Atualização: No início da noite de ontem Bolsonaro mudou de ideia
(o que já está se tornando um hábito) e resolveu não demitir o médico Luiz
Henrique Mandetta do cargo de ministro da Saúde. Embora já tivesse fechado
questão (devido à falta de humildade do auxiliar) o presidente foi dissuadido pelos ministros generais Walter Braga
Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Governo), para os quais a
melhor decisão, ao menos por enquanto, seria manter Mandetta. Mas a
possibilidade de exoneração continua existindo, já que, a exemplo das
principais autoridades de saúde no mundo, o ministro defende a quarentena ampla, enquanto o
capitão quer flexibilizar o isolamento social a pretexto de evitar a quebra da
economia e consequente caos social — que poria fim a seu sonho (que para nós
está se tornando um pesadelo) de reeleição. O deputado federal Osmar
Terra, ex-ministro da Cidadania, a imunologista e oncologista Nise
Yamaguchi, diretora do Instituto Avanços em Medicina, e o
diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio
Barra Torres, são apontados como favoritos a ocupar o cargo. Terra tem defendido nos últimos dias posição contrária à do ministro na
questão do isolamento social (na semana passada, Mandetta se referiu a Terra de "Osmar Trevas" em um grupo de WhatsApp do DEM, seu partido, após o compartilhamento de uma notícia sobre uma reunião com médicos para a qual o ministro não foi chamado — foi a única vez que ele se pronunciou no grupo da sigla em toda a crise). Torres também reza pela cartilha de
Bolsonaro e chegou a acompanhá-lo no dia em que ele cumprimentou apoiadores em
frente ao Palácio da Alvorada durante as manifestações de 15 de março. Já Yamaguchi
é defensora do uso da cloroquina no tratamento do coronavírus, e o presidente é
um entusiasta da ideia. A mais recente pesquisa Datafolha havia apontado que
entre os brasileiros que declararam ter votado em Jair Bolsonaro no
segundo turno da última corrida presidencial, 82% classificaram como ótimo ou
bom o trabalho da pasta comandada pelo médico e ex-deputado federal Henrique
Mandetta. Todavia, conforme eu já comentei em outras oportunidades, ser
ministro de Bolsonaro é como ter de dar o c* e pedir desculpas por estar
de costas.
A machinha de carnaval que intitula esta postagem — Cabeleira do Zezé, composta por João Roberto Kelly — é considerada, atualmente, “politicamente incorreta” devido às conjecturas sobre o tal Zezé ser ou não "bicha". Aliás, essa “patrulha do politicamente correto” chegou a tal ponto de imbecilidade que nem o clássico Reinações de Narizinho, escrito por Monteiro Lobato na década de 1920, escapou de acusações de racismo — devido ao fato de Emília, uma boneca de pano, chamar Tia Nastácia de “macaca de carvão”, “negra beiçuda” ou “negra de estimação”. Mas isso é outra conversa e fica para uma outra vez.
A machinha de carnaval que intitula esta postagem — Cabeleira do Zezé, composta por João Roberto Kelly — é considerada, atualmente, “politicamente incorreta” devido às conjecturas sobre o tal Zezé ser ou não "bicha". Aliás, essa “patrulha do politicamente correto” chegou a tal ponto de imbecilidade que nem o clássico Reinações de Narizinho, escrito por Monteiro Lobato na década de 1920, escapou de acusações de racismo — devido ao fato de Emília, uma boneca de pano, chamar Tia Nastácia de “macaca de carvão”, “negra beiçuda” ou “negra de estimação”. Mas isso é outra conversa e fica para uma outra vez.
Observação: Muitos atribuem a origem do termo “viado”, utilizado até não muito tempo atrás para designar homossexuais do
gênero masculino (antigamente se dizia "do sexo masculino"), à palavra “transviado”, mas segundo Stela Danna, pesquisadora do Centro de Documentação em
Historiografia Linguística da USP, a alternância da grafia (“viado”
ou “veado”) sugere que a origem mais provável seja mesmo a palavra “veado” (que
designa um mamífero veloz, delicado e tímido, que durante o período de
reprodução, sem poder contar com uma fêmea, deposita seu esperma em outros machos).
Mudando de um ponto a outro, em artigo
publicado no site de Época, Luiz Fernando Vianna compara Bolsonaro
a Simão Bacamarte, da novela O Alienista (de Machado de Assis).
Combinando paranoia, mitomania, arrogância e tirania, o personagem achava-se
tão saudável que acabou se internando em seu asilo — a Casa Verde — e
deixando livre a população do município fluminense de Itaguaí, onde a
trama se desenrola.
Jair Bacamarte, diz o articulista, deve se recolher
ou ser recolhido a um ambiente em que não faça mal a pessoas, ainda mais a
milhões delas. Os maníacos fanáticos e masoquistas desta Itaguaí continental,
que se submetem de bom grado ao enfermo, estão convidados a lhe fazer companhia,
poupando os círculos sociais das transmissões de vírus e mentiras. Ou podem
apenas viver em paz. O governo de Bacamarte/Bolsonaro não acabou, ao contrário do que afirmou o corajoso
haitiano na cara do Napoleão de anedota. Ainda lhe resta uma caneta Bic,
e com ela assinou na sexta 20 a Medida Provisória que derruba decisões
estaduais tomadas para frear o avanço do coronavírus.
Ao que tudo indica, o insensato (ou criminoso?) empurra o
vírus São Paulo e Rio adentro apenas para fustigar os governadores João
Doria e Wilson Witzel, a quem vê como obstáculo ao seu sonho de
reeleição. Não sabemos o que acontecerá daqui a um mês, e ele se preocupa com
2022. Milhares ficarão doentes, tal como estão os (ao menos) 23 integrantes da
comitiva presidencial que foi bajular Donald Trump na Flórida.
Tal qual Bacamarte, Bolsonaro continua se
dizendo são, embora não exiba o atestado. Permanecerão de pé os incautos que
esfregaram suas mãos nas do ídolo, na porta do Planalto, na cerimônia chocante
do domingo 15? O impeachment é improvável. Seria necessária uma inédita
deposição à distância, com parlamentares votando de suas trincheiras online. O
jeito, para usar o verbo em voga, é neutralizar. A tinta de sua caneta só deve
servir para colorir quadros do Romero
Britto e sua voz, para jogar perdigotos em apresentadores de TV
comprados.
Assim como Brás Cubas — outro personagem de Machado
de Assis —, Simão Bacamarte não teve filhos, não transmitiu a
nenhuma criatura o legado da sua miséria. O Brasil não teve a mesma sorte de
Itaguaí. Para o mascarado de chanchada, é um alívio. Ao se recolher ou ser
recolhido, poderá ter a companhia de Eduardo Bananinha, Flávio
Rachadinha e Carluxo Estouradinho. Na Casa Verde e Amarela,
eles residirão, pelo menos, até a pandemia passar.
Dito isso, cumpre acrescentar minha modesta e insignificante opinião: o comportamento errático do presidente pode levar a pensar que somos governados por um psicopata, mas napoleão de hospício que se preze come merda e rasga dinheiro. E Bolsonaro jamais fez isso. Se tivesse feito, com toda a certeza a mídia teria divulgado.
No último domingo, 5, sem citar nomes, mas claramente se referindo a Mandetta, o presidente disse: "Estão se achando demais. Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas, falam pelos cotovelos, tem provocações. A hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles, porque a minha caneta funciona”.
Já o presidente da Câmara afirmou que os ataques nas redes sociais contra o Congresso e o STF são comandados por assessores de Bolsonaro que se comportam como “marginais”. Em entrevista ao programa Canal Livre, da Band, veiculada na madrugada de ontem, Maia afirmou que o governo deveria agir para salvar vidas e empregos em vez de criar conflitos e insegurança. "Toda semana eles tentam criar uma nova narrativa para enfraquecer o parlamento, para enfraquecer o ministro Mandetta... O ministro Mandetta começa, agora, a ser alvo de ataques absurdos desse gabinete do ódio que é comandado do exterior por esse Olavo de Carvalho, eu já faço parte desse ataque de forma permanente, o presidente do Senado, o presidente do Supremo".
Para o deputado, a sociedade, em meio à crise causada pela pandemia, ocupou seu espaço nas redes sociais, o que teria ajudado a diminuir o impacto do esquema articulado. "Acho que a sociedade nesse momento começa a entender que há muitas informações falsas, muitas mentiras, mas, mais do que isso, muita irresponsabilidade, que tem sido, infelizmente, muitas vezes comandada pelo próprio presidente da República. Essas brigas paralelas, comandadas por um gabinete do ódio, comandado por assessores do presidente que são mais marginais do que assessores, não vão de forma nenhuma mudar as atitudes do parlamento brasileiro".
Maia diz ainda que o chefe do Executivo atrapalha e foge da responsabilidade. "A sinalização do presidente vai cada dia numa linha, e ela acaba, claro, atrapalhando. Cada um precisa assumir sua responsabilidade, em vez de ficar fugindo da sua responsabilidade. Em vez de ficar criando conflitos e insegurança com a sociedade, o Palácio do Planalto poderia estar atuando para salvar vidas, para salvar empregos, para salvar a renda dos mais vulneráveis... Mas, infelizmente, alguns no Palácio preferem, junto com o presidente, esse 'gabinete do ódio', preferem continuar conflitando com o Parlamento, com o Supremo do que dar soluções, talvez porque não saibam onde encontrá-las".
Segundo o presidente da Câmara, Bolsonaro não oficializa o que afirma em seus discursos, como acabar com o isolamento social, por exemplo, porque sua assessoria não deixa. "Se ele assinar alguma orientação formal, que vá contra a orientação do seu próprio ministro e da OMS, certamente ele responderá pessoalmente a essa decisão de liberar o isolamento sem ter um embasamento legal para isso".
Como Lula e seu projeto de eternizar-se e ao PT no poder, Bolsonaro visa à reeleição como o primeiro passo para algo possivelmente maior. Talvez aspire a se autoproclamar ditador desta republiqueta de Bananas (o que não deixa de indicar megalomania). Daí a preocupação de muitos com a quantidade de militares na Esplanada dos Ministérios. Nenhum ditador ganha o poder e se mantém nele sem o apoio das forças armadas. Veja, por exemplo, a Venezuela de Nicolás Maduro, que ainda não caiu de podre porque a alta cúpula militar lhe dá suporte (não por ideologia, mas em troca de benefícios financeiros e outras mordomias contraprestadas pelo tiranete).
Aqui, porém, o buraco é mais embaixo. Bolsonaro conta com sua claque de miquinhos amestrados que o apoia incondicionalmente, e votará nele tantas vezes quantos forem os pleitos que ele disputar. Mas é bom lembrar que foi preciso mais que as macacas de auditório para elegê-lo em 2018. Contribuíram para isso o trabalho primoroso de Gustavo Bebianno, a bandeira anti-lula e anti-PT e até a facada desfechada por Adélio Bispo, o inimputável napoleão de hospício que livrou o capitão dos debates (Bolsonaro pode não ser tão ruim de improviso quanto Dilma, até porque isso seria impossível, mas está longe de ser um Demóstenes).
A menos que muito me engane, se o capitão chegar ao final do primeiro mandato (tudo depende, neste momento, do resultado desta maldita pandemia e do comportamento do comandante, que se tornou especialista em torpedear seu próprio navio), a reeleição, também a depender de quem forem os demais candidatos da vez, vai lhe dar um bocado de trabalho.
Mantido o calendário eleitoral deste ano e realizadas as municipais em outubro, mesmo já tendo passado a fase crítica da crise, seus efeitos ainda estarão sendo sentidos pela população, o que evidentemente fará com que o tema domine a campanha. Assim, uma eleição que em condições normais teria como foco primordial questões locais seria (ou será) tomada pelo debate do enfrentamento das sequelas da pandemia, passando necessariamente pela conduta das lideranças políticas durante a crise. Bolsonaro, que se colocou na contramão das boas práticas de prevenção à disseminação do vírus, será o alvo preferencial dos candidatos e o centro das polêmicas no eleitorado.
Apesar de controverso, contraditório e manifestamente inábil e incompetente, Bolsonaro vinha sendo apontado como favorito em 2022 por falta de contendores competitivos. Mas a pandemia e a postura estapafúrdia de quem deveria agir como líder jogaram fermento na coocorrência. Já não lhe faltam no horizonte adversários bem-vistos pela população, como João Doria, no primeiro esquadrão dos já colocados, o esquerdista Flávio Dino, no time intermediário, e Luiz Henrique Mandetta e Ronaldo Caiado entre os que até sequer eram cogitados para disputar a eleição presidencial.
Como se costuma dizer, enquanto uns choram, outros vendem lenços.