sexta-feira, 26 de junho de 2020

E ASSIM A COISA VAI. PRA ONDE, SÓ DEUS SABE!



O ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta que continua assessorando voluntariamente autoridades regionais — diz que nunca foi contatado pelo general Eduardo Pazuello, ministro interino que em um mês à frente da Pasta já nomeou mais de vinte militares para funções importantes.

Mandetta classificou de "decepcionante" a militarização da Saúde em meio à pandemia da Covid-19: "Os médicos não sabem fazer guerra, os generais não sabem fazer saúde". Sobre o protocolo da hidroxicloroquina, o ex-ministro afirmou que só teria feito a alteração quando e se houvesse a comprovação científica da eficácia do medicamento, e que a maneira como a coisa foi feita (na base da hierarquia militar, quando um presidente capitão propõe e um ministro general publica) deixou claro que o ministério está sob ocupação militar.

Visto como potencial candidato à presidência, o ortopedista criticou a polarização na política brasileira: “Vamos ver se em 2022 a gente faz um debate e sai dessa polarização, essa coisa de PT de um lado, Bolsonaro, Lula. Isso aí está levando a gente para o buraco. O caminho é o centro democrático. Que neste ano a gente faça um debate nas eleições municipais preparatório para 2022”.

Como especialista em logística, Pazuello pode até servir para organizar a fila de sepultamentos, agilizar a distribuição de cloroquina ou encontrar áreas onde criar novos cemitérios e crematórios. Mas o que falta na Saúde são médicos, biólogos e gente com capacidade para enxergar o quadro em perspectiva, propor alternativas e estabelecer políticas em conjunto com Estados e Municípios.

Da execrável atuação de Bolsonaro no comando do batalhão de atabalhoados que tomaram de assalto o Ministério da Saúde, infere-se que a intervenção militar foi um completo desastre. Se serviu para alguma coisa, foi para criar o “ministério da boquinha” — um cabidão onde amigos e correligionários do presidente penduram a farda. Bolsonaro está brincando com a vida dos brasileiros. Urge devolver a Saúde aos especialistas. Na impossibilidade, parafraseando o próprio presidente (na folclórica reunião ministerial de 22 de abril), há que trocar o chefe do chefe da pasta.

Mudando de um ponto a outro, integrantes do Banco Mundial estão se movimentando para impedir a posse de Weintraub como diretor executivo da instituição. No Brasil, uma nota envida aos acionistas por um grupo liderado pelo diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero afirma que “a nomeação de um indivíduo desqualificado e extremista de direita é um atentado ao pouquíssimo que restava da credibilidade externa do Brasil”. 

Weintraub foi indicado pelo Ministério da Economia para assumir a diretoria executiva que representa o Brasil e mais oito países no banco. Sua confirmação depende de uma eleição interna do grupo, mas é considerada meramente protocolar, já que nosso país tem mais de 50% do poder de voto e por isso pode emplacar o nome que desejar para a função. Não houve até o momento oposição formal por parte dos outros países que formam o consórcio, que são Colômbia, Filipinas, Equador, República Dominicana, Trinidad e Tobago e Suriname. Se eleito, o imprestável vai servir até 31 de outubro de 2020, quando será necessário nova nomeação e eleição.

Em resposta à associação de funcionários, o Conselho de Ética diz que ex-ministro ainda não foi eleito e somente funcionários devem seguir regras do banco. Especialistas afirmam que pode haver irregularidades se Weintraub se utilizou da condição de ministro para driblar as barreiras sanitárias e entrar nos EUA, e que, mesmo não preenchendo os requisitos formais para obter o visto G1, necessário para trabalhar em organismos multinacionais, ele pode tê-lo conseguido por ser ex-ministro de Estado e estar com a nomeação em andamento. 

Observação: Ontem, a associação de funcionários pediu ao Comitê que recomendasse ao Conselho “uma revisão completa na conduta de Weintraub”, ponderando que, por um lado, os diretores são indicados pelos países para representá-los, mas, por outro, os nomes indicados se tornam oficiais do Banco Mundial e devem agir de acordo com as regras internas. A associação citou falas preconceituosas do ministro sobre a China e minorias, além do posicionamento a respeito da prisão de ministros do STF, e colocou a imagem do tuíte em que Weintraub usa de personagens da Turma da Mônica para ridicularizar os chineses. Os funcionários afirmam que, se a direção não agir de maneira proativa, o que resta é esperar que o iletrado passe por uma “palestra severa” no seu primeiro dia de trabalho.

Para além de ser um prêmio de consolação, a indicação foi uma estratégia para tirar Weintraub do país e evitar sua prisão — ele é investigado no Supremo por ter se referido aos ministros como “vagabundos” e dizer que, se dependesse dele, estariam todos na prisão. Isso sem mencionar a publicação racista contra chineses que o então ministro publicou em sua conta no Twitter. Aliás, foi também pelo Twitter que o "pupilo do Professor Olavo" disse que “precisava sair do Brasil o quanto antes”.

Uma vez exonerado, o Weintraub perdeu o foro privilegiado, e a investigação por suspeita de racismo deve baixar à primeira instância — embora ele continue sendo investigado no STF no inquérito das fake news, no qual outros investigados têm prerrogativa de foro.

Parlamentares da oposição protocolaram ação popular na Justiça Federal para obrigar o Itamaraty a informar o governo americano sobre a situação do fujão, já que sua entrada naquele país “caracteriza o uso indevido do documento de viagem e, em última análise, a imoralidade superveniente de sua expedição”.

Para Josias de Souza, os detalhes do envio de Weintraub para um refúgio dourado no exterior provocam no brasileiro que é obrigado a permanecer no país uma sensação insuportável de exílio, uma nostalgia colossal do Brasil. É como se o capitão e seus sequazes arcaicos quisessem impor aos brasileiros um país do qual nem os cegos conseguem se orgulhar.

Observação: Weintraub desembarcou em Miami no sábado (20), valendo-se do passaporte diplomático de futuro-quase-ex-ministro da Educação, mas sua exoneração, anunciada no dia 18 de junho, só foi publicada no Diário Oficial da União depois que ele se livrou da quarentena imposta pela Casa Branca aos brasileiros. Por mal dos pecados, o TCU, velho estraga-prazeres da República, ameaçou averiguar, e o Planalto, mais que depressa, reescreveu o passado, retificando o decreto que o exoneravas. Nem 18, nem 20. A demissão ocorreu no dia 19, informou o DOU, em sua edição do dia 23.

Weintraub não viajou para os Estados Unidos. Ele foi contrabandeado. Três dias depois do anúncio de sua demissão, apresentou-se aos agentes alfandegários americanos como ministro da Educação do Brasil. Só depois da consumação do logro que Bolsonaro mandou publicar sua exoneração numa edição extraordinária do Diário Oficial.

Se o viajante fosse uma mercadoria, estaria transitando por Miami como muamba. Tratando-se de uma pessoa, percorre a cidade americana na forma de uma caricatura promovida de um contracheque de ministro (R$ 30,9 mil mensais) para um holerite de diretor do Banco Mundial (R$ 115 mil). Extinguiu o direito do brasileiro ao riso. Poucas vezes o sórdido teve uma aparência tão marcadamente sórdida.

Para virar diretor do Banco Mundial, o vexame brasileiro precisa ser referendado por outros oito países. Um abaixo-assinado subscrito por 15 organizações da sociedade e 250 pessoas, entre economistas, ex-ministros, escritores e artistas, pede que a muamba seja devolvida ao Brasil.

Não foi a primeira vez que o governo Bolsonaro manipulou o Diário Oficial — e pelo jeito não será a última. Na demissão de Maurício Valeixo do comando da PF — que levou Sergio Moro a deixar o ministério da Justiça — lia-se no D.O.U. que a exoneração se dera “a pedido”, com o aval do ex-juiz da Lava-Jato. Descobriu-se que o pedido era inexistente e a assinatura da Moro no documento, falsa. O Planalto atrasou o relógio para burilar o passado: em nova publicação, arrancou-se a assinatura de Moro e consignou-se que o delegado saiu mesmo sem ter pedido. No caso de Regina Duarte, passado e futuro ganharam uma lógica ficcional, assistida em capítulos. É como se o Diário Oficial virasse roteiro de telenovela. Anunciada num dia, a demissão só foi formalizada 19 dias depois.

Observação: Numa performance ao lado de Bolsonaro, a ex-atriz global e ex-secretária da Cultura anunciou defronte do Alvorada que deixaria o cargo para ser rebaixada a chefe de uma insolvente Cinemateca Brasileira. Mas se manteve por 19 dias na folha de pagamento, impondo-se ao contribuinte como um pretérito mais-que-perfeito. Em mais uma ironia do destino entre as muitas que ocorreram nos últimos meses, a vida imitou a arte. Regina reencarnou, no ministério, a Viúva Porcina, que protagonizou no folhetim global Roque Santeiro: aquela que foi sem jamais ter sido.

Finalmente demitida na edição do Diário Oficial de 10 de junho, Regina aguarda há duas semanas pela nomeação para a Cinemateca. Foi prometida para o dia seguinte. Entretanto, num governo em que a publicação oficial virou plataforma de lançamento de fake news, o futuro é algo tão impalpável quanto a realidade. Parecia que estava ali, na esquina, radioso. Mas não chegou. E talvez jamais venha a chegar. Isso não significa que o governo seja propriamente mentiroso, apenas que tem uma verdade móvel. Ou múltipla. Visto pelo ângulo do DOU, o passado nem sempre reconhece o seu lugar. Às vezes vira o presente usado. Ou seminovo. E o futuro pode não chegar nunca.

Voltando a Weintraub, houve quem se espantasse com sua saída do governo. Mas isso eram favas contadas, já que o ministro não tinha mais pontes de diálogo com parlamentares por não acatar sugestões vindas do Congresso, possuir um temperamento difícil e ter ironizado deputados em plenário, além de ter confrontado especialistas e a bancada da educação quando pediram o adiamento do Enem. A mim, o que mais causou espanto foi ele ter durado tanto tempo no cargo — ou mesmo ele ter sido nomeado (no lugar de Ricardo Vélez, outra bizarrice indicada pelo ex-astrólogo Olavo de Carvalho, tido e havido como guru do clã do presidente e eminência parda deste desditoso governo).  

O ex-ministro não deixará saudades.  O senador Randolfe Rodrigues chegou a pedir sua prisão por declarações tidas como antidemocráticas. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que "ninguém está sentindo falta dele no Ministério da Educação" e que "ninguém queria que ele ficasse no Brasil de qualquer jeito, porque, de fato, é uma pessoa que mais atrapalhou que ajudou".

O subprocurador-geral junto ao TCU, Lucas Furtado, pediu à corte de contas que apure se houve irregularidade na viagem feita por Weintraub aos Estados Unidos e avalie a regularidade da gestão, por parte do Ministério das Relações Exteriores, quanto à suposta utilização do passaporte diplomático no episódio.

A deputada federal Tabata Amaral afirmou que Weintraub se importou mais com guerra cultural enquanto à frente do MEC, e que representava “o que há de pior no governo Bolsonaro" enquanto à frente da pasta: "Em nenhum momento ele fez qualquer tipo de coordenação ou liderou um esforço de educação não presencial diante da pandemia.


Que Deus nos ajude a todos.