quarta-feira, 22 de julho de 2020

AINDA SOBRE GILMAR MENDES, O APARELHAMENTO NA SAÚDE E OUTRAS BOBAGENS


Critiquei a atenção exagerada a questiúnculas de somenos e vejo agora que caí na mesma infração. Mas acho importante dar voz aos criticados, daí eu dedicar mais algumas linhas ao tema, começando por dizer que, em entrevista à revista Veja, aquele que é sem nunca ter sido afirmou que “o presidente da República lhe conferiu uma missão administrativa e que ele a vem cumprindo”. Quanto à possibilidade de deixar o cargo (de interino no ministério da Saúde), o general reproduziu o que lhe disse o chefe: “Não estou pensando em porra nenhuma. Vai tocando aí. Se encherem muito o saco a gente te torna efetivo.” Garantido no cargo por enquanto, Pazuello conversou com o ministro Gilmar Mendes, que está em Lisboa. Ambos disseram que a conversa foi “pacífica e civilizada”.

Segundo o fardado, a acusação feita pelo togado não o incomodou, embora ele a qualifique de “mal colocada”, “atravessada” e feita “num momento errado” e fruto de “informações truncadas”. Mas aproveitou para alfinetar o magistrado: “Estou numa guerra contra a doença que já matou 75 mil pessoas, enfrentando interesses inconfessáveis e quadrilhas que têm de ser desbaratadas. Com tantos problemas, ou se vai para Portugal, ou se tenta mitigar isso tudo” (o grifo é meu).

Sobre Mandetta, o general mordeu e assoprou. A mordida: “Ele poderia ter usado o tempo dele melhor, ao invés de ficar dando entrevistas por quatro horas todos os dias. A população foi orientada a permanecer em casa mesmo com os sintomas, que era para ficar em casa até sentir falta de ar e, quando estivesse com falta de ar, segurar mais um pouquinho. Matamos quantas pessoas com isso? Loucura. O porcentual de morte sobe para 70% ou 80%. E isso não está dito em lugar nenhum, principalmente por quem agora nos critica. O sopro: “Na época era o que tinha de certo. Isso é a curva de aprendizagem. É uma doença nova, o Ministério da Saúde não tinha conhecimento do tratamento precoce, dos medicamentos que davam certo ou não e sobre quais medidas preventivas funcionavam. Ele fez um protocolo, e isso teve de ser modificado. Agora é tratamento imediato, nada de ficar em casa doente.”

Na visão do interino, a testagem não é essencial: “O diagnóstico é clínico, é do médico. Pela anamnese, pela temperatura, por um exame de tomografia, por uma radiografia do pulmão, por exame de sangue, podendo até ter um teste. Criaram a ideia de que tem de testar para dizer que é coronavírus. Não tem de testar, tem de ter diagnóstico médico para dizer que é coronavírus. E, se o médico atestar, deve-se iniciar imediatamente o tratamento.”

Sobre a militarização no ministério: “Quando fui convidado pelo presidente, ainda como secretário executivo, houve o acordo de que eu traria homens da minha confiança. Por dia, o ministério administra cerca de 600 milhões de reais. Eu precisava de um gestor para gerenciar esse recurso. Ao todo, trouxe dezoito militares. Quinze são da ativa. Apenas quatro estão em cargos de chefia, o resto é técnico. É essa a militarização do ministério. Qual é o problema nisso? Militar é um recurso humano formado e pago pelo contribuinte. Esse estigma precisa acabar.

Perguntado se vê alguma ameaça à democracia, Pazuello foi taxativo: “Zero. As manifestações de rua são o exemplo claro de que a democracia vive sua plenitude. Nasci em 1963, não sei nem o que é AI-5, nunca nem estudei para descobrir o que é. A história que julgue. Isso é passado, acabou. A nossa guerra agora é contra a corrupção, contra o aparelhamento de uma estrutura complicada de muitos anos que a gente herdou em todos os órgãos.

Devido a enroscos com a Justiça — tanto próprios quanto da filharada —, Jair Bolsonaro mostra-se mais susceptível a pressões da alta cúpula do Judiciário. Ainda que a contragosto, o presidente desencalacrou Abraham Weintraub do MEC. O capitão sabe que terá de nomear um médico para comandar a Saúde, mas não pretende fazê-lo no curto prazo. Para além de Pazuello, a pastora Damares, o passador de boiada Ricardo Salles, o chanceler sem diplomacia Ernesto Araújo, o laranjeiro Marcelo Álvaro Antonio e outros luminares devem continuar ocupando espaço na Esplanada dos Ministérios enquanto Bolsonaro continuar inquilino do Palácio do Planalto.

Como dito no post anterior, são remotas — pelo menos por enquanto — as possibilidades de Rodrigo Maia dar andamento a um dos trinta e tantos pedidos de impeachment contra o Presidente. E o mesmo vale para Davi Alcolumbre, atual presidente do Senado e do Congresso Nacional, a quem compete decidir o destino dos pedidos de impeachment contra ministros do STF. Só no ano passado, foram protocolados nove pedidos de impedimento contra o atual presidente da Corte, Dias Toffoli, cinco contra Alexandre de Moraes e outros cinco contra Gilmar Mendes. Apesar de não liderar o ranking, Mendes, por sua postura laxante, tornou-se o membro do Supremo mais execrado nas redes sociais. Mas vale lembrar que, desde a redemocratização, nenhum togado supremo foi deposto do cargo pelos senadores.

Ao longo da história republicana do Brasil, ao menos quatro presidentes renunciaram — Deodoro da Fonseca, em 1891; Getúlio Dornelles Vargas, em 1945; Jânio da Silva Quadros, em 1960; e Fernando Affonso Collor de Mello, em 1992 —, cada qual por motivos e motivações distintas, como veremos nos próximos capítulos da sequência “DA PRAGA DA CAVERNA AO CAPITÃO CAVERNA”. Impeachments, houve dois na era pós-ditadura: o de Collor, em 1992, e o de Dilma, em 2016.

Collor renunciou horas antes de seu impeachment ser julgado, imaginando que, com a renúncia, o processo perderia o objeto — não há como cassar o mandato depois que o detentor do mandato abriu mão dele “espontaneamente”. Mas o Senado deu sequência ao julgamento e, por 76 votos a 3, inabilitou o caçador de marajás de festim para o exercício de função pública (pelo período de oito anos). 

Dilma foi campeã absoluta em pedidos de impeachment: foram 68 ao longo de seus 5 anos, 4 meses e 12 dias de mandato. Collor foi alvo de 29Itamar, de 4; FHC, de 27; Lula, de 37, e Temer, de 33. Todavia, graças a uma vergonhosa maracutaia orquestrada pelos então presidentes do Congresso e do STF, foi penabundada da Presidência, mas preservou seus direitos políticos.

Bolsonaro, o autodeclarado Messias que não faz milagres, coleciona 36 pedidos de impeachment — que se encontram acomodados sob a buzanfã de Rodrigo Maia, a quem, na condição de Presidente da Câmara Federal, cabe decidir se dá seguimento a algum deles ou se simplesmente os envia para o arquivo (sob a letra “L”. de Lixo).

Observação: Para quem já não se lembra da palhaçada encenada durante o julgamento da gerentona de araque no Senado, o Cangaceiro das Alagoas — réu na Lava-Jato e multi-investigado por práticas nada republicanas — e o ex-advogado petista que vestiu a toga graças à amizade de sua mãe com a ex-primeira-dama — mas não despiu a farda de militante — tramaram um vergonhoso fatiamento do processo escorando-se numa interpretação estapafúrdia da Constituição, à luz da qual a perda do mandato e a inabilitação ao exercício de cargos públicos são penas cumulativas, não alternativas.  

Em entrevista a’O Antagonista, a desembargadora federal Sylvia Steiner — única brasileira a ter integrado o Tribunal Penal Internacional — foi questionada sobre as chances de prosperarem, na Corte de Haiatrês denúncias apresentadas neste ano contra Jair Bolsonaro (com base na postura do presidente no enfrentamento da Covid-19). Na opinião da jurista, apesar da “política desastrosa” de sua excelência, não há elementos que configurem genocídio ou crime contra a humanidade.