quarta-feira, 1 de abril de 2020

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO. OU NÃO... (PARTE 2)



Prosseguindo do ponto em que paramos no capítulo anterior, em agosto de 1992 o relatório final de uma CPI instaurada a pedido do PT apontou ligações do então presidente caçador de marajás de araque com o esquema de corrupção — que, ironicamente, começou com um prosaico Fiat Elba prata (vide foto) pago com um “cheque fantasma”. 

O carrinho ganhou notoriedade por ter sido o pivô das denúncias que resultaram no impeachment de Collor, iniciado por uma entrevista de seu irmão Pedro e finalizado por uma revelação do motorista Eriberto França. O primeiro detalhou um esquema de corrupção envolvendo PC Farias, e o segundo disse que havia usado dinheiro sujo não só comprar o Elba, mas também para pagar contas do presidente. Estimava-se na época que US$ 6,5 milhões teriam sido desviados para bancar gastos pessoais de Collor — o que é dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão, mas isso é outra história. 

Vieram, então, as famosas manifestações dos “caras-pintadas” em apoio ao pedido de impeachment assinado pelos presidentes da ABI e da OAB. Às vésperas do julgamento, que ocorreu em 29 de dezembro de 1992, Collor renunciou, numa tentativa desesperada de preservar seus direitos políticos, mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.

ObservaçãoComo nem todos são iguais perante a lei — ou nem sempre a lei é igual para todos —, Dilma perdeu o cargo quando foi impichada, mas preservou seus direitos políticos, graça a uma sórdida maracutaia urdida por Renan Calheiros, então presidente do Senado e do Congresso, e Ricardo Lewandowski, então presidente do Supremo Tribunal Federal Petista. E viva a Justiça brasileira!

Em junho de 1993, já indiciado em 41 inquéritos criminais, PC Farias teve sua prisão decretada, mas fugiu no Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello. Passou 152 dias foragido, despistando seguidamente a Polícia Federal e a Interpol. Quatro meses depois de desaparecer em Buenos Aires, ele ressurgiu em Londres, 11 kg mais magro, sem seus famosos bifocais e disfarçado de príncipe árabe. Por incrível que pareça, tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição, mas foi capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangkok — onde finalmente foi preso

PC foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica (enquanto Collor cumpriu sua quarentena, concorreu ao governo de Alagoas, perdeu, elegeu-se senador e renovou o mandato até 2023). Em dezembro de 1995, depois de cumprir dois anos da pena, foi posto em liberdade condicional. Na cadeia, ele havia conhecido Suzana Marcolino, que lhe fora apresentada por uma antiga funcionária de uma de suas muitas empresas. A partir de então, a moça (24 anos mais nova que ele) passou a ganhar joias, roupas caras, carro de luxo e uma generosa conta bancária. 

Suzana montou uma butique de grife em Maceió e passou a ser vista com frequência ao lado do namorado recém-liberto, a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível. Apesar da resistência geral da família, o idílio entre os dois foi intenso, mas breve: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da prisão e a fatídica manhã de domingo em que ele e a namorada foram achados mortos na casa de veraneio na praia de Guaxuma, em Maceió. 

Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um), e ainda que a propriedade fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”. Um grupo de 11 peritos liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas, concluiu que Suzana matara o namorado enquanto ele dormia, e, em seguida, se suicidara. 

Os seguranças responsáveis pela guarda da casa, em depoimento à polícia, disseram ter ouvido o casal discutindo no quarto logo depois do jantar, quando os convidados — o irmão Augusto Farias e a namorada — já haviam ido embora. Descobriu-se que o revólver encontrado junto aos corpos fora comprado por Suzana, com um cheque assinado por ela, uma semana antes do crime. Um exame comprovou ainda a existência de pólvora nas mãos da moça. Além disso, pessoas próximas a PC — que era chamado de “Morsa do Amor” por ser mulherengo e galanteador — disseram que ele andava traindo Suzana com Claudia Dantas, filha de um cacique político alagoano.

Quem é fã de séries policiais conhece a teoria do “triângulo do crime”, que é baseada em três pressupostos: motivo, técnica e oportunidade. Suzana satisfazia todos ele: o ciúme, o revólver e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Mas muita gente não acreditou que o poderoso chefão do chamado “Esquema PC” tivesse sido assassinado pela namorada às vésperas de depor, no STF, em uma investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo. Como Bebianno, o ex-tesoureiro de Collor sabia demais — e a exemplo de Bebianno, havia anunciado que escreveria um livro detalhando todo o esquema.

Contrariando o laudo de Palhares e sua equipe, o coronel da PM e professor de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas, George Sanguinetti, afirmou que, pela localização do ferimento, pela posição do corpo de PC, pela estatura de Suzana e pelo ângulo do disparo, “a única forma de ela ter apertado o gatilho era se estivesse levitando”, e que  “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.

Outras dúvidas começaram a pipocar quase simultaneamente pela imprensa. O corpos de PC e Suzana foram exumados e uma nova perícia confirmou a presença de pólvora nas mãos da suposta assassina, mas em pequena quantidade, e não foram encontrados resíduos de chumbo, bário e antimônio, elementos metálicos que integram as substâncias químicas iniciadoras da espoleta. 

O detalhe que mais chamou a atenção na “guerra dos laudos” foi a discussão sobre a altura real de Suzana. Conforme Palhares, ela media 1,67 metro; de acordo com o novo laudo, ela teria 10 centímetros a menos. Os legistas da segunda equipe recalcularam a trajetória da bala, tomando como base a marca que ela deixou na parede após transpassar o corpo de Suzana, e concluíram que, se ela estava sentada na cama, como indicava a primeira reconstituição, o tiro deveria ter passado à altura de sua cabeça, e não atingido o pulmão esquerdo, como aconteceu. Mesmo assim, o caso seguiu arquivado.

Em 1999, uma série de matérias publicadas pela FOLHA estampou oito fotos de Suzana ao lado de PC e de pessoas próximas a ela. Mesmo calçando sapatos de salto alto, a moça aparecia nas fotos um pouco mais baixa do que o namorado, que tinha apenas 1,63 metro. O caso foi reaberto e o irmão de PCAugusto Farias, e os quatro seguranças que guardavam a casa de praia onde o crime aconteceu foram indiciados. Augusto exercia mandato parlamentar, e seu processo remetido à PGR, que recomendou o arquivamento. O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado.

Os quatro seguranças foram a júri popular, mas advogado contratado por Augusto Farias para defendê-los alegou falta de provas, e, em maio de 2013, todos foram absolvidos. Detalhe: o júri descartou a possibilidade de homicídio seguido de suicídio, alegando que “não há crime passional com único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que Suzana jamais teria condições de ser a autora do disparo”. 

Segundo o laudo de Sanguinetti, havia uma hemorragia interna com 1 litro de sangue no pulmão esquerdo e meio litro no pulmão direito, levando à conclusão de que a motivação do crime foi realmente “queima de arquivo”, e que Suzana foi morta porque estava no lugar errado na hora errada. O celular da moça desapareceu e da cena do crime, e verdadeiro autor dos disparos permanece desconhecido até hoje.

Mais detalhes em Collor presidente: trinta meses de turbulências, reformas, intrigas e corrupção, do historiador Marco Antonio Villa, em Relato para a história, do próprio Fernando Collor, em Trapaça: Saga política no universo paralelo brasileiro, de Luís Costa Pinto, e em O pêndulo da democracia, de Leonardo Avritzer