quinta-feira, 2 de abril de 2020

BOLSONARO? NEM PRA SÍNDICO DE CONDOMÍNIO...



Nas últimas semanas, a polarização que até então advinha de divergências político-ideológicas se transformou numa dicotomia entre “pró-economistas” e “pró-sanitaristas”. Como seu presidente, brasileiros desprovidos de miolos não veem que estamos todos no mesmo barco e que a união é fundamental para impedir que a Nau dos Insensatos vá a pique. 

Lula e sua caterva semearam a discórdia com seu “nós contra eles”, mas Bolsonaro a tem adubado e regado, diuturnamente, com suas recorrentes estultices e seu indisfarçável apreço pelo confronto, o que dificilmente nos levará o navio a bom porto. Se a economia afundar, acaba o meu governo”, disse ele, aludindo a uma suposta “histeria” em relação à pandemia. Donald Trump, que o “mito” busca enxergar sempre que se mira no espelho, também pensava assim. Mas deu o braço a torcer quando sua ambicionada reeleição foi ameaçada pelos cadáveres que migram diariamente dos hospitais colapsados para o noticiário. 

 O fedor dos corpos em putrefação fez com que o chefe da nação mais poderosa do mundo ouvisse a voz da razão pela boca dos imunologistas e, diante da previsão nada animadora de 200 mil mortes, render-se ao poder do inimigo invisível e adiar até o final de abril o isolamento social que pretendia suspender no domingo de Páscoa. Já Bolsonaro, incapaz de enxergar um palmo adiante de seu obtuso radicalismo, continua a macaquear um Trump que deixou de existir, ainda que temporariamente, no último final de semana. 

Depois de desautorizar seu ministro da Saúde e participar de atos públicos em meio a uma multidão apoiadores, ignorando o isolamento a que deveria se submeter diante da proliferação da Covid-19 entre os membros da comitiva que o acompanhou em recente viagem aos EUA e outros puxa-sacos que gravitam no seu entorno, o capitão deu azo a boatos de que tencionava demitir Mandetta, a despeito do bom trabalho que o ministro vem realizando no enfrentamento da pandemia.

Entre o ciúme da popularidade do auxiliar e o medo da reação popular para além da claque amestrada dos bolsomínions, sua excelência recuou, mas estreou uma nova modalidade de apresentação dos dados sobre a guerra contra o coronavírus, substituindo as entrevistas no Ministério da Saúde por coletivas de imprensa no Planalto comandadas não por Mandetta, mas pelo general Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil.

O leve cheiro de união de esforços contra o inimigo comum não disfarça a catinga que emana do esgarçamento da tropa federal. E em meio a uma pandemia de contornos inéditos, o Brasil começa a perceber a falta que faz um presidente da República que realmente presida o país.

Peço licença a quem acompanha amiúde minhas humildes postagens para, em atenção aos recém chegados, abrir um parêntese: Meu repúdio à maneira como o Brasil vem sendo conduzido por um capitão incompetente não significa que me arrependo de ter apoiado Bolsonaro, até porque ele se tornou nossa única alternativa ao retorno do PT, depois que uma cáfila politicamente cega e desbragadamente fanática varreu, juntamente com o entulho, duas ou três opções que poderíamos ter aproveitado. Embora seja virtualmente impossível dizer como estaríamos sob a batuta de Henrique Meirelles, João Amoêdo ou Álvaro Dias, basta relembrar a ladroagem de Lula e a incompetência da gerentona de araque para ter uma ideia da merda que seria se Haddad (ou outro candidato de extrema esquerda) tivesse vencido. Não chego ao extremo de sugerir que Bolsonaro deveria ser internado num sanatório, como disse o finado Gustavo Bebianno (que, por sinal, conhecia o capitão melhor que ninguém), embora às vezes me seja difícil resistir (haja vista a mais recente mudança de opinião do presidente). Mas concordo com Janaína Paschoal quando ela diz que não há tempo para um processo de impeachment e que, litteris: “esse senhor tem que sair da Presidência da República”. Dias depois do pronunciamento da deputada, o jurista Miguel Reale — também signatário do pedido de impeachment de Dilma — afirmou que “o Ministério Público deve pedir que o presidente seja submetido a uma junta médica para saber se ele tem sanidade mental para o exercício do cargo”. Como dizia Shakespeare, “há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que supõe nossa vã filosofia”. Há, entre o branco e o negro (falo de cores, não de etnias), uma miríade de tons de cinza, e discordar de Bolsonaro não me torna (nem a ninguém) esquerdista ou simpatizante do lulopetralhismo. Aliás, considero imoral e oportunista a iniciativa de Ciro Gomes, Fernando Haddad, Tarso Genro, Guilherme Boulos et caterva de defender a renúncia de Bolsonaro. Por outro lado reconheço que lhes assiste razão quando dizem que “Bolsonaro não tem condições de seguir governando o Brasil e enfrentar essa crise”, e de ele ter se tornado não só um problema político, mas também de saúde pública.” E aqui fecho o parêntese.

Diz Josias de Souza em sua coluna que, neste governo marcado pela anormalidade, o ministro da Saúde defende o isolamento social enquanto o presidente da República advoga a reabertura do comércio e a volta dos mais jovens ao trabalho. O ministro valoriza a ciência e o presidente se guia pelo achismo. Sem uma coordenação central, governadores e prefeitos implementam o isolamento social meio na galega, cada um à sua maneira. O ministro pede à população que siga as recomendações dos governadores, e o hipotético presidente ameaça baixar um decreto autorizando a volta às atividades de trabalhadores formais e informais. Simultaneamente, o Ministério da Economia prepara a execução de medidas de socorro a pessoas e empresas vulneráveis, para dar fôlego ao confinamento que Bolsonaro quer suspender. Isso não se parece com um governo. Chama-se balbúrdia. Talvez esteja na hora de discutirmos em quais situações e até que ponto o Estado é necessário ou simplesmente inútil. Acho que a resposta depende do contexto, mas o contexto brasileiro mudou, em estamos perto de uma hecatombe social.

OBSERVAÇÃO: Na medida em que a política muda como mudam as nuvens no céu, "o timbre de Bolsonaro minguou na proporção direta do crescimento das estatísticas macabras da pandemia de coronavírus", diz Josias de Souza. "O novo pronunciamento deixou a impressão de que a mente do capitão se abriu para os conselhos da ala fardada do governo. Mas sua cabeça continua sendo uma espécie de terreno baldio, onde há sempre alguém atirando alguma sujeira." Basta ver que, em menos de 24 horas, sua excelência voltou a atacar os governadores, e publicou um vídeo que denunciava o desabastecimento em Minas Gerais. O vídeo se provou falso e a postagem, prontamente apagada pelo capitão (ou pelo filho paranóico que capitaneia suas postagens nas redes sociais).

Produziram-se dois fenômenos políticos surpreendentes: 1) Bolsonaro conseguiu dar um conteúdo oposicionista à sua Presidência; 2) A oposição que o suposto presidente faz à sua própria administração gerou no Executivo uma instabilidade que inflou a relevância do Legislativo e do Judiciário. Há em Brasília uma articulação subterrânea de parlamentares e magistrados para deter eventuais anomalias surgidas nesse período em que o navio se ressente da falta de um capitão experiente. Por falar nisso, Hamilton Mourão está de volta.

Segundo informou Thaís Oyama em sua coluna no UOL, Hamilton Mourão, que estava praticamente mudo desde abril do ano passado, fez duas aparições em grande estilo. Deu uma entrevista para a FOLHA (jornal que Bolsonaro tem na conta de desafeto) e disse que “falta coordenação ao governo no combate à pandemia”. Perguntado sobre como conduziria a crise, o general tinha a resposta na ponta da língua e discorreu alegremente sobre ela. Antes, já havia convocado uma entrevista coletiva no dia seguinte ao desastroso pronunciamento em que Bolsonaro pediu a "volta à normalidade" às pessoas que estavam em casa obedecendo recomendações do seu ministro da Saúde. Na ocasião, indo na contramão do presidente, o vice afirmou que "a posição do governo é de isolamento e distanciamento social". No momento em que tanto o coronavírus quanto Bolsonaro parecem estar fora de controle, Mourão quer mostrar que está vivo e operante. Vai que precisam dele...

Resumo da ópera: A mesma postura beligerante que impediu Bolsonaro de construir uma sólida base de apoio parlamentar em 15 meses levou-o, em menos de duas semanas, a unir todos contra ele, dos governadores dos estados aos presidentes da Câmara, do Senado e do STF. Sem falar nos opositores de sempre e na substancial parcela da população que, como eu, viu nele a única saída para impedir a volta do PT. Muitos de seus apoiadores de primeira hora — como Joice Hasselmann, Alexandre Frota, Janaína Paschoal e até os governadores do Rio, Wilson Witzel, e de São Paulo, João Dória — abandonaram o barco, e outros não tardam a segui-los, como fez recentemente o governador de Goiás, Ronaldo Caiado

Pelo andar da carruagem, em breve restará a Bolsonaro somente o apoio de seu triunvirato (falo de 01, 02 e 03), o que não bastaria sequer para elegê-lo síndico de condomínio. E a nós, só nos resta ter fé e rezar para que tudo isso seja um pesadelo do qual logo iremos despertar. Amém.