segunda-feira, 27 de abril de 2020

RESPONDA QUEM SOUBER



Paciência tem limites, e a minha já se esgotou. Não aguento mais ouvir falar em coronavírus ou, pior, ver a cara de... não sei se de surpresa, de espanto, de estupefação ou de estupidificação dos âncoras dos telejornais, quando noticiam o crescimento do número de infecções e de mortes que eles próprios vêm noticiando há semanas — com a mesmíssima cara de bobo — que vão aumentar, pois o pico da crise, segundo infectologistas, cientistas, especialistas e outros istas, deve ocorrer em algum momento entre maio e junho. E como estamos no finalzinho de abril... Quelle surprise!!!

Igualmente insuportável é a incompetência de proporções latifundiárias com que este arremedo de republiqueta de bananas vem sendo governado. É de uma clareza meridiana que alguns políticos de altíssimo coturno — cujos nomes eu prefiro não citar — estão preocupados em livrar seus próprios rabos sujos e os rabos sujos dos seus, além de fazer acordos espúrios com partidos igualmente espúrios — isso depois de repudiarem veementemente a política do toma lá dá cá —  para comprar (com nosso dinheiro), a exemplo do que fez o vampiro do Jaburu, a boa vontade de marafonas da Câmara para evitar que eventual denúncia tenha prosseguimento no STF, ou que um dos mais de 30 pedidos de impeachment sobre os quais Rodrigo Maia está sentado receba sinal verde para seguir para o Senado.  

Não é o momento, diz o presidente da Câmara. E não é, mesmo! Só que alguém tem de combinar com os russos. Enquanto a gente joga pelas regras e evita balançar ainda mais o barco durante a tempestade, eles tomam isso por fraqueza e aproveitam para barbarizar. 

Mandetta foi apeado porque estava fazendo um bom trabalho — e sendo bem avaliado pela população. Moro foi forçado a se demitir devido ao tamanho do sapo cururu que teria de engolir, mais uma vez, para ficar no cargo. Mas o ex-ministro não caiu atirando, como alguns vêm dizendo. Até porque, ao contrário de seus (agora) desafetos, Moro tem classe, e se limitou a deixar no ar a pergunta de um milhão: por quê?

Se tem boca de jacaré, dentes de jacaré, couro de jacaré e rabo de jacaré, dificilmente será o coelho da Páscoa.

Para mim já deu. Passo a palavra a Josias de Souza, cujos pontos de vista, reparei agora, vão ao encontro dos meus, o que muito me honra. É óbvio que ele expõe suas ideias com um brilhantismo ímpar — que justifica a redundância —, e traz a lume elementos a que eu não havia tido acesso, até porque escrevi meu texto na manhã deste domingo, e ele, no finalzinho da tarde. Sem mais delongas, vamos ao que interessa:

O coronavírus e a conversão de Sergio Moro em delator alteraram dramaticamente as prioridades de Jair Bolsonaro. Antes, ele planejava tirar a economia do atoleiro e se reeleger. Agora, se esforça para não cair e passar a impressão de que ainda comanda. Para alcançar esses dois novos objetivos estratégicos, promove um encontro constrangedor. Junta a castidade presumida dos militares e o gangsterismo político do Centrão na UTI em que se encontra o seu governo.

Os militares ficam com Bolsonaro por acreditar que a tarefa que se autoatribuíram de presidir o presidente virou um imperativo patriótico. Mas a frequência com que o capitão fabrica crises revela que os generais do Planalto perdem a guerra. O Centrão encosta seu código de barras no Planalto porque identificou no apodrecimento do governo uma nova oportunidade para reassegurar que as verbas do Tesouro Nacional continuarão saindo pelo ladrão.

Bolsonaro e filhos viraram matéria-prima para investigação. O mandato do presidente pode ser questionado num pedido de impeachment (há mais de duas dúzias deles na Câmara) ou num processo criminal a ser julgado no Supremo (há três inquéritos abertos). O Centrão passou a ser vital para nas duas hipóteses. Recompensados com cargos e verbas, os parlamentares podem ajudar a enterrar pedidos de impeachment ou negar autorização para que o Supremo julgue eventuais denúncias da Procuradoria-Geral da República.

Bolsonaro flerta com os corruptos do Centrão há meses. Ironicamente, coube a Sergio Moro, ex-algoz de larápios na Lava-Jato, dar o empurrão que pode consolidar o casamento. 

Eleito numa campanha em que se enrolou na bandeira da Lava-Jato, Bolsonaro já não pode dizer "desta água não beberei". Insinua que vai ferver antes. O diabo é que as demandas do Centrão, mesmo que levadas à chaleira, dificilmente sairão do processo purificadas. Os germes sobrevivem às altas temperaturas.

Há uma originalidade suicida no governo de Bolsonaro. Ele já não se preocupa em maneirar. Executa com afinco a missão inconsciente de desnudar-se. Transforma o Ministério da Justiça e a Polícia Federal em puxadinhos da família. É como se desejasse desvendar os crimes denunciados por Sergio Moro, cometendo-os.

Para a pasta da Justiça, Bolsonaro escolheu o atual secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira. Trata-se de um grande amigo. É major aposentado da Polícia Militar de Brasília. Convive com a família desde garoto, pois seu pai trabalhou por duas décadas com o então deputado Bolsonaro. Jorge Oliveira foi, ele próprio, assessor parlamentar de Bolsonaro. Trabalhou também como chefe de gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro, o Zero Três. É formado em Direito. Mas não vai à pasta da Justiça por ser grande advogado. Ascende ao cargo por ser um advogado genial aos olhos do inquilino da Presidência. Pode não ser um ás em jurisprudência, mas entende de conveniência.

Para a função de diretor-geral da Polícia Federal, Bolsonaro escolheu o chefe da Agência Brasileira de Inteligência, delegado Alexandre Ramagem. Na campanha de 2018, coordenou a equipe de segurança do então candidato Bolsonaro. A despeito da facada, caiu nas graças de Bolsonaro e de sua dinastia. Ramagem achegou-se aos três membros do clã Bolsonaro que exercem mandatos eletivos: o deputado Eduardo, o senador Flávio e, sobretudo, o vereador "federal" Carlos. Todos são fustigados por investigações da PF. Flávio, por causa da rachadinha. Eduardo e Carlos, por conta da suposta industrialização de notícias falsas e de ataques a rivais nas redes sociais.

Neste domingo, Bolsonaro foi questionado por um internauta nas redes sociais sobre a escolha de um amigo dos filhos para comandar a PF. Respondeu: "E daí?" É como se o presidente, de passagem pelo Planalto, criasse uma monarquia particular, coroando-se. Está no comando Dom Bolsonaro 1º, o Absoluto.

Como se sabe, há dois tipos de monarquia: as absolutas e as constitucionais. Bolsonaro optou pela monarquia absoluta. O absolutismo lhe pareceu mais conveniente porque, nesse modelo, o soberano não deve nada a ninguém. Muito menos explicações.

O desprezo pelos métodos clássicos de acobertamento faz de Bolsonaro um político atípico. Ele expõe seu desatino pelo excesso. De erro em erro, Bolsonaro vai se convertendo num avanço institucional. Ele deixa pelo caminho as pistas para que os investigadores concluam que, na monarquia de Bolsonaro 1º, reina a desfaçatez.

Por fim, mas não menos importante, depois que Bolsonaro empurrou para fora do governo a dupla mais popular da Esplanada, uma interrogação pisca nos letreiros de Brasília: Quem será o próximo?

O presidente mostrou aos ministros sobreviventes o caminho que conduz à estabilidade no emprego na sua gestão: basta imitar Abraham Weintraub, o deseducado titular do Ministério da Educação. "Aqui tem ministro que apanha todo dia, como o Abraham Weintraub", disse Bolsonaro, rodeado de potenciais vítimas do desapreço que passou a sentir por Sergio Moro (53% de aprovação na pasta da Justiça) e Henrique Mandetta (70% de menções ótimo ou bom no gerenciamento da crise do coronavírus).

Bolsonaro convocou toda a equipe ministerial para testemunhar sua tentativa malsucedida de reagir às acusações de Moro. Podendo escolher como exemplo qualquer ministro da ala sensata do governo — Tereza Cristina (Agricultura), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) ou Paulo Guedes (Economia), por exemplo —, preferiu enaltecer um representante do bloco circense. Weintraub especializa-se em tocar bumbo nas redes sociais e produzir encrencas. Na penúltima, criou uma briga com a China. A colega Tereza Cristina teve de suar a blusa para reverter.

O deseducado chefe da Educação disputa o título de principal estorvo do governo com o antichanceler Ernesto Araújo e o antiambientalista Ricardo Salles. Enquanto Weintraub, Ernesto e Salles desfrutam da estabilidade que Bolsonaro concede aos áulicos, o prestígio de Guedes sobe no telhado.

A agenda liberal do ministro da Economia passou a disputar espaço com um projeto nacional-desenvolvimentista para a fase pós-vírus. A novidade tem a aparência de uma versão chinfrim do antigo PAC, o programa de aceleração do crescimento dos governos do PT

A pergunta continua piscando no letreiro: Quem será o próximo? A resposta depende da resposta a outra pergunta: a que temperatura ferve o Posto Ipiranga?