A última de Jair Bolsonaro — ou penúltima,
considerada a velocidade da produção — foi a tentativa de “acabar com
matéria do Jornal Nacional” maquiando estatísticas sobre a incidência da Covid-19.
Os dados ganharam destaque na aflitiva trilha sonora das notícias
extraordinárias e continuaram sendo divulgados graças a um consórcio de
imprensa.
Ao governo restou enfiar mais uma viola no saco das
ofensivas frustradas. Tal recipiente vem sendo abastecido por Bolsonaro
desde os primórdios do mandato, quando não conseguiu despertar interesse da
sociedade nem apoio do Parlamento para sua antiquada pauta de costumes.
Nada
que o presidente da faz dá certo. Do início da pandemia para cá, os
insucessos têm se avolumado. Nesse aspecto traz à lembrança o mitológico rei
dono do toque de ouro, mas no sentido inverso. Jair Bolsonaro não acerta
uma, notabilizando-se por obter resultados contrários às suas pretensões.
A mais recente pesquisa do Datafolha, que registrou
queda acentuada na popularidade dele, apoio massivo ao isolamento social e
repúdio majoritário à ideia de armar a população, aponta também a melhora da
imagem do Congresso e do Supremo, com os quais Bolsonaro
se relaciona de maneira conflituosa. Pois bem, a pesquisa de 30 de maio mostra
uma queda de 14 pontos na avaliação negativa do Legislativo e de 13 pontos em
relação ao STF. Isso de dezembro para cá.
Nesse período, o presidente colecionou episódios
autodestrutivos em que a intenção inicial seria crescer em popularidade. Não
deu certo a jogada de negar a gravidade da pandemia para se afastar dos
esperados efeitos negativos. Três meses de crise depois, obteve 50% de
desaprovação, contra 27% de aprovação.
Tampouco foi bem-sucedida a marcha com empresários para uma
visita-surpresa ao presidente do Supremo. Agiu como o dono da Casa,
constrangeu Toffoli e acabou-se ali a condescendência do único ministro
do tribunal que mantinha com ele uma por vezes inapropriada proximidade. Partiu
de Toffoli, em discurso de apelo ao diálogo, o alerta de que a
“dubiedade” de Bolsonaro “assusta a sociedade”.
O ministro conseguiu se desviar do tiro, já o
procurador-geral da República se desmoralizou devido aos “carinhos” do
presidente. Augusto Aras ficou totalmente exposto ao receber “com
alegria” visita-surpresa à sede da PGR, ao ser condecorado e depois
anunciado como indicação futura a vaga no Supremo. Daí seguiram-se manifestação
da maioria dos procuradores do Brasil pela adoção da lista tríplice para a
escolha do procurador e crescente apoio no Congresso à aprovação de projeto com
mesmo teor. A forte desconfiança que hoje paira sobre a isenção de Aras
no exercício do cargo não o ajudaria a passar pela sabatina no Senado.
Sobre o resultado da reunião de abril que o presidente
mandou gravar com a intenção de divulgar trechos para exibir-se em posição de
valentia no comando do ministério, não precisamos gastar muito tempo nem
espaço. No afã de mostrar-se dono da razão nas divergências com Sergio Moro,
levou na cabeça uma ruptura barulhenta e enredou-se num inquérito para apuração
de diversos crimes.
Também por ciúme, inveja, insegurança e paranoia já havia
provocado a saída de Luiz Henrique Mandetta, quebrando, em plena crise
sanitária, o canal de diálogo da pasta da Saúde com a sociedade. O presidente
não ganhou nada a não ser dois adversários de peso para compor a já robusta
lista de aliados que bateram em retirada.
Nessa rota de saída estão empresários do movimento Brasil
200, desarticulado pelo temor de se verem enredados nas investigações sobre
divulgação de notícias falsas e organização de atos agressivos à legalidade e
às instituições. Aqui Bolsonaro também cavou o buraco a partir de ações
pretensamente vantajosas. O uso das redes sociais impulsionou a campanha e foi
um dos fatores essenciais para sua eleição.
O mau uso da ferramenta, no entanto, agora rende
complicações no Parlamento, na Justiça Eleitoral, na Polícia Federal e no
Supremo Tribunal, que já mordem calcanhares muito próximos do presidente.
Restam-lhe os militares. A questão é até quando e em qual dimensão, enredados
que estão num debate perdido sobre o poder de interferência das Forças Armadas
na vida política do país.
Jair Bolsonaro semeou o dissenso e acabou por colher
um inédito consenso em torno da frase dita tempos atrás: “Não nasci para ser
presidente”. Estava cheio de razão.
Com Dora Kramer