Devido a sua biografia de retirante nordestino promovido a engraxate, office boy, torneiro mecânico, eneadáctilo, líder sindical, fundador de partido, desempregado que deu certo (tanto é que jamais voltou a pisar num chão de fábrica), deputado constitucionalista, presidente da República, decarréu na Justiça criminal e presidiário, Lula já foi chamado de metamorfose ambulante. Mas o atual inquilino do Planalto não lhe fica atrás: como um vírus mutante, Bolsonaro se renova a cada dia, e sempre ressurge numa versão pior que a anterior.
De dublê de mau
militar e deputado
inexpressivo, o candidato improvável voou nas asas do imprevisto até o
Palácio do Planalto, ajudado, ironicamente, por um esfaqueador
maluco (que o livrou do constrangimento de participar dos debates ao vivo
pela TV). Uma vez aboletado no Castelo da Fantasia, despida a reluzente
armadura de apoiador implacável da Lava-Jato (assim que as investigações
chegaram ao gabinete das rachadinhas de Zero Um) e enroladas outras
bandeiras de campanha que se tornaram incomodativas, cercou-se pelo triunvirato
de primeiros-filhos e loteou ministérios entre generais e devotos de um ex-astrólogo,
esotérico e ultraconservador, famoso pelas teorias delirantes que oferece em um
curso virtual de filosofia e por ser uma espécie de guru do clã Bolsonaro e eminência
parda do governo.
Os poucos ministros escolhidos à luz da meritocracia logo foram eliminados; uns, por influência do enciumado Carluxo, pitbull do clã (caso de Gustavo Bebianno e do companheiro de farda e
amigo de longa data Gen. Santos Cruz); outros, devido à popularidade que
adquiriram ao desempenhar bem suas funções (caso de Henrique Mandetta e Sergio
Moro). Bolsonaro não demitiu Paulo Guedes, mas interferiu em seu ministério e sabotou seus projetos. Agora, ao se amancebar com o Centrão, enterrou de vez a agenda econômica. Se o Posto Ipiranga permanece no cargo, vira um dois de paus e se desmoraliza; se abandona o barco, é acusado de traição e se desmoraliza. No reino encantado da BrasIlha das Maravilhas, nenhum
subordinado pode ser mais popular que o chefe.
Ao contrário do que supostamente ocorre em navios prestes a naufragar
— segundo o provérbio português “… os ratos são os primeiros a abandonar o
navio …” —, quando governos afundam, vão-se os melhores
quadros e os ratos embarcam. Donde a participação ora massiva do Centrão. O Brasil é refém das ratazanas desde o tempo em que cá aportou
o fujão do D. João VI. A exemplo dos ratos da fábula, os tripulantes
inferiores do navio vivem um salve-se quem puder, enquanto os superiores vivem
de entregar os inferiores. A história do Brasil é pródiga em parir ratos e
ratazanas, eleitos na pseudodemocracia de um navio negreiro, onde ratos são esquecidos
e até mesmo “sacrificados” em nome de ratazanas que procuram abrigos mais
tranquilos do que o mar. Em tempos recentes (digamos, desde o governo Collor),
ratos viram a casaca e entregam outros ratos em nome do “queijinho das
crianças”. As ratazanas não abandonam o navio, apenas garantem, não raro inescrupulosamente,
que não lhes falte o “queijo de cada dia”.
Bolsonaro convenceu o eleitorado de que governaria
sem fazer concessões à velha oligarquia (mas fez) e que não negociaria com o Centrão
(mas negociou). Prometeu que não entregaria estatais nem bancos públicos (mas
entregou) e que não levaria ministérios ao balcão (mas levou). E recriou a
pasta das Comunicações para acomodar o deputado Fabio Faria, genro do “Homem
do Baú”, dono do SBT, que tem dedicado uma cobertura favorável ao
presidente — o Planalto não só contratou apresentadores do canal para
participar de campanhas, como tem prestigiado programas populares com a
presença de ministros e do próprio presidente.
Pelo decreto 10.405, assinado pelo pelo general da banda e seu novo ministro das Comunicações, ficou estabelecido, por exemplo, que uma
empresa de retransmissão de sinal de TV poderá ser multada quando “operar
com características diversas daquelas constantes de sua licença de
funcionamento”. Mudanças em concessões de TV sempre permearam as
declarações de Bolsonaro, que vira e mexe ameaça dificultar a renovação
de licenças, sobretudo à Rede Globo. A questão é que, de acordo com a
Constituição, cassar a concessão pública de uma rádio ou TV depende de decisão
judicial, e o Planalto não está exatamente em lua-de-mel com Judiciário.
Nos últimos meses, o capitão trocou farpas com o Supremo e colecionou derrotas na Corte. O inquérito das fake news e das investigações sobre atos antidemocráticas ameaça subir a rampa do Palácio, enquanto o que investiga as denúncias de Sergio Moro (sobre interferência política na PF) bafeja o cangote presidencial. Bolsonaro deve ser convidado a depor nos próximos dias, mas ainda não se sabe se presencialmente ou por escrito. O artigo 221 do CPP garante ao presidente da República, a ministros e ao vice-presidente a prerrogativa de depor por escrito, mas desde que figurem nos processos como colaboradores testemunhas, peritos ou vítimas. No caso em tela o presidente será ouvido na condição de investigado, mas pode invocar o direito constitucional de não produzir prova contra si e permanecer calado, ou mesmo não se apresentar para depor. Claro que isso não “pegaria bem”, sendo mais provável, portanto, que o “mito mitômano” invente mais uma de suas empulhações fantasiosas para tentar engabelar o MPF e a PF (para enganar seus apoiadores de raiz, qualquer história serve).
Também contribuem para a insônia presidencial sete ações de Investigação
Judicial Eleitoral envolvendo a chapa eleita em 2018. Uma delas foi julgada
improcedente e está em fase de recurso. A apreciação das demais foi paralisada por um pedido de vista, depois que três ministros haviam votado pela realização de uma
perícia e dois pelo arquivamento das ações (ainda não há data prevista para a
retomada do julgamento).
Mudando o foco do pai para o filho, depois de oito tentativas inexitosas de melar as investigações no caso “Queiroz e as rachadinhas”, a defesa de Flávio Bolsonaro obteve sucesso parcial. Na última quinta-feira, por 2 votos
a 1, a Justiça do Rio entendeu que a competência para investigar o caso é a 2ª
instância do Tribunal de Justiça, já que Flávio era deputado
estadual na época em que a apuração foi aberta. Com a mesma gana dos chicaneiros de Lula, o ex-presidente vergonha nacional, a defesa de Zero Dois (estalando de nova, já que Fred Wassef, anfitrião de Queiroz em Atibaia, pediu penico) diz que vai se empenhar pela anulação de todas as decisões e provas realizadas e colhidas na primeira instância. Seria bom lembrar a essa caterva que questiúnculas de tecnicidade podem ajudar chicaneiros a ganhar tempo, mas não recuperam a imagem maculada de seus clientes, nem resgatam a confiança dos mais de 4 milhões de eleitores que bancaram a mudança do filho do capitão de seu gabinete rachadista na Alerj ao Senado Federal. Nas mãos do doutor Itabaiana, um juiz que mastiga abelhas, Zero Dois comia o pão que o Tinhoso amassou. Aos cuidados do futuro relator do Tribunal de Justiça, espera receber brioches. A tenacidade com que o primogênito do presidente foge das explicações já ofende até o benefício da dúvida.
Observação: Flávio Bolsonaro vai se tornando um personagem cada vez mais
paradoxal. A cada vitória judicial que conquista, fica mais parecido com um
culpado. Revela-se capaz de tudo, menos de apresentar uma defesa consistente o
bastante para enfrentar o mérito das acusações que fazem dele uma biografia em
processo de decomposição. Conseguiu transferir sua encrenca da mesa do juiz de
primeira instância para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio,
composto por 25 desembargadores. Essa migração é um escárnio, até porque não
encontra respaldo na jurisprudência do Supremo. O ministro Marco Aurélio disse isso com todas as letras (afinal, até um relógio parado dá a hora certa duas vezes por dia) e o decano Celso
de Mello acaba de enviar para a primeira instância o processo em que Weintraub é acusado de racismo — por não ser mais ministro da Educação, o
poço de grosserias perdeu a prerrogativa de foro.
A Rede Sustentabilidade protocolou uma ação no STF
contra a decisão do TJ-RJ, na qual pede que o caso volte para a 1ª
Instância. “Mesmo que se perceba a sucessão de cargos públicos no caso,
interpretá-la em benefício de Flávio Bolsonaro contraria a dinâmica
constitucional do princípio republicano e inverte a lógica do foro por
prerrogativa de função: a imunidade formal deve ser encarada como uma proteção
à função pública (deputado estadual), e não à pessoa física nela investida“,
diz o texto formalizado pela Rede. “Por que Flávio Bolsonaro invocou o
foro privilegiado que ele e o pai tanto criticavam? Está tentando fugir de suas
responsabilidades?”, comentou senador Randolfe Rodrigues. “Considerando
a jurisprudência do STF, a menos que roubar salário de assessor seja ‘função
inerente ao cargo’ de deputado, o TJ-RJ derrapou feio ao salvar o pescoço de
Flávio Bolsonaro”, emendou o líder da minoria no Senado.
Em entrevista a Veja, o advogado Frederick Wassef — Fred para os íntimos e pedra
no sapato da Famiglia Bolsonaro — disse que acolheu Fabrício Queiroz em sua "escritório" em
Atibaia porque teria recebido informações de que o ex-assessor de seu cliente seria assassinado. Disse ainda que ficou sensibilizado com o estado de saúde do moço e consternado com o momento difícil que ele
atravessava. Sem revelar se ofereceu ajuda ou se foi procurado, Fred disse
que "fez chegar ao conhecimento" de Queiroz que estava
disponibilizando três endereços para ele ficar: a casa de Atibaia, uma casa em
São Paulo e outra no litoral. Disse também que omitiu do presidente e de seu primogênito (a quem Fred representava no processo das “rachadinhas”) a trama e o
paradeiro do ex-assessor, mas não revelou se manteve contato com o fantasminha camarada durante esse período. Na noite de domingo, o jurisconsulto informou que deixaria a
defesa de Flávio porque, segundo ele, a mídia tem se aproveitado da
situação para atacar o senador e o pai. A cúpula do Planalto mantém no radar a
possibilidade da prisão de Wassef caso sejam identificados indícios de
crime na sua relação com Queiroz, e receia uma eventual reação
destemperada do advogado diante de um rompimento brusco.
A defesa Queiroz está negociando um acordo de delação
premiada com o MP-RJ. O ex-factótum do clã Bolsonaro está preso
preventivamente e sua esposa, Márcia Aguiar, que está foragida há mais
de uma semana, também é alvo de um mandado de prisão. Fontes ouvidas pela CNN
Brasil apontam que a maior preocupação de Queiroz é com a sua
família, e que ele quer garantia de proteção a Márcia e às suas duas
filhas, também investigadas por suposta participação no esquema. E as negociações prosseguem, mesmo após decisão da última quinta-feira (25) sobre a subida do processo à
segunda instância.
ATUALIZAÇÃO: Segundo O Antagonista, o governo está comprando a blindagem de Flávio Bolsonaro no Senado. "Sem base de sustentação no Senado, o governo intensificou as negociações para distribuir cargos no momento em que o senador Flávio Bolsonaro é alvo de investigações e a oposição recolhe assinaturas para outra CPI no Congresso", diz o Estadão.
"As conversas envolvem um possível apoio do governo à reeleição do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (…)."
Até agora, Alcolumbre conseguiu manter com seu partido, o DEM, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba. A indicação foi feita pela Câmara, mas apadrinhada pelo presidente do Senado. Na outra ponta, o comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação ficou com o chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira, presidente do Progressistas. O FNDE tem orçamento anual de R$ 54 bilhões. O senador Telmário Motta, do PROS, admitiu que seu partido já está negociando um acordo com o governo: “Isso é um processo muito natural e o PROS está disposto a fazer indicações.”
E DÁ-LHE PODRIDÃO!
ATUALIZAÇÃO: Segundo O Antagonista, o governo está comprando a blindagem de Flávio Bolsonaro no Senado. "Sem base de sustentação no Senado, o governo intensificou as negociações para distribuir cargos no momento em que o senador Flávio Bolsonaro é alvo de investigações e a oposição recolhe assinaturas para outra CPI no Congresso", diz o Estadão.
"As conversas envolvem um possível apoio do governo à reeleição do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (…)."
Até agora, Alcolumbre conseguiu manter com seu partido, o DEM, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba. A indicação foi feita pela Câmara, mas apadrinhada pelo presidente do Senado. Na outra ponta, o comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação ficou com o chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira, presidente do Progressistas. O FNDE tem orçamento anual de R$ 54 bilhões. O senador Telmário Motta, do PROS, admitiu que seu partido já está negociando um acordo com o governo: “Isso é um processo muito natural e o PROS está disposto a fazer indicações.”
E DÁ-LHE PODRIDÃO!