quinta-feira, 20 de agosto de 2020

SOBRE LULA, JUSCELINO E BOLSONARO

Dentre outras asnices, Lula já se autodeclarou “a alma viva mais honesta do Brasil” e se autopromoveu de ser humano a “uma ideia”. A primeira gabolice saiu da boca do sapo quando ele já era réu em pelo menos seis processos; a segunda, depois que o TRF-4 ratificou sua condenação e a 13ª Vara Federal do Paraná expediu o competente mandado de prisão.

Em meio a um circo midiático que teve início na sexta-feira, 6 de abril de 2018, e só terminou na noite do sábado, o molusco falastrão declamou um trecho do célebre “I Have a Dream”, de Martin Luther King, e, com a expressão bestificada de um beato em epifania — ou de quem exagerou na manguaça —, sentenciou: "Não sou mais um ser humano, sou uma ideia." No mês passado, em mais um desvario, a má ideia teve o desplante de se comparar (de novo) a Juscelino Kubitschek.

Surtos psicótico-megalômanos são café-pequeno para quem tem o ego inflado como um Zeppelin. Grande mesmo é a cara de pau do falastrão, gabola e provinciano, que odeia leituras e culpa os adversários pelas adversidades, mas é misericordioso com bandidos de estimação, a quem tudo perdoa.

Sem jamais ter sequer folheado uma biografia que não a própria, o egun mal despachado não faz a menor ideia de quem foi Juscelino. Mas apresentava-o como exemplo a seguir e, mais adiante, passou a se achar superior a ele. Esse traço comum se destaca na diminuta lista de semelhanças. Bem mais extensa é a relação das diferenças, todas profundas, algumas abissais. 

Da feita que se tornou político, o pernambucano desempregado que deu certo passou a mirar as próximas eleições; o mineiro de Diamantina pensava nas futuras gerações.  

O petralha ama ser presidente, mas seria irretocavelmente feliz se pudesse presidir o país sem administrá-lo. Bom de conversa e ruim de serviço, detesta reuniões de trabalho ou audiências com ministros das áreas técnicas e escapa sempre que pode do tedioso expediente no Palácio do Planalto.  

JK amava exercer a Presidência, administrava o país com volúpia e paixão — e a chama dos visionários lhe incendiava o olhar ao contemplar canteiros de obras que o populista petista visita para falatórios eleitoreiros, demonstrando tratar com prazer de política, enquanto seu paradigma tratava também de política com prazer.

O país primitivo dos anos 50 pareceu moderno já no dia da posse de JK. Cinco anos depois, ficara mesmo. O otimista incontrolável inventou Brasília, rasgou estradas onde nem trilhas havia, implantou a indústria automobilística, antecipou o futuro. Cometeu erros, claro. Compôs parcerias condenáveis, fechou os olhos à cupidez das empreiteiras, não enxergou o dragão inflacionário. Mas o conjunto da obra é amplamente favorável.

Com JK, o Brasil viveu a Era da Esperança, mas tornou-se primitivo quando Lula ganhou a eleição. Oito anos depois, ficou mesmo. Mas Lula estava bem no retrato, reiteraram os institutos de pesquisa. Fazia sentido. Primeiro, porque milhões de brasileiros inscritos no Bolsa-Família estavam gratos à esperteza que os reduziu a dependentes da esmola federal. Depois, e sobretudo, porque o advento da Era da Mediocridade tornou o país mais jeca, mais brega, menos exigente, menos altivo.

Nos anos 50, o governo e a oposição eram conduzidos pelos melhores e mais brilhantes. O povo mereceu um presidente como JK. No Brasil de Lula, mandaram os medíocres. O grande rebanho de devotos teve o pastor que mereceu. E continua merecendo, a julgar pelos desqualificados designados, no primeiro escrutínio, para disputar Planalto no segundo turno das eleições passadas. E pela alternativa que restou aos eleitores mais esclarecidos para impedir que o PT e seus satélites e apaniguados retornassem e, com seu apetite pantagruélico, devorassem até a última migalha do Erário.

O capitão cloroquina disse com todas as letras que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar. O último presidente general da ditadura militar disse algo parecido: "Estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel". Aliás, Figueiredo disse ainda que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo e, perguntado por uma criança o que ele faria se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo, respondeu de bate-pronto que “daria um tiro no coco.

Mas o mau militar e parlamentar medíocre que despacha atualmente no Palácio do Planalto tomou gosto por morar às margens do Paranoá e jamais desceu do palanque. A despeito dos mais de 100 mil cadáveres empilhados bem debaixo de seu nariz por essa maldita pandemia, suas prioridades são sobreviver a um improvável — mas não impossível — processo impeachment e se reeleger em 2022. Com coronavoucher, chapéu de cangaceiro e tudo.

Em ritmo de campanha antecipada, o mito dos bolsomínions passou a tratar o Nordeste como uma extensão dos jardins do Alvorada. Entre 31 de julho e 17 de agosto ele visitou os estados da Bahia, Piauí e Sergipe. Na região Norte, esteve no Pará, e deve voar amanhã para o Rio Grande do Norte. 

Tudo somado e subtraído, em menos de um mês nosso indômito capitão terá desfilado suas “pretensões reeleitorais” cinco vezes aos eleitores das duas regiões mais petistas do país. As incursões coincidem com a alta de sua popularidade, que se deve — conforme eu mencionei nesta postagem — ao vale corona de R$ 600 que o governo tem pago desde abril aos brasileiros que enfrentam a pandemia em situação de vulnerabilidade.

Bolsonaro associa o socorro emergencial a uma agenda de inaugurações de obras e proselitismo político. Entregou uma usina termoelétrica na cidade de Barra dos Coqueiros (SE); inaugurou um sistema de abastecimento de água em Campo Alegre de Lourdes (BA); visitou o Parque Nacional da Serra da Capivara (PI) e entregou a primeira parte da obra de modernização do porto de Belém (PA). Entregará títulos de legalização de terras no Vale do Açu (RN) e visitará obras hídricas.

Durante a campanha, o candidato Bolsonaro jurou que não disputaria um segundo mandato; segundo ele, a reeleição tem sido "péssima" para o país, pois os governantes "se endividam, fazem barbaridade, dão cambalhota" para se reeleger. Eleito e empossado, o presidente Bolsonaro esquivou-se a pegar em lanças pelo fim da reeleição, alegando que cabe ao Congresso promover uma reforma que lime esse instituto do ordenamento jurídico. Oxalá seu entusiasmo com as pesquisas não o impeça de lembrar do que aconteceu com a economia do Brasil quando Dilma deu suas cambalhotas.

Político que não ambiciona o Poder vira alvo, mas político que só ambiciona o Poder arrisca-se a errar o alvo. Sobretudo quando não percebe que a única ambição verdadeiramente útil na antessala de uma crise econômica é a ambição de trabalhar.

Com Augusto Nunes e Josias de Souza