-5 e da ditadura militar.
Ainda segundo Merval, basta um parlamentar ou
associação da sociedade civil requisitar a inclusão de Bolsonaro no
inquérito para que o pedido seja encaminhado pelo STF à PGR,
criando um constrangimento que possivelmente impedirá sua não aceitação.
O
inquérito das fake news já tinha uma relação de 10 a 12 deputados bolsonaristas
e outros tantos empresários que tiveram o sigilo quebrado, e a PF estava
prestes a fazer busca e apreensão em seus endereços quando veio a quarentena. Com
o novo inquérito, ficará mais difícil brecar a investigação, que já teria
identificado o “gabinete do ódio” como sendo a origem das fake news, e não é nada
difícil que surja indícios de ligação desse grupo, coordenado pelo pitbull zero
dois, à organização dessas manifestações ilegais.
Aras conversou com Alexandre de Moraes e deve
receber um relatório sobre as investigações das fake news no início da próxima
semana. Originalmente, elas são sobre o STF, mas há indícios de que tudo
esteja interligado, e a PF deve escalar para o caso os mesmos policiais
que já estão trabalhando no inquérito das fake news, para dar mais agilidade às
investigações.
Vamos continuar acompanhado para saber que bicho vai dar.