quinta-feira, 9 de abril de 2020

SOB O COMANDO DE UM PSICOPATA? — Parte 2


Jair e Luiz Inácio tomam sol no jardim do hospício. O primeiro mantém a mão esquerda sob o roupão, na altura do estômago. O segundo mastiga preguiçosamente um raminho de capim. Um alienista do corpo clínico se aproxima e pergunta a Jair:

— Quem é você?

— Napoleão Bonaparte.

— E de onde você tirou essa ideia?

— Foi Deus que me disse.

Luiz Inácio retruca:

— É mentira dele, doutor. Eu nunca falei isso pra ele!

Piadas à parte, seria improvável que um beócio se elegesse presidente da República, mesmo numa banânia como a nossa. Mas dois beócios conseguirem essa proeza seria virtualmente impossível. Ou não. Ainda que o mascador de capim megalomaníaco da anedota seja um desculturado exótico que, segundo ele próprio, jamais leu um livro na vida, e o napoleão de hospício seja um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar — como o definiu o general ditador Ernesto Geisel numa entrevista a historiadores da FGV em 1993 —, nem um nem o outro é burro ou doido de pedra. Até porque doido de pedra que se preza rasga dinheiro e come merda, e nenhum dos dois faz isso. Muito pelo contrário.

O retirante nordestino, que sempre ambicionou a vida fácil, trocou a pinga vagabunda e os cigarros Hollywood por vinhos premiados, uísques 20 anos e charutos de US$ 100 quando encontrou quem pagasse a conta. Após decepar o dedo mindinho esquerdo num “acidente de trabalho” pra lá de suspeito, deixou de ser torneiro mecânico e iniciou uma profícua carreira de sindicalista predador e malandro, que traía os “cumpanhêros” começando e encerrando greves para ganhar dinheiro em acordos espúrios (como disse o ex-engenheiro sênior da CSN e especialista em metalurgia de produção Lewton Verri, que conheceu os ex-metalúrgico na década de 70).

Em 1980, valendo-se de seu extraordinário carisma e do dom inato de encantador de burros, o desempregado que deu certo — que já não sabia o que era chão de fábrica desde 1972 — fundou o PT e passou a se dedicar em tempo integral à “arte da política”. O general Golbery do Couto e Silva, ex-chefe da Casa Civil em dois governos da ditadura militar e arquiteto da “abertura lenta e gradual”, disse certa vez a Emílio Odebrecht que o pseudo militante comunista nada tinha de esquerda, que ele não passava de um “bon-vivant”. E o tempo provou quão acurada foi sua avaliação. O deus pai da Petelândia jamais foi o que a construção de sua imagem pretendia, mas sim alguém avesso ao trabalho, que vivia de privilégios e mordomias conquistados através de contatos proveitosos e a poder da total ausência do conjunto de valores éticos e morais que permitem distinguir o aceitável do inaceitável.

Voltando agora a Bebianno, faltou dizer que, oficialmente, sua demissão se deveu às folclóricas candidaturas-laranjas no PSL — esquema do qual ele não só negou ter participado como disse ter alertado o presidente. Bolsonaro e seu triunvirato procuraram desmenti-lo, mas áudios divulgados pela revista Veja comprovaram a versão do ex-ministro.

Em entrevista à Jovem Pan, o advogado disse que não sairia do governo atirando, que foi convidado a assumir uma direção em Itaipu, mas que recusou por uma questão de dignidade). Sobre os motivos de seu desligamento, ele assim se pronunciou: "Fui demitido pelo Carlos Bolsonaro, simples assim. Não era nem para ter assumido, nunca pedi nada ao presidente desde o primeiro dia que comecei a ajudá-lo, não queria nada". Na mesma entrevista, comentou a “agressividade acima do normal de zero dois, que é conhecido como ‘destruidor de reputações’ e já atacou criou atritos com vários colegas de partido sem qualquer motivo”.

Mas Bebianno passou de aliado a desafeto e se tornou um dos maiores críticos do governo. Quatro meses após deixar o governo, desligou-se oficialmente do PSL e filiou-se ao PSDB. Em dezembro, também em entrevista à Jovem Pan, ele não só chamou o presidente de psicopata como disse sentir-se “vulnerável e sob risco constante" por ter entrado em choque direto com ele. No evento que marcou sua filiação ao PSDB, declarou que “a democracia estava em risco devido à postura de Bolsonaro” e atribuiu o ambiente de “instabilidade política e econômica ao grau de loucura e irresponsabilidade capitaneado pelo próprio presidente”.

No dia 5 do mês passado, Bebianno anunciou sua pré-candidatura à Prefeitura do Rio, cujo lançamento oficial estava marcado para o último dia 4. Também vinha costurando com o governador tucano João Dória um acerto para coordenar sua campanha em 2022, assim como fez com a de Bolsonaro em 2018. Mas não houve tempo para nada disso. Bebianno morreu dia 14 do mês passado, em Teresópolis, devido a um infarte agudo do miocárdio seguido da queda que provocou uma lesão na cabeça, o que deu margem a diversas teorias da conspiração, já que ele havia aventado mais de uma vez a possibilidade de revelar detalhes sórdidos da campanha presidencial e estava escrevendo um livro ("Uma eleição improvável") sobre o assunto.

No sábado, 7 de março, Bebianno gravou imagens para um documentário sobre as eleições — dirigido por Bruno Barreto — que estava na fase de coleta de depoimentos, e dispunha de muitas imagens de bastidores que havia colecionado durante a campanha, que pretendia agregar ao documentário. Na noite em que morreu, ele acordou por volta das 3 horas, com dores em um dos braços e no peito. Foi socorrido pelo filho, que estava com ele no sítio — a esposa e a filha haviam ficado no Rio. No banheiro, caiu, bateu com o rosto no chão e ficou 30 minutos desacordado até ser levado ao Hospital Central de Teresópolis pelo filho, com a ajuda do caseiro do sítio. Mas as manobras médicas não foram suficientes para evitar sua morte.

De novo: Bebianno era um arquivo vivo da campanha de Bolsonaro. Ele foi para o capitão o que foi PC Farias foi para Collor e Antonio Palocci para Lula, e entrou para o rol de mortes igualmente enigmáticas, como a de Ulysses Guimarães (o helicóptero em que ele viajava de Angra dos Reis para a capital paulista mergulhou no mar próximo à Praia do Sono, poucos minutos após a decolagem, e os corpos do deputado e da mulher, Dona Mora, jamais foram encontrados). Ou do ex-presidente Juscelino Kubitschek em 1976 (no auge da ditadura militar, portanto), uma estranho acidente automobilístico na via Dutra. Ou as igualmente mal explicadas quedas das aeronaves em que viajavam o candidato à presidência Eduardo Campos, em agosto de 2014, e o ministro Teori Zavascki, em janeiro de 2017. Isso sem mencionar os assassinatos (jamais esclarecidos) dos políticos petistas Celso Daniel, prefeito de Santo André, e Toninho do PT, de Campinas. E por aí segue a procissão.


Continua...