segunda-feira, 17 de agosto de 2020

PONTOS A PONDERAR, A ESTRANHAR E A REPUDIAR

O fanatismo cego e a estúpida dicotomia gestada pelo “nós contra eles” sempre foram o grande responsável pela fé inabalável que a récua de muares descerebrados têm no sumo pontífice do lulopetismo. De um tempo a esta parte, no entanto, efeito parecido vem sendo observado na capela de sectários do bolsonarismo. E o que mais causa espécie — para não dizer asco — é a empáfia com que essa choldra declama seu ramerrão: “nos 20 meses deste governo não houve uma única denúncia de corrupção”. Como assim, cara-pálida? 

É certo que Lula et caterva institucionalizaram a corrupção em prol de seu nefando projeto de poder, mas daí a afirmar que o atual governo é a quintessência da probidade vai uma longa distância. Desgraçadamente, o ladrão de Garanhuns e o capitão cloroquina são as duas faces da mesma moeda. Senão vejamos. 

Os desdobramentos da emocionante novela Fabrício Queiroz/Flávio Bolsonaro sugerem que o ex-dublê de assessor e factótum do primogênito do Presidente está para o clã Bolsonaro assim como PC Farias (esteve, porque era um arquivo vivo e já foi devidamente eliminado) para Fernando Collor, e José Carlos Bumlai para a quadrilha Lula da Silva. Comparados a esses exemplos de lisura no trato da coisa pública, os capi das cinco famílias de Nova York eram aprendizes de batedor de carteira.

Fica mais evidente a cada dia que a (sempre negada) rachadinha no gabinete do então deputado Zero Um representa a parte visível de um iceberg com ramificações que vão de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio a peculato e enriquecimento ilícito. E isso não vem de hoje.

Segundo o Ministério Público, a antecessora de Fabrício Queiroz no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj comandou o “suposto” esquema de rachadinha até 2008. 

No inquérito em que investiga a suposta contratação de funcionários fantasmas no gabinete de Zero Dois, o MP-RJ encontrou indícios da prática espúria desde 2001, ano em que o pit bull do papai iniciou seu primeiro mandato de vereador na Câmara Municipal da ex-Cidade Maravilhosa. 

Quer mais? Então vamos lá: na sexta-feira retrasada, veio a público a informação de que Michelle Bolsonaro recebeu R$ 89 mil divididos em 27 depósitos feitos por Queiroz e senhora entre 2011 e 2016.

Pode-se argumentar que a nomeação de funcionários fantasmas e a devolução compulsória de parte do salário de assessores são práticas tão arraigadas na política tupiniquim quanto o famoso “jeitinho” do brasileiro, mas isso não torna essas práticas legais nem exime de punição quem se locupleta do dinheiro público.

Os malabarismos que Flávio e Jair Bolsonaro têm feito para não ser engolidos pelo tsunami de merda soprado por Queiroz ombreiam com as chicanas de certo ex-presidente corrupto, condenado e até pouco tempo atrás hóspede compulsório da Polícia Federal em Curitiba. 

Por mal de nossos pecados, mesmo afirmando que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, o Messias que não miracula tomou gosto por morar à beira do Lago Paranoá. E jamais deixou o palanque, nem mesmo depois que essa maldita pandemia viral ergueu uma pilha de mais de 100 mil corpos. Sua prioridade é sobreviver a um eventual processo de impeachment e poder disputar a reeleição em 2022 — isso se não recorrer a meios menos ortodoxos para espichar ainda mais seu mandato (se não o fez até agora, foi unicamente por falta de oportunidade). Já foram protocolados na Câmara mais de 50 pedidos de impeachment do presidente, mas parece que Rodrigo Maia está mais preocupado a própria reeleição.  

Suspeitas de práticas espúrias são uma constante na trajetória política dos membros da famiglia Bolsonaro, mas só ganharam destaque com a ascensão do capo ao topo do organograma do serviço público tupiniquim.  

O esquema Flávio/Queiroz foi alvo da Operação Furna da Onça — cuja deflagração foi adiada para não prejudicar Flávio e o pai nas eleições de 2018. Prova disso é que informações vazadas por um delegado ligado ao clã levaram à demissão simultânea de Fabrício e sua filha Nathália (em 15 de outubro de 2018) dos gabinetes de Jair e Flávio Bolsonaro, segundo revelou em depoimento ao MP o empresário Paulo Marinho.

Observação: Nathália Queiroz foi contratada como secretária parlamentar de Jair Bolsonaro em dezembro de 2016, com salário de cerca de R$ 10 mil mais benefícios, e apesar de trabalhar como personal trainer, em horário comercial, no Rio de Janeiro, o gabinete do então deputado atestou, em janeiro de 2019, que ela cumpriu a frequência prevista em lei de 40 horas semanais.

Bolsonaro está encantado com os efeitos do coronavoucher em sua popularidade, sobretudo na Região Nordeste — tradicional reduto de Lula, do PT e seus satélites. 

Para quem ganha o teto salarial do funcionalismo público, R$ 600 é “dinheiro de pinga”. Mas a média salarial dos brasileiros é de R$ 2.261 e valor do auxílio emergencial corresponde à metade de 1/2 salário mínimo — e a quase 15 vezes o valor do Bolsa Família, que é o principal (quando não o único) responsável pela subsistência de milhões de desinfelizes que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza. Daí porque, se dermos por verdade que a opinião de dois mil e poucos entrevistados pelo Datafolha espelham o que pensam 210 milhões de brasileiros (e eu duvido muito, mas isso não vem ao caso), o chefe do Executivo Federal passou de persona non grata a salvador da pátria aos olhos de um bocado de gente.

Na verdade, o valor da parcela na proposta do Executivo era de R$ 200, mas a demora no envio do projeto levou o Congresso a propor de moto próprio o pagamento de R$ 500, e então o presidente chutou o balde e aumentou o benefício para R$ 600. 

O pagamento desse auxílio custa uma fábula ao Erário (leia-se aos contribuintes) e não pode durar para sempre, mas se o projeto assistencialista batizado de Renda Brasil prosperar e a oferta de empregos voltar a aumentar (o que mais dia, menos dia vai acontecer), essas pessoas vão lembrar que “foi Bolsonaro quem as tirou do sufoco”. E essas pessoas votam. E votam ouvindo o ronco do próprio estômago — e às vezes o coração, mas jamais a voz da razão.

Um eleitorado composto majoritariamente por apedeutas e analfabetos funcionais é tão perigoso quanto um bando de chimpanzés numa loja de armas. E agora que o capetão teve a epifania do assistencialismo milagroso, ventos frios vão soprar para as bandas esquerdistas

Embora Bolsonaro continue se empenhando em transformar o Brasil num pária internacional, a prisão de Queiroz e a quarentena que foi obrigado a cumprir depois de testar positivo para a Covid-19 obrigaram-no a fechar a matraca e reduzir o grau de beligerância em seus pronunciamentos. 

Duvido muito que os presidentes da Câmara e do Senado acreditem  em regeneração, ou que Celso de Mello, Alexandre de Moraes e outros togados supremos sejam engabelados por uma tática tão primária. Já Gilmar Mendes... ah, o Gilmar... 

Mas isso já é outra conversa.