domingo, 26 de julho de 2020

UM PODER QUE SE SERVE EM VEZ DE SERVIR É UM PODER QUE NÃO SERVE — PARTE 2


Não fosse o fato de o primeiro presidente civil eleito (indiretamente, mas eleito mesmo assim) após a renúncia de Jânio Quadros ter sido hospitalizado horas antes da cerimônia de posse e morrido 38 dias e sete cirurgias depois, o Palácio do Planalto contabilizaria nove inquilinos desde o fim da ditadura militar. Dos oito mandatários que chegaram a ocupá-lo, três eram vices que foram promovidos a titular (Sarney, devido à morte de Tancredo, e Itamar e Temer, mercê os impeachments de Collor e Dilma, respectivamente). Outros três se reelegeram (FHC, Lula e Dilma), dois foram expelidos pela porta de serviço (Collor em 1992 e Dilma em 2016) e dois foram presos, ainda que em condições especiais.

O demiurgo de Garanhuns cumpriu — confortavelmente instalado numa cela VIP da Superintendência da PF do Paraná e cercado de mordomias — míseros 580 dias dos 26 anos e lá vai fumaça a que foi condenado em dois dos nove processos que tramitam contra ele na Justiça Federal em Curitiba, São Paulo e Brasília. Já o vampiro do Jaburu, que foi promovido de presidente pato-manco a heptarréu após transferir cargo e faixa para o atual, dormiu apenas 5 noites na PF do RJ (e hoje virou comentarista político da CNN Brasil, ou pelo menos é o que parece, pois dia sim, outro também, Temer é entrevistado por âncoras da emissora). 

Somente o pomposo grão tucano escapou incólume das garras da lei, a despeito de ter sido o principal interessado e o maior beneficiado pela compra de votos que garantiram a aprovação da PEC da reeleição, em 1997 (que não foi investigada como manda o figurino, conforme veremos numa próxima oportunidade).  

Águas passadas não movem moinhos”, diz um adágio popular. Mas será mesmo que não? Considerando que o presente nada mais é que uma somatória das consequências de escolhas feitas no passado, faz mais sentido (outra dessas pérolas de sabedoria) dizer que “a voz do povo é a voz de Deus”, mas que às vezes a ignorância também se manifesta pela boca da plebe ignara

A escolha irresponsável feita pela récua a que chamamos “eleitorado” — composta em sua maioria por desinformados e apedeutas de quatro costados — deixou-nos numa sinuca de bico no segundo turno das eleições passadas. Depois que 11 dos treze postulantes (não nego que quase todos estavam mais para figurante de filme de terror do que para candidato à Presidência, mas enfim...) forma limados no primeiro turno pelos iletrados e desinformados de plantão, restaram o extremista de direita e o pateta de esquerda — este um mero preposto do criminoso condenado que não pode disputar pessoalmente o pleito e não encontrou outro esbirro que se sujeitasse ao patético papel de bonifrate. E assim sagrou-se vencedor um ex-capitão cuja carreira militar foi abortada por indisciplina e insubordinação. Alguém que em outras circunstâncias conseguiria, no máximo, mais um mandato na Câmara Federal, onde, com alguma sorte, aprovaria mais um projeto de relevância duvidosa (que se somaria aos outros dois que conseguiu aprovar em 28 anos de deputância).

Sob a batuta bolsonarista, tornamo-nos párias aos olhos do mundo. Segundo o jornal americano Washington Post, o Brasil tem o pior líder do planeta no combate à Covid-19 — pior até mesmo que Donald Trump —, uma ameaça ambulante à vida humana e ambiental e à viabilidade comercial e econômica do país como parceiro. Um presidente que eu e mais um sem-número de imbecis classificamos como psicopata, mas que, a despeito de ser um ególatra mitômano e paranoico, valeu-se de cada minuto de seus 28 anos como parlamentar para aprender a jogar o jogo do poder. Um presidente eleito mediante a promessa (dentre muitas outras) de propor o fim da reeleição, mas que agora só pensa em se reeleger, ainda que tenha confessado sua total inaptidão para o cargo que ocupa (ao dizer com todas as letras que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar). 

Observação: Trata-se, evidentemente, de uma paráfrase ao último presidente-ditador dos anos de chumbo, que disse: "Estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel".

“Quem semeia ventos colhe tempestades”, ensina outro apotegma da sabedoria popular. E com efeito. Em um ano e 7 meses de governo, Bolsonaro foi alvo de mais de 30 pedidos de impeachment (clique aqui para ver a posição dos ex-presidentes no ranking). Mas só Deus e Rodrigo Maia sabem se algum deles vai seguir adiante.

Observação: Muitos analistas e palpiteiros de plantão argumentam que o impeachment foi banalizado (como quase tudo mais no Brasil), e que, por se tratar de uma medida extrema — porque abrevia o mandato de um presidente da República democraticamente eleito e blá, blá, blá —, deve ser usado somente em situações especialíssimas, e mais blá, blá, blá. No entanto, se a asquerosa gerentona de festim não tivesse sido afastada em maio de 2016, depois de 5 anos, 4 meses e 12 dias desmontando tijolo por tijolo a economia tupiniquim — e cuspida definitivamente do Planalto em agosto daquele ano (pelo conjunto de sua obra nefasta; as famosas “pedaladas fiscais” foram apenas o “arcabouço legal” que agregou legitimidade ao viés jurídico do processo) —, é provável que não teria sobrado Brasil para quem lhe sucedesse no cargo em 2019 administrar.

Neste país do futuro que nunca chega e onde até o passado é incerto, a prudência recomenda não cantar a bola enquanto ela não tiver sido encaçapada. Ainda assim eu diria que há chances reais (embora remotas) de o mandatário de turno receber cartão vermelho e ter de deixar o campo antes dos 45 minutos do segundo tempo. 

Mas isso é assunto para uma próxima postagem.