Paciência tem limites, e a minha já se esgotou. Não aguento
mais ouvir falar em coronavírus ou, pior, ver a cara de... não sei se de
surpresa, de espanto, de estupefação ou de estupidificação dos âncoras dos
telejornais, quando noticiam o crescimento do número de infecções e de mortes que eles próprios vêm noticiando há semanas — com a mesmíssima cara de bobo — que vão aumentar, pois o
pico da crise, segundo infectologistas, cientistas, especialistas e outros
istas, deve ocorrer em algum momento entre maio e junho. E como estamos no finalzinho
de abril... Quelle surprise!!!
Igualmente insuportável é a incompetência de proporções latifundiárias
com que este arremedo de republiqueta de bananas vem sendo governado. É de uma
clareza meridiana que alguns políticos de altíssimo coturno — cujos
nomes eu prefiro não citar — estão preocupados em livrar seus próprios rabos
sujos e os rabos sujos dos seus, além de fazer acordos espúrios com partidos
igualmente espúrios — isso depois de repudiarem
veementemente a política do toma lá dá cá — para comprar (com nosso dinheiro), a exemplo do que fez o vampiro do Jaburu, a boa vontade
de marafonas da Câmara para evitar que eventual
denúncia tenha prosseguimento no STF,
ou que um dos mais de 30 pedidos de impeachment sobre os quais Rodrigo Maia está sentado receba sinal
verde para seguir para o Senado.
Não é o momento, diz o presidente da Câmara.
E não é, mesmo! Só que alguém tem de combinar com os russos. Enquanto a gente
joga pelas regras e evita balançar ainda mais o barco durante a tempestade, eles tomam isso por fraqueza e aproveitam para
barbarizar.
Mandetta foi apeado porque estava fazendo um bom
trabalho — e sendo bem avaliado pela população. Moro foi forçado a se demitir devido ao tamanho do sapo cururu que
teria de engolir, mais uma vez, para ficar no cargo. Mas o ex-ministro não caiu atirando, como alguns vêm dizendo. Até porque, ao contrário de seus (agora) desafetos, Moro tem classe, e se limitou a deixar no ar a pergunta de um milhão:
por quê?
Se tem boca de jacaré, dentes de jacaré, couro de jacaré e rabo de jacaré, dificilmente será o coelho da Páscoa.
Para mim já deu. Passo a palavra a Josias de Souza, cujos pontos de vista, reparei agora, vão ao encontro dos meus, o que muito me honra. É óbvio que ele expõe suas ideias com um brilhantismo ímpar — que justifica a redundância —, e traz a lume elementos a que eu não havia tido
acesso, até porque escrevi meu texto na manhã deste domingo, e ele, no finalzinho da tarde. Sem mais delongas, vamos ao que interessa:
O coronavírus e a conversão de Sergio Moro em delator alteraram dramaticamente as prioridades de Jair Bolsonaro. Antes, ele planejava
tirar a economia do atoleiro e se reeleger. Agora, se esforça para não cair e
passar a impressão de que ainda comanda. Para alcançar esses dois novos
objetivos estratégicos, promove um encontro constrangedor. Junta a castidade
presumida dos militares e o gangsterismo político do Centrão na UTI em que se
encontra o seu governo.
Os militares ficam com Bolsonaro
por acreditar que a tarefa que se autoatribuíram de presidir o presidente virou
um imperativo patriótico. Mas a frequência com que o capitão fabrica crises revela que os generais do Planalto perdem
a guerra. O Centrão encosta seu código de barras no Planalto porque identificou
no apodrecimento do governo uma nova oportunidade para reassegurar que as
verbas do Tesouro Nacional continuarão saindo pelo ladrão.
Bolsonaro e
filhos viraram matéria-prima para investigação. O mandato do presidente pode ser
questionado num pedido de impeachment (há mais de duas dúzias deles na Câmara)
ou num processo criminal a ser julgado no Supremo (há três inquéritos abertos).
O Centrão passou a ser vital para nas duas hipóteses.
Recompensados com cargos e verbas, os parlamentares podem ajudar a enterrar pedidos de
impeachment ou negar autorização para que o Supremo julgue eventuais denúncias
da Procuradoria-Geral da República.
Bolsonaro flerta com os corruptos do Centrão há meses.
Ironicamente, coube a Sergio Moro,
ex-algoz de larápios na Lava-Jato, dar o empurrão que pode consolidar o
casamento.
Eleito numa campanha em que se enrolou na bandeira da Lava-Jato, Bolsonaro já não pode dizer "desta
água não beberei". Insinua que vai ferver antes. O diabo é que as demandas
do Centrão, mesmo que levadas à chaleira, dificilmente sairão do processo
purificadas. Os germes sobrevivem às altas temperaturas.
Há uma originalidade suicida no governo de Bolsonaro. Ele já não se preocupa em
maneirar. Executa com afinco a missão inconsciente de desnudar-se. Transforma o
Ministério da Justiça e a Polícia Federal em puxadinhos da família. É como se
desejasse desvendar os crimes denunciados por Sergio Moro, cometendo-os.
Para a pasta da Justiça, Bolsonaro escolheu o atual secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira. Trata-se de um grande
amigo. É major aposentado da Polícia Militar de Brasília. Convive com a família
desde garoto, pois seu pai trabalhou por duas décadas com o então deputado Bolsonaro. Jorge Oliveira foi, ele próprio, assessor parlamentar de Bolsonaro. Trabalhou também como chefe
de gabinete do deputado Eduardo
Bolsonaro, o Zero Três. É formado em Direito. Mas não vai à pasta da
Justiça por ser grande advogado. Ascende ao cargo por ser um advogado genial
aos olhos do inquilino da Presidência. Pode não ser um ás em jurisprudência,
mas entende de conveniência.
Para a função de diretor-geral da Polícia Federal, Bolsonaro escolheu o chefe da Agência
Brasileira de Inteligência, delegado Alexandre Ramagem. Na campanha de 2018,
coordenou a equipe de segurança do então candidato Bolsonaro. A despeito da
facada, caiu nas graças de Bolsonaro
e de sua dinastia. Ramagem
achegou-se aos três membros do clã Bolsonaro que exercem mandatos
eletivos: o deputado Eduardo, o
senador Flávio e, sobretudo, o
vereador "federal" Carlos.
Todos são fustigados por investigações da PF. Flávio, por causa da rachadinha. Eduardo e Carlos, por conta da suposta industrialização de notícias falsas e
de ataques a rivais nas redes sociais.
Neste domingo, Bolsonaro
foi questionado por um internauta nas redes sociais sobre a escolha de um amigo
dos filhos para comandar a PF.
Respondeu: "E daí?" É como se o presidente, de passagem pelo
Planalto, criasse uma monarquia particular, coroando-se. Está no comando Dom Bolsonaro 1º, o Absoluto.
Como se sabe, há dois tipos de monarquia: as absolutas e as
constitucionais. Bolsonaro optou
pela monarquia absoluta. O absolutismo lhe pareceu mais conveniente porque,
nesse modelo, o soberano não deve nada a ninguém. Muito menos explicações.
O desprezo pelos métodos clássicos de acobertamento faz de Bolsonaro um político atípico. Ele
expõe seu desatino pelo excesso. De erro em erro, Bolsonaro vai se convertendo num avanço institucional. Ele deixa
pelo caminho as pistas para que os investigadores concluam que, na monarquia de
Bolsonaro 1º, reina a desfaçatez.
Por fim, mas não menos importante, depois que Bolsonaro empurrou para fora do governo
a dupla mais popular da Esplanada, uma interrogação pisca nos letreiros de
Brasília: Quem será o próximo?
O presidente mostrou aos ministros sobreviventes o caminho
que conduz à estabilidade no emprego na sua gestão: basta imitar Abraham Weintraub, o deseducado titular
do Ministério da Educação. "Aqui
tem ministro que apanha todo dia, como o Abraham Weintraub", disse Bolsonaro, rodeado de potenciais
vítimas do desapreço que passou a sentir por Sergio Moro (53% de aprovação na pasta da Justiça) e Henrique Mandetta (70% de menções ótimo
ou bom no gerenciamento da crise do coronavírus).
Bolsonaro
convocou toda a equipe ministerial para testemunhar sua tentativa malsucedida
de reagir às acusações de Moro.
Podendo escolher como exemplo qualquer ministro da ala sensata do governo — Tereza Cristina (Agricultura), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) ou
Paulo Guedes (Economia), por exemplo
—, preferiu enaltecer um representante do bloco circense. Weintraub especializa-se em tocar bumbo nas redes sociais e
produzir encrencas. Na penúltima, criou uma briga com a China. A colega Tereza Cristina teve de suar a blusa
para reverter.
O deseducado chefe da Educação disputa o título de principal
estorvo do governo com o antichanceler
Ernesto Araújo e o antiambientalista
Ricardo Salles. Enquanto Weintraub,
Ernesto e Salles desfrutam da estabilidade que Bolsonaro concede aos áulicos, o prestígio de Guedes sobe no telhado.
A agenda liberal do ministro da Economia passou a disputar
espaço com um projeto nacional-desenvolvimentista para a fase pós-vírus. A
novidade tem a aparência de uma versão chinfrim do antigo PAC, o programa de
aceleração do crescimento dos governos do PT.
A pergunta continua piscando no
letreiro: Quem será o próximo? A resposta depende da resposta a outra pergunta:
a que temperatura ferve o Posto Ipiranga?