sexta-feira, 7 de agosto de 2020

SOU, MAS QUEM NÃO É?

Para não cansar o leitor com minhas elucubrações sobre o despreparo do eleitorado tupiniquim — o grande responsável, a meu ver, pelos governos desastrosos que tivemos desde a redemocratização e pela péssima qualidade (para ser gentil) dos políticos que integram o Congresso Nacional —, saliento apenas que, depois que aberrações como o criminoso de Garanhuns e sua abjeta pupila presidiram esta banânia, e de termos sido obrigados a votar num mau militar e parlamentar medíocre para evitar a volta de um ladrão ao poder, dizer que falta envergadura a Sergio Moro para ser Presidente é um escárnio.

A política, como bem frisou Nelson Mandela, é a arte do possível. E, a julgar pelo rumo que as coisas estão tomando, é bem possível — senão provável — que tenhamos de recorrer novamente, em 2022, ao “voto útil”. Resta saber até quando teremos de caçar com gato porque nos falta um cão.

Quando tirou da cachola (ou das cacholas) a ideia de impor quarentena de oitos anos a ex-juízes e procuradores que desejem concorrer a cargo político, o ainda presidente do STF, Antonio Dias Toffoli, sutil como de costume, disse que “a imprensa começa a incensar determinado magistrado e ele já se vê candidato a presidente da República, sem nem conhecer o Brasil, sem nem conhecer o seu estado, sem ter ideia do que é a vida pública.”

É possível que o magistrado fale por experiência própria. Afinal, antes de receber de Lula a suprema toga que ora lhe adorna os ombros, ele prestou serviços advocatícios ao Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, ao PT, ao criminoso condenado José Dirceu e às campanhas do criminoso condenado Lula (quando ambos já eram criminosos, mas ainda não haviam sido condenados). Para além disso, abrilhantam seu invejável currículo duas reprovações em concursos para juiz de Direito em São Paulo — ambas na fase preliminar, que avalia conhecimentos gerais e noções elementares de Direito dos candidatos. Dito de outra maneira: mesmo sendo considerado incapaz de assinar uma simples sentença de despejo, o Maquiavel de Marília (epíteto que lhe foi conferido pelo impagável José Nêumanne Pinto) foi indicado por Lula ao STF em 2009 e guindado à presidência da Corte em setembro 2018.

Em 2005, quando o Mensalão veio à tona, o rábula vermelho trabalhava na Casa Civil e respondia diretamente ao então ministro José Dirceu, apontado como chefe do esquema. Curiosamente (ou absurdamente), isso não o impediu de participar do julgamento da ação penal 470 (vulgo “Processo do Mensalão”), nem de votar pela absolvição do ex-chefe, alegando que não havia provas suficientes contra o petista (embora tenha votado pela condenação de José Genoíno, ex-presidente do PT, e de Delúbio Soares, ex-tesoureiro da facção).

Em 2015, pouco depois da divulgação da primeira “lista de Janot”, o magistrado que vestiu a toga por cima da farda de militante pediu transferência da primeira para a segunda turma do STF — que ficaria encarregada dos processos da Lava-Jato. Foi ele quem sugeriu que casos que não tivessem conexão com a Petrobras não ficassem nas mãos do juiz Sergio Moro — livrando por tabela o rabo da senadora Gleisi Hoffmann — e foi ele o autor do pedido de vista que interrompeu a votação da limitação do foro privilegiado de políticos.

Em sua proposta de delação, Léo Pinheiro mencionou que a OAS havia executado reformas na casa do eminente ministro, mas a informação vazou, Veja publicou, o então procurador-geral Rodrigo Janot (outro notório sectário do lulopetismo) rodou a baiana e então a delação melou.

A Lava-Jato também descobriu que um consórcio suspeito de firmar contratos viciados com a Petrobras repassava quantias significativas ao escritório de advocacia de Roberta Gurgel, esposa de Toffoli. O próprio Toffoli foi sócio da firma, mas deixou a sociedade antes de os pagamentos começarem. Roberta levou a banca adiante e hoje cuida de centenas de processos em Brasília. Segundo os registros na OAB, um advogado que trabalhou com Toffoli figura como sócio da doutora. Numa matéria publicada tempos atrás pela revista eletrônica Crusoé, o nobre ministro recebia da mulher uma “mesada” de R$ 100 mil — metade desse valor era transferido para a conta de sua ex, Monica Ortega, e a outra metade era usada para pagar despesas correntes, como faturas de cartão.

O recado de Toffoli para Moro mostra uma das frentes de ataque a uma suposta candidatura do ex-juiz à Presidência em 2022, para além da tentativa de criar a tal quarentena (que dariam um jeito de ser retroativa, evocando-se o que ocorreu com a lei da ficha limpa), decidir pela sua suspeição nos processos em que condenou Lula (como vimos no post anterior, Gilmar já está quase lá) e abrir uma CPI da Lava-Jato (a suspeição de Moro poderá ser o fato detonador). A frente explicitada por Dias Toffoli é — acredite se quiser — a da falta de conhecimento da realidade brasileira.

Ninguém deixou de ser presidente da República por falta de conhecimento da nossa realidade, mas seria bom para Moro (e para o país) que ele começasse a dizer mais o que pensa sobre os grandes problemas que afligem os cidadãos. Ele é professor no combate a duas de nossas pragas — a corrupção e a falta de segurança —, mas não se sabe o que ele pensa sobre economia, saúde, educação, infraestrutura e meio ambiente. Está-se falando, é claro, de linhas gerais. Moro é um liberal ou um estatista? Como acha ser possível melhorar o SUS? Basta aumentar salário de professor para que a prioridade ao ensino fundamental se concretize? Ferrovias ou rodovias? Como preservar o ambiente sem tolher o desenvolvimento?

Uma vez que as linhas gerais estivessem claras, seria importante dar a conhecer quem o ajudaria na confecção de um plano de governo e na sua execução. Em quem Moro confia para estar ao seu lado? Na segurança pública, já se tem pistas. Mas e nas outras áreas? Imagina-se que, passada a pandemia, se for mesmo candidato, o ex-ministro começará a viajar pelo Brasil, do Oiapoque ao Chuí. Isso é fundamental, mas não basta. É forçoso que Moro mostre ter um ideário a partir do qual será estabelecido um plano.

Por último, mas não menos importante: por qual sigla ele se lançaria candidato? Seria o ex-juiz capaz de agregar partidos importantes, superando desconfianças, para aumentar sua base parlamentar e assim permitir que ele conseguisse governar? Temos hoje um presidente sem partido — estranheza inédita na estranha história republicana —, mas não parece boa ideia ter outro.

Alguns poderiam argumentar que ainda está muito cedo para Moro abrir o jogo, apesar de todos os seus adversários já estarem em campanha mais ou menos aberta para 2022 — daí o recrudescimento dos ataques ao ex-juiz da Lava-Jato. Tudo bem, cada um tece com lhe apetece. Se acha melhor manter o segredo de Polichinelo — no caso de se tratar disso, e não de indecisão —, que vá em frente. O segredo ou a indecisão, contudo, não são empecilhos para sabermos o que ele pensa sobre os diversos assuntos que dizem respeito ao desenvolvimento do Brasil.

Ainda que de maneira torta, Toffoli deu uma dica preciosa a Sergio Moro. Alea jacta est.

Com O Antagonista/Mario Sabino