A emocionante novela Queiroz/Bolsonaro(s)
começou a ser exibida antes mesmo das eleições de 2018, quando o Coaf identificou movimentações suspeitas na conta do ex-PM e
assessor parlamentar de Zero Um, Fabrício Queiroz. Outros servidores que
passaram pelo gabinete fizeram transferências para a conta do dito-cujo, que efetuou
176 saques em espécie ao longo de 2016. No total, segundo o Coaf, a movimentação foi de quase R$ 7 milhões ao longo de três anos,
valor considerado incompatível com os rendimentos e o patrimônio de Queiroz, daí o MP-RJ ter dado início a uma investigação. Dito isso, passemos a um
breve resumo dos capítulos seguintes.
Queiroz foi
convocado a prestar esclarecimentos ao MP-RJ
pelo menos quatro vezes, mas jamais compareceu — a exemplo
da mulher e das duas filhas incluídas na investigação. Numa entrevista ao SBT, ele atribuiu o dinheiro a lucros
provenientes da venda de carros usados: "Eu sou um cara de negócios. Eu compro e revendo. Compro e vendo
carros. Gosto de comprar carros de seguradoras, mando arrumar e vendo”.
Mais adiante, em depoimento por escrito enviado ao MP-RJ, o ex-assessor admitiu que
recolhia parte dos salários dos funcionários do gabinete de "para contratar mais gente para a equipe
do chefe, mas sem conhecimento do próprio". Na época, Flávio Bolsonaro disse que não era ele
o investigado, que cabia a Queiroz esclarecer
os fatos, mas que tinha ouvido do próprio uma explicação bastante plausível. Curiosamente,
mesmo “não sendo ele o investigado”, seus advogados reclamaram junto ao STF que
a investigação violaria a prerrogativa de foro de seu cliente. Também curiosamente,
o argumento sensibilizou o ministro Luiz
Fux, então responsável pelo plantão da Corte durante o recesso. O
magistrado determinou a suspensão das investigações até que os trabalhos
fossem retomados e o relator, ministro Marco
Aurélio, avaliasse o caso.
Observação: Ainda
que Zero Um fosse investigado e
mesmo que tivesse prerrogativa de foro, ela não faria diferença no caso.
Primeiro, porque ele ainda não havia sido empossado senador; segundo, porque os
fatos investigados pelo MP-RJ eram
anteriores ao mandato que ainda não havia começado. E foi nesse sentido
que decidiu o ministro Marco
Aurélio, que, findo o recesso, anulou prontamente a decisão do
colega e declarou que a competência sobre a investigação era do MP-RJ.
Em julho de 2019, o presidente do STF e responsável pelo
plantão durante o recesso do meio de ano, atendendo a outro pedido da defesa de
Flávio Bolsonaro, suspendeu até
novembro todas as investigações baseadas em dados fiscais repassados pelo Coaf e pela Receita Federal sem autorização judicial — levando à paralisação de
935 investigações e ações penais, segundo levantamento do MPF (como não poderia deixar de ser, a estapafúrdia decisão de Toffoli gerou uma avalanche de críticas
de especialistas e investigadores).
Paralelamente, após uma longa de queda de braço dentro do
governo, Bolsonaro anunciou uma
série de mudanças no Coaf: o órgão mudou
de chefe, de nome (passou a se chamar UIF) e até de "casa" (passou do Ministério da Economia para o Banco
Central).
Observação: Questionado
sobre um depósito de R$ 24 mil feito
por Queiroz na conta da
primeira-dama, Jair Bolsonaro disse
tratar-se de parte do pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil que havia feito a
Queiroz, a quem orientou que dirigisse
o crédito à conta da mulher porque ele (o presidente) não teria tempo de ao banco transferir o dinheiro.
Bolsonaro
argumentou que a mudança blindaria o Coaf
de interferências e pressões políticas, mas convém lembrar que a alteração se
deu logo após o presidente do Coaf
criticar decisão do STF que
beneficiou Zero Um. Bolsonaro trocou imediatamente o comando
órgão, e a saída de Roberto Leonel foi uma vista como uma derrota
para Sergio Moro, então ministro da
Justiça e Segurança Pública, que o havia indicado para o cargo.
O imbróglio voltou à baila em outubro, depois que O Globo e a Folha divulgaram áudios enviados
por Queiroz pelo WhatsApp. Num deles, em conversa com um
interlocutor não identificado, o desparecido deixou patente que ainda mantinha
influência política: "Tem mais
de 500 cargos, cara, lá na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer
comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles (em referência à família
Bolsonaro) em nada, em nada. Vinte continho aí para gente caía bem pra caralho,
entendeu?" O gabinete do
Flávio faz fila de deputados e senadores lá, pessoal pra conversar com ele. Faz
fila. É só chegar, meu irmão: 'Nomeia fulano aí, para trabalhar contigo'.
Salariozinho bom desse aí, cara, pra gente que é pai de família, cai como uma
uva (sic)".
Em outro áudio, Queiroz
reclamava de ter sido abandonado, fazia críticas à condução do governo federal,
citava a investigação do MP-RJ e comparava
seu caso ao de Adélio Bispo (autor
do atentado contra Bolsonaro durante
a campanha). "Se eu não estou
com esses problemas aí, a gente de bobeira, podia estar aí andando e ia dar
para investigar, infiltrar, botar um 'calunga' no meio deles, entendeu? A gente
mesmo levantava essa parada aí (em referência ao atentado de Adélio). É o que
eu falo, o cara (Adélio) lá está hiperprotegido. Eu não vejo ninguém mover nada
para tentar me ajudar aí. Ver e tal… É só porrada. O MP (Ministério Público) tá
com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente. Não vi ninguém
agir".
O portal UOL divulgou
outra mensagem gravada por Queiroz.
"Esses depoimentos, cara, eles
vão lá e pegam mesmo, esses filhos da puta, rapaz. Até demorou a pegar. O
Agostinho (então assessor que contradisse Queiroz em depoimento) foi depor no
dia 11 de fevereiro, de janeiro, parece que ele foi depor. Já publicaram o
depoimento dele na íntegra".
Na época, Jair
Bolsonaro, em mais uma demonstração de total compromisso com a verdade,
disse que não falava com Queiroz “desde que aconteceu esse problema"
— referindo-se às primeiras denúncias sobre as suspeitas de prática da
rachadinha, no final de 2018. Em nota, Paulo
Klein, advogado de Queiroz,
afirmou que os áudios são clandestinos e ilegais e que seu cliente "não tem qualquer vínculo com deputados
ou senadores em Brasília".
Continua no próximo episódio.