No último sábado, ao discursar na Academia Militar das Agulhas Negras, Bolsonaro deixou implícito seu desejo de ser reeleito:
“Faltam ainda três anos e meio pela frente (para a conclusão de curso dos cadetes), e peço a Deus para estar aqui em 2023”.
Pedir a Deus ele pode. Dizem que a fé move montanhas — particularmente, acho que um terremoto tem mais chances. Por outro lado, se despacho garantisse vitória em jogo de futebol, o campeonato baiano terminaria empatado.
As convicções religiosas do presidente me parecem multifacetadas, maleáveis e amoldáveis. Se vê que pode lhe render votos, ele passa de crente fervoroso a judeu ortodoxo ou ateu materialista mais depressa que o diabo esfrega um olho. Mas a pergunta que não quer calar é: por que um mau militar e parlamentar medíocre, que reconhece não ter nascido para ser presidente, mas para ser militar, ambiciona um segundo mandato, se prometeu e (não cumpriu, o que não chega a ser novidade) propor ao Congresso o fim da reeleição, e nada fez de útil em quase dois anos de gestão? The answer, my friend, is blowing in the wind.Os números não mentem jamais. A não ser quando estão mentindo. Nada melhor que as famigeradas estatísticas para nos induzir a erro. Experimente pôr a cabeça no forno e os pés no freezer e veja se a temperatura é tão agradável quanto sugere sua média aritmética. Não gostou da ideia? Vejamos, então, um exemplo mais prático.
A aprovação do governo Bolsonaro, segundo dados publicados no G1, varia de 18% (em Salvador) e 66% (em Boa Vista). Como o número de soteropolitanos (2,67 milhões) é quase dez vezes maior que o de boa-vistenses (278 mil), a aprovação do governo na capital da Bahia, em números absolutos, é 2,5 vezes maior do que na capital de Roraima.
Observação: A quem interessar possa, em Manaus
o governo foi avaliado como bom ou ótimo por 54%; em Porto Velho, 50%; Cuiabá,
49%, Rio Branco, 48%; Campo Grande, 45%; Goiânia, 44%; Palmas,
44%; João Pessoa, 43; Maceió, 42%; Macapá, 42%; Teresina,
26%; Porto Alegre, 26%; Fortaleza, 26%; São Paulo, 27%. Recife
tem 29% de aprovação; Belém 29%; Vitória, 32%; Florianópolis,
33%; Rio de Janeiro, 34%; Aracaju, 34%; Natal, 39%; Belo
Horizonte, 39%; Curitiba, 40%. Não foi feito um levantamento em São
Luís.
Mudando de assunto, a
liminar teratológica do decano togado — mesmo tendo sido prontamente
revogada pelo presidente da Corte (ou “coordenador de pares”, como gosta de
dizer o Sr. Voto Vencido) em decisão monocrática, tomada em caráter emergencial
e ratificada
no plenário por 9 votos a 1 —, garantiu ao traficante André do Rap,
condenado em dois processos (em primeira e segunda instâncias) a 25 anos de
cadeia, o direito de deixar o presídio de segurança máxima em Presidente
Venceslau pela porta da frente, embarcar numa luxuosa BMW e “tomar doril”.
O chefão do PCC ficou foragido por 5 anos até ser
preso em setembro do ano passado, depois que um informante dedurou a compra de
uma lancha de R$ 6 milhões por alguém que morava com nome falso numa mansão em
Angra dos Reis (RJ). O governador João Dória estima que a mobilização de
pessoal, equipamentos, despesas operacionais e diárias dos policiais para recapturar
o fugitivo custará
aos contribuintes paulistas R$ 2 milhões a cada 120 dias. "Seria
o caso de mandar a conta para o ministro”, disse o tucano.
Voltando a Bolsonaro, o vexatório episódio do dinheiro nas nádegas pôs termo a uma “união quase estável” — nas palavras do presidente, que agora tenta dissociar o senador-cueca do Planalto:
“Aconteceu esse caso, lamento. Ele [o senador demista roraimense cuequeiro] foi afastado da vice-liderança. Agora, querer vincular o fato de ele ser vice-líder a corrupção do governo, não tem nada a ver. É o tempo todo querendo me vincular a corrupção. Esse caso não tem nada a ver com o meu governo. O meu governo são ministros, estatais e bancos oficiais.”
A falta de coerência do capetão rivaliza com a carência de nexo da ex-grande chefa toura sentada: há menos de duas semanas, Bolsonaro afirmou ter acabado com a Lava-Jato porque "não tem mais corrupção" em seu governo.
“Se acontecer alguma coisa a gente bota para correr, dá uma voadora no pescoço deles. Mas não acredito que haja no meu governo.”
Na última quinta-feira, porém, disse sua excelência que a Lava-Jato continua funcionando para o resto do Brasil porque a corrupção está "enraizada". Mas não é só. Bolsonaro rivaliza com a gerentona de araque também na seara do estelionato eleitoral, ainda que ninguém pareça reparar ou se importar com a fieira de promessas de campanha que, uma vez eleito e empossado, ele enfiou em local incerto e não sabido (talvez Chico Rodrigues possa esclarecer esse mistério).
Beira o ridículo dizer que não há corrupção no governo quando o próprio governante responde a inquérito e é alvo de quase 50 pedidos de impeachment (o fato de Rodrigo Maia mantê-los engavetados até agora não significa necessariamente que não dará seguimento a algum deles em algum momento). Além disso, três de seus filhos estão mais enrolados na Justiça que fumo de corda em balcão de armazém (Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro são suspeitos de práticas espúrias que vão da “rachadinha” e contratação de funcionários-fantasma à disseminação de fake news, enriquecimento ilícito, peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e por aí afora). Mas não é só: sem argumentos para contestar sua alegada interferência na PF nem explicar de maneira convincente os cheques depositados na conta da primeira-dama (no valor de R$ 89 mil) por Queiroz e senhora, o presidente simplesmente manda os jornalistas calarem a boca.
Voltando rapidamente ao homem-cueca, a PF pediu sua
prisão provisória e a PGR, prisão domiciliar com tornozeleira
eletrônica, mas ministro Luís Roberto Barroso decidiu apenas afastá-lo
do cargo por 90 dias e, como a última que o STF precisa nesse
momento é de outro furdunço envolvendo liminares, apressou-se a submeter sua decisão monocrática
ao escrutínio de seus pares. Luiz Fux — o “coordenador de iguais”, segundo
evangelho de Marco Aurélio — pautou o debate para a sessão plenária
da próxima quarta-feira e, a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na
assembleia dos acontecimentos, a liminar será chancelada.
Observação: Vale lembrar que em 2017 o STF
decidiu que cabe ao Congresso a última palavra sobre a suspensão do
mandato de parlamentares, e que o afastamento de deputados e senadores de suas
funções só podem se efetivar com aval da Câmara ou do Senado.
Continua...