Prosseguindo do ponto em que paramos no capítulo anterior,
em agosto de 1992 o relatório final de uma CPI instaurada a
pedido do PT apontou ligações do então presidente caçador
de marajás de araque com o esquema
de corrupção — que, ironicamente, começou com um prosaico Fiat Elba
prata (vide foto) pago com um “cheque
fantasma”.
O carrinho ganhou notoriedade por ter
sido o pivô das denúncias que resultaram no impeachment de Collor, iniciado
por uma entrevista de seu irmão Pedro e finalizado por uma revelação do
motorista Eriberto França. O primeiro detalhou um esquema de corrupção
envolvendo PC Farias, e o segundo disse que
havia usado dinheiro sujo não só comprar o Elba, mas também
para pagar contas do presidente. Estimava-se na época que US$ 6,5 milhões teriam
sido desviados para bancar gastos pessoais de Collor — o que é dinheiro
de pinga em comparação com o que o PT e seus acólitos
roubaram no Mensalão e no Petrolão, mas isso é
outra história.
Vieram, então, as famosas manifestações dos “caras-pintadas” em
apoio ao pedido de impeachment assinado pelos presidentes da ABI e
da OAB. Às vésperas do julgamento, que ocorreu em 29 de dezembro de
1992, Collor renunciou, numa tentativa desesperada de
preservar seus direitos políticos, mas foi condenado por 441 dos 480
deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.
Observação: Como nem todos são iguais perante
a lei — ou nem sempre a lei é igual para todos —, Dilma perdeu
o cargo quando foi impichada, mas preservou seus direitos políticos, graça a
uma sórdida maracutaia urdida por Renan Calheiros, então presidente
do Senado e do Congresso, e Ricardo Lewandowski, então presidente
do Supremo Tribunal Federal Petista. E viva a Justiça brasileira!
Em junho de 1993, já indiciado em 41 inquéritos criminais, PC Farias teve sua prisão decretada, mas fugiu no Morcego Negro,
pilotado por Jorge Bandeira de Mello. Passou 152 dias foragido,
despistando seguidamente a Polícia Federal e a Interpol. Quatro meses depois de desaparecer em Buenos
Aires, ele ressurgiu em Londres, 11 kg mais magro, sem seus famosos bifocais e disfarçado de príncipe árabe. Por incrível que pareça, tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição,
mas foi capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu
andando pelas ruas de Bangkok — onde finalmente foi preso
PC foi extraditado, julgado e condenado a 4
anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica (enquanto Collor
cumpriu sua quarentena, concorreu ao governo de Alagoas, perdeu, elegeu-se
senador e renovou o mandato até 2023). Em dezembro de 1995, depois de cumprir dois anos da pena, foi posto em liberdade condicional. Na cadeia, ele
havia conhecido Suzana Marcolino, que lhe fora apresentada por uma
antiga funcionária de uma de suas muitas empresas. A partir de então, a moça
(24 anos mais nova que ele) passou a ganhar joias, roupas caras, carro
de luxo e uma generosa conta bancária.
Suzana montou uma butique de grife em
Maceió e passou a ser vista com frequência ao lado do namorado recém-liberto,
a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível. Apesar da resistência geral da família, o idílio entre os
dois foi intenso, mas breve: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da
prisão e a fatídica manhã de domingo em que ele e a namorada foram achados mortos na
casa de veraneio na praia de Guaxuma, em Maceió.
Os corpos
foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no
peito de cada um), e ainda que a propriedade fosse guardada por 4 seguranças,
ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”. Um grupo de 11 peritos liderado pelo legista Badan
Palhares, da Universidade Estadual de Campinas, concluiu que Suzana
matara o namorado enquanto ele dormia, e, em seguida, se suicidara.
Os
seguranças responsáveis pela guarda da casa, em depoimento à polícia, disseram
ter ouvido o casal discutindo no quarto logo depois do jantar, quando os
convidados — o irmão Augusto Farias e a namorada — já haviam ido embora. Descobriu-se
que o revólver encontrado junto aos corpos fora comprado por Suzana,
com um cheque assinado por ela, uma semana antes do crime. Um exame comprovou
ainda a existência de pólvora nas mãos da moça. Além disso, pessoas
próximas a PC — que era chamado de “Morsa do Amor” por ser
mulherengo e galanteador — disseram que ele andava traindo Suzana com Claudia
Dantas, filha de um cacique político alagoano.
Quem é fã de séries policiais conhece a teoria do
“triângulo do crime”, que é baseada em três pressupostos: motivo,
técnica e oportunidade. Suzana satisfazia todos ele: o ciúme, o revólver
e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Mas muita gente não acreditou que o poderoso chefão do chamado “Esquema PC” tivesse sido
assassinado pela namorada às vésperas de depor, no STF, em uma
investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo. Como Bebianno,
o ex-tesoureiro de Collor sabia demais — e a exemplo de Bebianno,
havia anunciado que escreveria um livro detalhando todo o esquema.
Contrariando o laudo de Palhares e sua equipe, o coronel da
PM e professor de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas, George
Sanguinetti, afirmou que, pela localização do ferimento, pela posição do
corpo de PC, pela estatura de Suzana e pelo ângulo do disparo, “a
única forma de ela ter apertado o gatilho era se estivesse levitando”, e que “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.
Outras dúvidas começaram a pipocar quase simultaneamente
pela imprensa. O corpos de PC e Suzana foram exumados e uma nova
perícia confirmou a presença de pólvora nas mãos da suposta assassina, mas em
pequena quantidade, e não foram encontrados resíduos de chumbo, bário e
antimônio, elementos metálicos que integram as substâncias químicas iniciadoras
da espoleta.
O detalhe que mais chamou a atenção na “guerra dos laudos”
foi a discussão sobre a altura real de Suzana. Conforme Palhares,
ela media 1,67 metro; de acordo com o novo laudo, ela teria 10 centímetros a
menos. Os legistas da segunda equipe recalcularam a trajetória da bala, tomando
como base a marca que ela deixou na parede após transpassar o corpo de Suzana,
e concluíram que, se ela estava sentada na cama, como indicava a primeira
reconstituição, o tiro deveria ter passado à altura de sua cabeça, e não
atingido o pulmão esquerdo, como aconteceu. Mesmo assim, o caso seguiu
arquivado.
Em 1999, uma série de matérias publicadas pela FOLHA
estampou oito fotos de Suzana ao lado de PC e de pessoas
próximas a ela. Mesmo calçando sapatos de salto alto, a moça aparecia nas fotos um
pouco mais baixa do que o namorado, que tinha apenas 1,63 metro. O caso
foi reaberto e o irmão de PC, Augusto Farias, e os quatro
seguranças que guardavam a casa de praia onde o crime aconteceu foram
indiciados. Augusto exercia mandato parlamentar, e seu processo
remetido à PGR, que recomendou o arquivamento. O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado.
Os quatro seguranças foram a júri popular, mas advogado
contratado por Augusto Farias para defendê-los alegou falta de provas,
e, em maio de 2013, todos foram absolvidos. Detalhe: o júri descartou a possibilidade de
homicídio seguido de suicídio, alegando que “não há crime passional com
único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que Suzana jamais
teria condições de ser a autora do disparo”.
Segundo o laudo de Sanguinetti,
havia uma hemorragia interna com 1 litro de sangue no pulmão esquerdo e meio
litro no pulmão direito, levando à conclusão de que a motivação do crime foi realmente “queima
de arquivo”, e que Suzana foi morta porque estava no lugar errado na hora
errada. O celular da moça desapareceu e da cena do crime, e verdadeiro autor dos disparos permanece desconhecido até hoje.
Mais detalhes em Collor presidente: trinta meses de turbulências, reformas,
intrigas e corrupção, do historiador Marco Antonio Villa, em Relato para a história,
do próprio Fernando Collor, em Trapaça: Saga política no universo paralelo brasileiro,
de Luís Costa Pinto, e em O pêndulo da democracia, de Leonardo Avritzer.