domingo, 21 de junho de 2020

MAIS SOBRE A NOVELA FABRÍCIO QUEIROZ/FAMIGLIA BOLSONARO


A emocionante novela Queiroz/Bolsonaro(s) começou a ser exibida antes mesmo das eleições de 2018, quando o Coaf identificou movimentações suspeitas na conta do ex-PM e assessor parlamentar de Zero Um, Fabrício Queiroz. Outros servidores que passaram pelo gabinete fizeram transferências para a conta do dito-cujo, que efetuou 176 saques em espécie ao longo de 2016. No total, segundo o Coaf, a movimentação foi de quase R$ 7 milhões ao longo de três anos, valor considerado incompatível com os rendimentos e o patrimônio de Queiroz, daí o MP-RJ ter dado início a uma investigação. Dito isso, passemos a um breve resumo dos capítulos seguintes.

Queiroz foi convocado a prestar esclarecimentos ao MP-RJ pelo menos quatro vezes, mas jamais compareceu — a exemplo da mulher e das duas filhas incluídas na investigação. Numa entrevista ao SBT, ele atribuiu o dinheiro a lucros provenientes da venda de carros usados: "Eu sou um cara de negócios. Eu compro e revendo. Compro e vendo carros. Gosto de comprar carros de seguradoras, mando arrumar e vendo”.

Mais adiante, em depoimento por escrito enviado ao MP-RJ, o ex-assessor admitiu que recolhia parte dos salários dos funcionários do gabinete de "para contratar mais gente para a equipe do chefe, mas sem conhecimento do próprio". Na época, Flávio Bolsonaro disse que não era ele o investigado, que cabia a Queiroz esclarecer os fatos, mas que tinha ouvido do próprio uma explicação bastante plausível. Curiosamente, mesmo “não sendo ele o investigado”, seus advogados reclamaram junto ao STF que a investigação violaria a prerrogativa de foro de seu cliente. Também curiosamente, o argumento sensibilizou o ministro Luiz Fux, então responsável pelo plantão da Corte durante o recesso. O magistrado determinou a suspensão das investigações até que os trabalhos fossem retomados e o relator, ministro Marco Aurélio, avaliasse o caso.

Observação: Ainda que Zero Um fosse investigado e mesmo que tivesse prerrogativa de foro, ela não faria diferença no caso. Primeiro, porque ele ainda não havia sido empossado senador; segundo, porque os fatos investigados pelo MP-RJ eram anteriores ao mandato que ainda não havia começado. E foi nesse sentido que decidiu o ministro Marco Aurélio, que, findo o recesso, anulou prontamente a decisão do colega e declarou que a competência sobre a investigação era do MP-RJ.  

Em julho de 2019, o presidente do STF e responsável pelo plantão durante o recesso do meio de ano, atendendo a outro pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, suspendeu até novembro todas as investigações baseadas em dados fiscais repassados pelo Coaf e pela Receita Federal sem autorização judicial — levando à paralisação de 935 investigações e ações penais, segundo levantamento do MPF (como não poderia deixar de ser, a estapafúrdia decisão de Toffoli gerou uma avalanche de críticas de especialistas e investigadores).

Paralelamente, após uma longa de queda de braço dentro do governo, Bolsonaro anunciou uma série de mudanças no Coaf: o órgão mudou de chefe, de nome (passou a se chamar UIF) e até de "casa" (passou do Ministério da Economia para o Banco Central).

Observação: Questionado sobre um depósito de R$ 24 mil feito por Queiroz na conta da primeira-dama, Jair Bolsonaro disse tratar-se de parte do pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil que havia feito a Queiroz, a quem orientou que dirigisse o crédito à conta da mulher porque ele (o presidente) não teria tempo de ao banco transferir o dinheiro.

Bolsonaro argumentou que a mudança blindaria o Coaf de interferências e pressões políticas, mas convém lembrar que a alteração se deu logo após o presidente do Coaf criticar decisão do STF que beneficiou Zero Um. Bolsonaro trocou imediatamente o comando órgão, e a saída de Roberto Leonel foi uma vista como uma derrota para Sergio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública, que o havia indicado para o cargo.

O imbróglio voltou à baila em outubro, depois que O Globo e a Folha divulgaram áudios enviados por Queiroz pelo WhatsApp. Num deles, em conversa com um interlocutor não identificado, o desparecido deixou patente que ainda mantinha influência política: "Tem mais de 500 cargos, cara, lá na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles (em referência à família Bolsonaro) em nada, em nada. Vinte continho aí para gente caía bem pra caralho, entendeu?" O gabinete do Flávio faz fila de deputados e senadores lá, pessoal pra conversar com ele. Faz fila. É só chegar, meu irmão: 'Nomeia fulano aí, para trabalhar contigo'. Salariozinho bom desse aí, cara, pra gente que é pai de família, cai como uma uva (sic)".

Em outro áudio, Queiroz reclamava de ter sido abandonado, fazia críticas à condução do governo federal, citava a investigação do MP-RJ e comparava seu caso ao de Adélio Bispo (autor do atentado contra Bolsonaro durante a campanha). "Se eu não estou com esses problemas aí, a gente de bobeira, podia estar aí andando e ia dar para investigar, infiltrar, botar um 'calunga' no meio deles, entendeu? A gente mesmo levantava essa parada aí (em referência ao atentado de Adélio). É o que eu falo, o cara (Adélio) lá está hiperprotegido. Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí. Ver e tal… É só porrada. O MP (Ministério Público) tá com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente. Não vi ninguém agir".

O portal UOL divulgou outra mensagem gravada por Queiroz. "Esses depoimentos, cara, eles vão lá e pegam mesmo, esses filhos da puta, rapaz. Até demorou a pegar. O Agostinho (então assessor que contradisse Queiroz em depoimento) foi depor no dia 11 de fevereiro, de janeiro, parece que ele foi depor. Já publicaram o depoimento dele na íntegra".

Na época, Jair Bolsonaro, em mais uma demonstração de total compromisso com a verdade, disse que não falava com Queirozdesde que aconteceu esse problema" — referindo-se às primeiras denúncias sobre as suspeitas de prática da rachadinha, no final de 2018. Em nota, Paulo Klein, advogado de Queiroz, afirmou que os áudios são clandestinos e ilegais e que seu cliente "não tem qualquer vínculo com deputados ou senadores em Brasília".

Continua no próximo episódio.