Critiquei a atenção exagerada a questiúnculas de somenos e
vejo agora que caí na mesma infração. Mas acho importante dar voz aos
criticados, daí eu dedicar mais algumas linhas ao tema, começando por dizer que,
em
entrevista à revista Veja, aquele que é sem nunca ter sido afirmou
que “o presidente da República lhe conferiu uma missão administrativa e que
ele a vem cumprindo”. Quanto à possibilidade de deixar o cargo (de interino
no ministério da Saúde), o general reproduziu o que lhe disse o chefe: “Não
estou pensando em porra nenhuma. Vai tocando aí. Se encherem muito o saco a
gente te torna efetivo.” Garantido no cargo por enquanto, Pazuello conversou
com o ministro Gilmar Mendes, que está em Lisboa. Ambos disseram que a conversa foi “pacífica e civilizada”.
Segundo o fardado, a acusação feita pelo togado não o
incomodou, embora ele a qualifique de “mal colocada”, “atravessada”
e feita “num momento errado” e fruto de “informações truncadas”. Mas
aproveitou para alfinetar o magistrado: “Estou numa guerra contra a doença
que já matou 75 mil pessoas, enfrentando interesses inconfessáveis e quadrilhas
que têm de ser desbaratadas. Com tantos problemas, ou se vai para Portugal,
ou se tenta mitigar isso tudo” (o grifo é meu).
Sobre Mandetta, o general mordeu e assoprou. A
mordida: “Ele poderia ter usado o tempo dele melhor, ao invés de ficar dando
entrevistas por quatro horas todos os dias. A população foi orientada a
permanecer em casa mesmo com os sintomas, que era para ficar em casa até sentir
falta de ar e, quando estivesse com falta de ar, segurar mais um pouquinho.
Matamos quantas pessoas com isso? Loucura. O porcentual de morte sobe
para 70% ou 80%. E isso não está dito em lugar nenhum, principalmente por quem
agora nos critica. O sopro: “Na época era o que tinha de certo. Isso é
a curva de aprendizagem. É uma doença nova, o Ministério da Saúde não tinha
conhecimento do tratamento precoce, dos medicamentos que davam certo ou não e
sobre quais medidas preventivas funcionavam. Ele fez um protocolo, e isso teve
de ser modificado. Agora é tratamento imediato, nada de ficar em casa doente.”
Na visão do interino, a testagem não é essencial: “O
diagnóstico é clínico, é do médico. Pela anamnese, pela temperatura, por um
exame de tomografia, por uma radiografia do pulmão, por exame de sangue, podendo
até ter um teste. Criaram a ideia de que tem de testar para dizer que é
coronavírus. Não tem de testar, tem de ter diagnóstico médico para dizer que é
coronavírus. E, se o médico atestar, deve-se iniciar imediatamente o tratamento.”
Sobre a militarização no ministério: “Quando fui
convidado pelo presidente, ainda como secretário executivo, houve o acordo de
que eu traria homens da minha confiança. Por dia, o ministério administra cerca
de 600 milhões de reais. Eu precisava de um gestor para gerenciar esse recurso.
Ao todo, trouxe dezoito militares. Quinze são da ativa. Apenas quatro estão em
cargos de chefia, o resto é técnico. É essa a militarização do ministério. Qual
é o problema nisso? Militar é um recurso humano formado e pago pelo contribuinte.
Esse estigma precisa acabar.”
Perguntado se vê alguma ameaça à democracia, Pazuello
foi taxativo: “Zero. As manifestações de rua são o exemplo claro de que a
democracia vive sua plenitude. Nasci em 1963, não sei nem o que é AI-5, nunca
nem estudei para descobrir o que é. A história que julgue. Isso é passado,
acabou. A nossa guerra agora é contra a corrupção, contra o aparelhamento de
uma estrutura complicada de muitos anos que a gente herdou em todos os órgãos.”
Devido a enroscos com a Justiça — tanto próprios quanto da
filharada —, Jair Bolsonaro mostra-se mais susceptível a pressões da
alta cúpula do Judiciário. Ainda que a contragosto, o presidente desencalacrou Abraham
Weintraub do MEC. O capitão sabe que terá de nomear um médico
para comandar a Saúde, mas não pretende fazê-lo no curto prazo. Para além de Pazuello,
a pastora Damares, o passador de boiada Ricardo Salles, o
chanceler sem diplomacia Ernesto Araújo, o laranjeiro Marcelo Álvaro
Antonio e outros luminares devem continuar ocupando espaço na Esplanada dos
Ministérios enquanto Bolsonaro continuar inquilino do Palácio do
Planalto.
Como dito no post anterior, são remotas — pelo menos por
enquanto — as possibilidades de Rodrigo Maia dar andamento a um dos
trinta e tantos pedidos de impeachment contra o Presidente. E o mesmo vale para
Davi Alcolumbre, atual presidente do Senado e do Congresso Nacional, a quem compete decidir o destino dos pedidos de
impeachment contra ministros do STF. Só no ano passado, foram
protocolados nove pedidos de impedimento contra o atual presidente da
Corte, Dias Toffoli, cinco contra Alexandre de Moraes e
outros cinco contra Gilmar Mendes. Apesar de não liderar o ranking, Mendes,
por sua postura laxante, tornou-se o membro do Supremo mais execrado nas redes
sociais. Mas vale lembrar que, desde a redemocratização, nenhum togado supremo foi deposto do cargo pelos senadores.
Ao longo da história republicana do Brasil, ao menos quatro
presidentes renunciaram — Deodoro da Fonseca, em 1891; Getúlio
Dornelles Vargas, em 1945; Jânio da Silva Quadros, em 1960;
e Fernando Affonso Collor de Mello, em 1992 —, cada qual por
motivos e motivações distintas, como veremos nos próximos capítulos da
sequência “DA PRAGA DA CAVERNA AO CAPITÃO CAVERNA”. Impeachments, houve
dois na era pós-ditadura: o de Collor, em 1992, e o de Dilma,
em 2016.
Collor renunciou horas antes de seu impeachment
ser julgado, imaginando que, com a renúncia, o processo perderia o objeto — não
há como cassar o mandato depois que o detentor do mandato abriu mão dele
“espontaneamente”. Mas o Senado deu sequência ao julgamento e, por 76 votos a 3,
inabilitou o caçador de marajás de festim para o exercício de função pública
(pelo período de oito anos).
Dilma foi campeã absoluta em pedidos de impeachment:
foram 68 ao longo de seus 5 anos, 4 meses e 12 dias de mandato. Collor foi
alvo de 29; Itamar, de 4; FHC, de 27; Lula,
de 37, e Temer, de 33. Todavia, graças a uma vergonhosa maracutaia
orquestrada pelos então presidentes
do Congresso e do STF, foi penabundada da Presidência, mas preservou
seus direitos políticos.
Bolsonaro, o autodeclarado Messias que não faz
milagres, coleciona 36 pedidos de impeachment — que se encontram acomodados sob
a buzanfã de Rodrigo Maia, a quem, na condição de Presidente da Câmara
Federal, cabe decidir se dá seguimento a algum deles ou se simplesmente os envia
para o arquivo (sob a letra “L”. de Lixo).
Observação: Para quem já não se lembra da
palhaçada encenada durante o julgamento da gerentona de araque no Senado, o Cangaceiro
das Alagoas — réu na Lava-Jato e multi-investigado por
práticas nada republicanas — e o ex-advogado petista que vestiu a toga graças à
amizade de sua mãe com a ex-primeira-dama — mas não despiu a
farda de militante — tramaram um vergonhoso fatiamento do processo
escorando-se numa interpretação estapafúrdia da Constituição, à luz da qual a
perda do mandato e a inabilitação ao exercício de cargos públicos são penas
cumulativas, não alternativas.
Em entrevista
a’O Antagonista, a desembargadora federal Sylvia Steiner — única
brasileira a ter integrado o Tribunal Penal Internacional — foi
questionada sobre as chances de prosperarem, na Corte de Haia, três
denúncias apresentadas neste ano contra Jair Bolsonaro (com base na
postura do presidente no enfrentamento da Covid-19). Na opinião da
jurista, apesar da “política desastrosa” de sua excelência, não há
elementos que configurem genocídio ou crime contra a humanidade.