Muita gente que votou em Bolsonaro não está empolgada com a maneira como o país vem sendo conduzido. Se a popularidade do presidente cresceu alguns pontos nos últimos dias, isso se deveu à possibilidade de o governo estender o pagamento do coronavoucher até o final do ano — o que é uma faca de dois gumes.
A choldra que apoia incondicionalmente o “mito” continuará a lhe prestar vassalagem até o fim dos tempos, não importa quais nem quantas promessas de campanha ele venha a descumprir. A não ser que, por pragmatismo, sua insolência mude radicalmente seu comportamento. Mas isso é altamente improvável, como ensina a Fábula do Sapo e o Escorpião:
Guardadas as devidas proporções, o mesmo raciocínio se aplica a São Lula, a alma viva mais honesta do universo e sumo pontífice da Petelândia, e sua récua de muares devotos. Daí as pesquisas apontarem invariavelmente que cada um desse encantadores de burros tenha o apoio incondicional de algo entre 20 e 30 por cento dos brasileiros.
Você pode simpatizar com Bolsonaro. Ou com Lula. Ou com os dois (!?). Ou com nenhum dos dois. Mas, se analisar a situação desapaixonadamente, se colocá-la em perspectiva, se mirar a floresta em vez de focar apenas a árvore, verá que, a despeito de ocuparem posições diametralmente opostas no espectro político-ideológico, essas duas desgraças nacionais, mais que as duas faces de uma mesma moeda, são basicamente a mesma moeda. E falsos como uma moeda de dois reais. Porém, essa parecença é assunto para uma próxima postagem; nesta, reproduzo o texto que o sempre brilhante Roberto Pompeu de Toledo publicou na edição 2698 de Veja:
“O Exército brasileiro carece de glórias. Ao longo de sua
história, em duas cruciais ocasiões nas quais foi chamado a bater-se, numa
saiu-se com heroísmo, na outra conheceu humilhante fiasco. Gloriosa foi a
participação na II Guerra Mundial; inglória foi a guerra contra o arraial do
beato Antônio Conselheiro, em Canudos. O envolvimento com o governo Bolsonaro,
pelo que se observa até agora, ameaça entrar para a história da força pelo
lado, se não do fiasco, da lamentável sabujice. Exemplo disso é a adesão do
Exército à “guerra da cloroquina”, tal qual proposta pelo presidente.
A participação na II Guerra foi gloriosa, antes de tudo, por
ter sido travada contra um inimigo indesculpável. As simpatias dos dois
principais chefes militares do período, os marechais Dutra e Goes
Monteiro, estavam com o nazifascismo, mas a matreirice do presidente Getúlio
Vargas e, sobretudo, a força conjugada da economia, da geopolítica e dos
ventos da história empurraram o Brasil para os braços dos aliados. Os 25 000 homens da FEB enviada
à Europa lutaram
com bravura e sua contribuição
para a libertação
da Itália é reconhecida nas
comunas onde atuaram.
Os brasileiros que visitam a Toscana deveriam incluir no
roteiro o antigo cemitério de Pistoia. Os corpos dos 465 pracinhas ali
inicialmente enterrados foram removidos para o memorial da Praia do Flamengo,
mas seus nomes continuam inscritos num muro atrás do bonito monumento projetado
pelo arquiteto Olavo Redig de Campos. Uma pira eterna e a bandeira
nacional completam a discreta e comovente solenidade do local. Não é fácil,
nestes tempos em que os bolsonaristas, como na ditadura, sequestraram os
símbolos nacionais, encontrar lugar onde a bandeira brasileira cause emoção.
Pistoia é um deles.
A Guerra de Canudos, como espelho invertido, foi inglória,
antes de tudo, por ter sido travada contra o inimigo errado. Quatro expedições
militares foram enviadas para enfrentar o que não passava de um ajuntamento de
gente miserável. Mesmo assim, três foram derrotadas. A derrota mais acachapante
foi a da terceira expedição, comandada pelo coronel Moreira César, no
auge do prestígio com que arrasara, na antiga cidade do Desterro, a atual
Florianópolis, o último foco de resistência da Revolução Federalista. Moreira
César chegou arrotando moral. “Vamos almoçar em Canudos”, prometeu, ao
aproximar-se do vilarejo. Levou um tirambaço na barriga e morreu.
Sucedeu-lhe o coronel Tamarindo, celebrizado pelo
brado com que proclamou a parada perdida: “É tempo de murici, cada um cuide
de si”. Foi morto na fuga. Mas seu grito exibe apenas a face folclórica da
vergonha suprema em que se constituiu a campanha como um todo. A guerra foi
ganha à custa da mobilização de 5 000
homens, recursos como o canhão
apelidado de “Matadeira”, a presença do próprio ministro da Guerra
no teatro das operações
e, no fim, com o “inimigo” vencido, a ignomínia de abatê-los com golpes que
lhes arrancavam a cabeça.
A guerra da cloroquina é a que, no Brasil reescrito sob
inspiração bolsonarista, enfrenta hoje o Exército nacional — e vence com brio,
segundo seu comandante, general Edson Pujol. Num vídeo para consumo
interno da força, o general celebrou o aumento da produção de cloroquina e
álcool em gel pelos laboratórios do Exército, e sua distribuição para o
atendimento dos soldados enfermos. Se ficasse por aí, estaria comemorando
apenas o cumprimento de uma ordem presidencial. Mas acrescentou: “Com
orgulho, informo que a pronta resposta já recuperou milhares de integrantes de
nossa família verde-oliva”, e assim convalidou a eficácia do remédio.
Ponto para Bolsonaro, no empenho em converter o Exército às suas manias. Carecer de glórias é o normal, para as Forças Armadas de países com poucas guerras. Ruim é colecionar vergonhas. Na disputa entre cloroquina e tubaína deu cloroquina na cabeça, na visão do Exército. Danou-se, tubaína! O governo brasileiro iniciou a guerra da cloroquina a reboque dos EUA, e nisso seguiu o modelo da II Guerra Mundial, embora a diferença entre os EUA de Roosevelt e o de Trump equivalha à existente entre uma batalha sob o comando do general Patton e outra sob o do coronel Tamarindo. Trump ultimamente deu sinais de hesitação, na fidelidade à cloroquina, mas Bolsonaro segue firme, a ponto de ter tentado trazer para a causa uma das emas do Palácio da Alvorada, mostrando-lhe sedutoramente uma caixa do remédio. A ema não foi em sua conversa. O Exército foi.