sábado, 20 de junho de 2020

A POLÍTICA É COMO AS NUVENS...



A melhor maneira de não se decepcionar com as pessoas é não esperar demais delas. E esperar que Jair Bolsonaro fizesse um bom governo seria querer demais.

Apenas para relembrar alguns episódios que lustram o reluzente currículo do presidente, o general-ditador Ernesto Geisel referiu-se ao então oficial da ativa como um “caso completamente fora do normal, inclusive mau militar“ (o capitão teve sua carreira no exército abortada por indisciplina e insubordinação), e os anais da Câmara Federal comprovam que o parlamentar medíocre em que se transformou o mau militar conseguiu o prodígio de aprovar dois míseros projetos ao longo de quase 28 anos como deputado do baixo clero.

Pode-se gostar ou não do capitão da caverna das trevas — e fica mais difícil gostar dele a cada dia —, mas não se pode acusá-lo de estelionato eleitoral, nem sua gestão manifestamente inepta, incompetente, desnorteada, fisiologista, ideológica e lunática, de não proporcionar fortes emoções.

Parte dos 57,7 milhões de votos que elegeram o candidato Bolsonaro a presidente Bolsonaro proveio não dos bolsomínions atávicos e outros bolsonaristas de raiz, mas de eleitores que se viram sem alternativa para impedir a volta da quadrilha petista ao Planalto com a eleição do patético bonifrate do então presidiário de Curitiba, pois engrossar a ala dos 42 milhões de brasileiros que votaram em branco, anularam o voto ou se abstiveram de votar só fortaleceria o aprendiz de desempregado que deu certo.

Guardadas as devidas proporções, fizemos em 2018 o que Bolsonaro tem feito desde seus primeiros no Planalto: cavar ainda mais fundo para tentar sair do buraco. Felizmente, noves fora a inexorabilidade da morte, para tudo nesta vida há remédio, conquanto seja importante atentar para a dosagem, pois é justamente a dose que diferencia o fármaco do veneno. Dizendo de outra maneira, uma dose insuficiente da medicação não cura, mas uma overdose pode matar o paciente.    

Por mal de nossos pecados, não bastasse a tempestade perfeita que desabou sobre o mundo na forma de uma crise sanitária de proporções bíblicas, combinada com uma recessão econômica para ninguém botar defeito, temos na ponte de comando desta nau de insensatos um oficial incapaz de encontrar o próprio rabo usando as duas mãos e uma lanterna. Do jeito que a coisa vai, ou trocamos o comandante, ou o naufrágio será inevitável.

Política é como nuvem; você olha e ela está de um jeito, olha de novo e ela já mudou...”, dizia Magalhães Pinto. E com efeito. Ao observar o cenário político que se descortinou ao longo da semana que termina amanhã — de acordo com a Organização Internacional de Padronização (ISO), o primeiro dia da semana é a segunda-feira, a despeito de religiões como o islamismo, catolicismo e judaísmo, considerarem o domingo aparece como sendo o primeiro dia da semana —, chamou-me a atenção uma ironia do destino, da qual tratarei depois de uma breve contextualização.

Até não muito tempo antes das eleições passadas, as chances de um certo deputado federal tosco e inexpressivo — mas polêmico e dono de uma grosseria a toda prova — vencer a disputa presidencial, sobretudo sendo filiado a um partido nanico e igualmente inexpressivo (o oitavo em seus 30 anos de vida pública), que havia elegido 1 deputado em 2014 e não tinha dinheiro nem tempo de rádio e televisão, eram as mesmas de o inferno congelar. Mas a onda a favor desse candidato inexpressivo e contra o PT emplacou não só o dito-cujo, mas também promoveu o partido até então inexpressivo a dono da segunda maior bancada na Câmara (atrás apenas do PT).

O ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro e o ex-fuzileiro naval e juiz federal Wilson Witzel defendiam bandeiras similares para áreas como segurança e costumes. Witzel surfou na onda do crescimento do PSL e passou de ilustre desconhecido a favorito entre os candidatos ao governo fluminense quando desenvolveu agendas em conjunto com o então candidato a senador Flávio Bolsonaro (o tal deputado da rachadinha). Mas vento soprou e as nuvens mudaram: Bolsonaro e Witzel passaram de aliados políticos a desafetos depois que o já então governador fluminense cometeu o “pecado mortal” de não atribuir sua vitória ao já então presidente da República, e, pior, aventar em entrevista à GloboNews a possibilidade de disputar a presidência em 2022.

No último dia 10, Bolsonaro comemorou a aprovação da abertura de processo de impeachment de Witzel, por suspeitas de superfaturamento na compra de respiradores e irregularidades na construção de hospitais de campanha para o combate ao coronavírus. O governador chegou a ser alvo de operação da PF no Palácio das Laranjeiras. Na segunda-feira passada, Bolsonaro festejou a publicação (no DOERJ) da abertura do processo de impeachment contra o desafeto, mas na quinta-feira desta mesma conturbada semana, quando a Alerj instalou a comissão especial que irá analisar o processo de impeachment contra Witzel, não houve clima para o presidente comemorar: o ex-PM Fabrício Queiroz, seu amigo de três décadas e ex-chefe de gabinete do primeiro-filho (o da rachadinha) foi preso logo pela manhã, numa casa em Atibaia (SP).

Segundo o caseiro, Fabrício Queiroz estava mocosado ali havia mais de um ano. O dono do imóvel, Frederick Wassef, é advogado de Flávio Bolsonaro e se jacta de ser íntimo do clã presidencial, verdadeiro arroz de festa nos Palácios do Planalto e da Alvorada. Na última quarta-feira, ele compareceu à posse do novo ministro de Comunicações, Fábio Faria. No dia seguinte, depois que seu hóspede ilustre foi preso, o digníssimo anfitrião tornou-se apenas “o advogado de Flávio”. Não demora e os defensores lunáticos do general da banda começarão a dizer que os dois sequer se conheciam. Frederick o quê? Nunca ouvi falar.

Em nota, a advogada Karina Kufa, que defende o presidente nas ações eleitorais que pedem a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão e cuida dos detalhes legais da criação do partido Aliança pelo Brasil, disse que Wassef representa apenas Flávio. “Todas as ações do senhor Jair Messias Bolsonaro, sejam elas cíveis, criminais ou eleitorais, em curso no poder judiciário, exceto aquelas de competência da AGU, estão sob a responsabilidade deste escritório, cuja única sócia é sua fundadora, Karina Kufa”.

A gargalhada do diabo: de aliados, o presidente e o governador passaram a desafetos, e agora ambos pisam em brasas. Contra o primeiro já tramita um processo de impeachment; o segundo é investigado no STF por interferência na PF e pode ser arrastado para o olho do furação Queiroz/Flávio Bolsonaro.

Como se vê, as nuvens mudaram. Resta saber como se comportarão ao longo dos próximos dias. Mas isso a gente só vai saber nos próximos dias.