quinta-feira, 23 de abril de 2020

AINDA SOBRE AS ASNICES PALACIANAS E SUAS REPERCUSSÕES



Para não castigar o leitor com textos ainda mais longos que os de costume, vou dedicar o post de hoje a mais algumas considerações sobre a penúltima estultice bolsonariana e deixar para o próximo a continuação da novela sobre a renúncia de Jânio e as sumidades que presidiram esta banânia desde o fim da ditadura militar.

Como vimos, a manifestação popular do último domingo foi considerada antidemocrática (na medida em que defendia o fechamento do Congresso e do Supremo e a volta da ditadura e do AI-5) e provocou uma saraivada de críticas, tanto da alta cúpula do Legislativo e do Judiciário quanto de entidades como OAB, AMB, Ajufe e congêneres. Isso porque o que poderia ser classificado como mais um protesto sem relevância (como tantos outros) foi amplificado pela participação do presidente e seu discurso em apoio aos manifestantes.

Bolsonaro tentou dar ares de apoio dos militares à sua presença na manifestação — mas o Forte Apache (como é conhecido o QG do Exército) ficou incomodado por ter sido escolhido como moldura de uma ação política. O capitão convidou os generais ministros da defesa (Fernando Azevedo e Silva) e da Secretaria de Governo, (Luiz Eduardo Ramos) para acompanha-lo à efeméride, mas ambos declinaram do convite por considerarem que sua presença passaria a impressão de que o Exército avalizava a manifestação.

Pelo fato de Bolsonaro ser político, os generais consideram que ele tem o direito de participar de manifestações políticas, mas, diante da repercussão negativa desta última (ou penúltima, que outras certamente virão), eles acharam que convalidar as reivindicações antidemocráticas dos manifestantes foi um (ou mais um) tiro no pé.

O presidente baixou a bola e moderou o tom já na segunda-feira, depois de receber um puxão de orelha do núcleo militar do governo. Em reunião na noite do domingo, os ministros-generais combinaram o que ele deveria dizer no dia seguinte para desfazer o clima político tenso (a frase “Já estou no poder, por que daria um golpe?” lhe foi sugerida nessa reunião).

Por meio de nota, o Ministério da Defesa declarou que as Forças Armadas obedecem à Constituição, e o procurador-geral Augusto Aras pediu a abertura de inquérito no STF para apurar responsabilidades, mas por alguma razão não incluiu Bolsonaro entre os alvos da investigação. Ou ele ainda não se deu conta de que deve obrigações não ao presidente que o indicou para o cargo, mas à Constituição e ao brasileiro que lhe paga o salário, ou sua intenção foi cacifar-se à vaga do Supremo que se abre em novembro com a aposentadoria do decano Celso de Mello.

Josias de Souza diz em sua coluna que esse inquérito está eivado de ironias, sendo a primeira delas o uso de ferramenta da ditadura — a Lei de Segurança Nacional — para processar pessoas que pedem a volta do regime militar, e a segunda o fato de as manifestações terem sido magnificadas por um presidente que sustenta que não houve ditadura no Brasil. E deixa no ar duas perguntas:

1) Por que manter o inquérito sob sigilo se o suposto envolvimento de parlamentares é mais uma razão para submeter a apuração à luz do Sol?

2) Por que Bolsonaro foi excluído do rol de investigados, a pretexto de ter “apenas participado do ato”, quando foi justamente sua participação que agregou relevância ao episódio?

Também não ficou claro como o pedido da PGR foi parar na mesa do ministro-relator de outro inquérito secreto — o das fake news, aberto em março do ano passado para apurar supostas notícias falsas contra o Supremo e ataques aos seus ministros por iniciativa do presidente da Corte, Dias Toffoli. Se a investigação que excluiu Bolsonaro for acoplada a esse inquérito, ficará demonstrado que as coisas nem sempre são tão ruins quanto parecem — elas podem ser muito piores.

Merval Pereira comenta que a piada do dia entre os parlamentares é que os sorteios no STF estão sendo feitos “pela mão de Deus”, como o gol do Maradona. O pedido de Aras caiu para o ministro Alexandre, relator do inquérito das fake news, e o do deputado Eduardo Bolsonaro (para impedir a prorrogação da CPI das Fake News no Congresso), no colo de Gilmar Mendes, um dos mais ferrenhos combatentes das fake news, e que tem assumido publicamente posições vigorosas contra as reivindicações ilegais de intervenção militar — a tal ponto que retuitou uma declaração do colega (mas não exatamente amigo) Luís Roberto Barroso, repudiando os que pedem a volta do AI-5 e da ditadura militar.

Ainda segundo Merval, basta um parlamentar ou associação da sociedade civil requisitar a inclusão de Bolsonaro no inquérito para que o pedido seja encaminhado pelo STF à PGR, criando um constrangimento que possivelmente impedirá sua não aceitação. 

O inquérito das fake news já tinha uma relação de 10 a 12 deputados bolsonaristas e outros tantos empresários que tiveram o sigilo quebrado, e a PF estava prestes a fazer busca e apreensão em seus endereços quando veio a quarentena. Com o novo inquérito, ficará mais difícil brecar a investigação, que já teria identificado o “gabinete do ódio” como sendo a origem das fake news, e não é nada difícil que surja indícios de ligação desse grupo, coordenado pelo pitbull zero dois, à organização dessas manifestações ilegais.

Aras conversou com Alexandre de Moraes e deve receber um relatório sobre as investigações das fake news no início da próxima semana. Originalmente, elas são sobre o STF, mas há indícios de que tudo esteja interligado, e a PF deve escalar para o caso os mesmos policiais que já estão trabalhando no inquérito das fake news, para dar mais agilidade às investigações. 

Vamos continuar acompanhado para saber que bicho vai dar.