quinta-feira, 4 de junho de 2020

DECIFRA-ME OU TE DEVORO (COMPLEMENTAÇÃO)


Sherlock Holmes, o detetive fictício criado por Sir Arthur Conan Doyle, dizia que “de uma gota d’água, um lógico pode inferir a possibilidade de um Atlântico ou de um Niagara sem jamais ter visto ou ouvido falar deles”.

Para facilitar o entendimento, vamos a outro exemplo:

Duas prostitutas que dividiam a mesma casa deram à luz com um dia de diferença. Um dos bebês faleceu, e a mãe trocou-o pelo sobrevivente. A verdadeira mãe exigiu a devolução do filho, mas não foi atendida, pois a amiga afirmava ser da reclamante o bebê que havia morrido. Depois de ouvir os dois lados da história, o Rei Salomão ordenou que partissem a criança ao meio e que cada mulher ficasse com uma metade. No mesmo instante, uma delas implorou-lhe que desse o bebê para a outra, donde o rei inferiu ser ela a mãe verdadeira, eis que seu amor pelo filho era tamanho que ela preferia vê-lo vivo, mesmo que longe de seus braços.

Desse breve resumo da conhecida parábola bíblica pode-se extrair que, do ponto de vista da presunção, partindo-se de um fato certo (a ternura da mulher que lhe narrou o fato), Salomão concluiu pela verdade provável de um fato incerto (que era mãe a mulher qualificada pela ternura). O que nos leva ao standard probatório — regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada (para informações mais detalhadas, clique aqui). É o preenchimento desse critério de suficiência que legitima a decisão.

O standard é preenchido quando o grau de confirmação alcança o padrão exigido entre os quatro níveis possíveis:

1) prova clara e convincente; 

2) prova mais provável que sua negação; 

3) preponderância da prova; 

4) prova além da dúvida razoável, sendo este último o mais exigente e, portanto, o utilizado na sentença penal. 

Sem embargo, é perfeitamente sustentável um rebaixamento do standard probatório conforme a fase procedimental, pois é razoável e lógico que a exigência probatória seja menor para receber uma acusação ou decretar uma medida cautelar do que para proferir uma sentença condenatória.

É por isso que o CPP fala em indícios razoáveis, indícios suficientes etc. para decisões interlocutórias com menor exigência probatória (rebaixamento de standard). 

Infere-se do exposto a admissibilidade do rebaixamento do standard conforme a fase processual, ou, em termos leigos, que as provas necessárias para uma investigação virar uma denúncia não precisam necessariamente ser tão "robustas" quanto as que, em fase processual posterior, venham a embasar a condenação do réu.  

Dito de outra maneira, indiciado é o termo usado para designar um indivíduo que foi alvo de investigação em um inquérito policial e, ao final da investigação, a autoridade responsável entendeu que há elementos suficientes para a apresentação de uma denúncia. Para alguém ser indiciado é preciso que o inquérito policial tenha sido concluído e que haja elementos que indiquem que esse alguém seja o autor do crime.

Já quando falamos em denunciado, a fase da investigação policial foi concluída e o Ministério Público ofereceu denúncia por entender haver prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. Aceita a denúncia, o acusado (ou réu) passa efetivamente a responder a processo penal e essa condição permanece até a prolação da sentença condenatória (para saber mais, siga este link).

Encerro lembrando o que disse o desembargador Abel Gomes, do TRF4, ao fundamentar seu voto pela rejeição do habeas corpus impetrado pela defesa de Michel Temer — como todos estão lembrados, em maio do ano passado o Vampiro do Jaburu passou uns dias atrás das grades: "Se tem rabo de jacaré, couro de jacaré e boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco".