No debate organizado pela Rede Bandeirantes e transmitido ao vivo na noite da última quinta-feira, sagrou-se vencedor o telespectador que desligou a TV e foi dormir. Perdeu duas horas de sono quem assistiu àquela reedição do febeapá achando que obteria elementos para escolher o candidato mais competente. Até porque todos os 14 postulantes ao cargo de alcaide da maior metrópole da América Latina e 10.ª do mundo são "competentes", na medida em que uma eleição é uma competição. Por outro lado, a julgar pelo comportamento dos 11 participantes do debate e pelas asnices que apresentaram à guisa de “proposta de governo”, a conclusão que se nos impõem é de que seremos obrigados, mais uma vez, a votar em quem não queremos eleger para evitar a vitória de quem detestaríamos ver eleito.
Em defesa da récua de muares travestidos de debatedores — Andrea
Matarazzo (PSD), Arthur do Val (Patriota), Bruno Covas
(PSDB), Celso Russomano (Republicanos), Filipe Sabará (Novo), Guilherme
Boulos (PSOL), Jilmar Tatto (PT), Joice Hasselmann (PSL), Márcio
França (PSB), Marina Helou (Rede) e Orlando Silva (PCdoB) —, os 45 segundos que cada um tinha para responder perguntas e os míseros 30 segundos para réplicas e
tréplicas não propiciaram (e nem poderiam) nada minimamente aproveitável. Não obstante, conceder-lhes mais tempo para apresentar e debater propostas que, de tão rasas, uma formiguinha atravessaria sem molhar as
canelinhas, como ironizou o impagável Josias de Souza, seria expor a plateia a um sofrimento além do necessário.
Na condição de primeiros colocados nas pesquisas, Celso Russomano e Bruno
Covas tornaram-se alvos naturais de ataques dos adversários e de perguntas
dos jornalistas. O candidato do Republicanos também disparou na frente no pleito municipal de 2016, mas terminou em terceiro
lugar (João Doria, tendo Covas como vice, liquidou a fatura no primeiro tuno e prefeitou Sampa até abril de
2018, quando deixou o cargo para
disputar o governo do estado).
O mandato tampão de Covas não entusiasmou nem decepcionou. Mesmo lutando contra um câncer — e tendo sido hospitalizado mais de uma vez ao longo dos últimos meses —, o neto de Mário Covas ficou à frente do governo municipal, chegando mesmo a se mudar de mala e cuia para o Palácio do Anhangabaú. É certo que adotou medidas canhestras contra o coronavírus — como antecipar os feriados de Corpus Christi e da Consciência Negra e tentar reduzir o circulação de pessoas bloqueando parte da malha viária da cidade e implementando um “mega rodízio” —, mas é igualmente certo que ninguém sabia bem o que fazer naquele momento. No mínimo, o alcaide paulistano não foi tão criticado quanto o chefe do Executivo Federal.
Além de enfatizar em cada fala sua desmedida "dedicação à defesa dos consumidores", Russomano jactou-se de ser o único entre os candidatos que mantém vínculo de amizade com o presidente Bolsonaro (alguém poderia indagar, à moda Bolsonaro: "E daí?").
Ex apoiadora de raiz do capitão cloroquina, Joice Hasselmann acusou injustamente o candidato do Republicanos de ter votado contra a Lei da Ficha Limpa. A certa altura, ela perguntou se ele conhecia “Itacaré” (referindo-se ao apelido que Russomano teria na planilha de propinas da Odebrecht), e cobrou-o por ter apoiado governos do PT e agora se apresentar como aliado do morubixaba de turno.
Arthur do Val. Covas, Tatto, Boulos e Marina também dirigiram críticas ao líder nos blocos seguintes, mas ele se escudou na boa relação com Jair Bolsonaro e em sua atuação em defesa dos fracos e oprimidos.
Covas tentou se decolar de Doria, mas os adversários não deixaram. Nosso atual alcaide aludiu a um “rombo” de R$ 7 bilhões no orçamento herdado da gestão Haddad, parafraseando seu antecessor, que mencionou o valor ao contabilizar recursos federais listados no orçamento para a realização de obras, especialmente do PAC, que não foram transferidos. Na verdade, descontadas obrigações financeiras de curto prazo, o valor em caixa era de R$ 3,1 bilhões.
Perguntado por Russomano
sobre a licitação para compra de 500 mil tablets barrada pelo TCM, Covas esgrimiu sua preocupação com os alunos que ficaram sem aulas durante a
pandemia. Foi questionado sobre outros resultados de sua gestão e até sobre
medidas que não tomou — como a reforma do Vale do Anhangabaú, que teve o edital
lançado na gestão de Haddad.
Russomano e Covas perderam parte do pouco
tempo de que dispunham chutando cachorro morto (falo do PT). Embora Jilmar
Tatto ufane-se de contar com o apoio de Lula, o sumo pontífice da
seita do inferno deve ter se deliciado com o desempenho do
companheiro Guilherme Boulos, que travou embates com Márcio França,
com quem disputa o terceiro lugar nas pesquisas. O candidato do PSB,
responsável pelo ingresso de Ricardo Salles na política, tentou tirar o
corpo fora dizendo que nem sabia qual era o partido do ministro do Meio Ambiente.
Já o Tatto de plantão é o atual líder da Tattolândia — como ficou conhecido o clã familiar petista que reina sobranceiro na região da Capela do Socorro. Jilmar se elegeu deputado federal em 2010 e atuou como secretário dos Transportes na gestão de Haddad. No debate, ele defendeu a volta do programa “Braços Abertos”, criado por Haddad para solucionar o problema da Cracolândia — que, segundo o petista, Covas teria descontinuado, quando na verdade foi Doria quem acabou com a bolsa crack do PT). Tatto conquistou seus 15 segundos de evidência ao relembrar a “ração humana” de Doria a Covas, que devolveu a gentileza sugerindo-lhe, caso seja eleito, “dar um carguinho para Dilma Rousseff” (vade retro, coisa ruim!).
Orlando Silva (que nada tem a ver com o famoso cantor homônimo), após despejar uma carrada de bazófias assistencialistas, populistas e inevitavelmente esquerdistas, garantiu que seu primeiro ato à frente da Prefeitura será revogar a reforma da Previdência municipal. O problema é que, ou o candidato está mal assessorado, ou jogou para a plateia dos sanguessugas de Paulo Gudes, já que prefeitos não têm competência para revogar uma lei aprovada pela Câmara Municipal, embora possam submeter aos vereadores um novo projeto de lei.
Disse ainda o falastrão pecedebista que
Arthur do Val tem cara de trabalhador, “mas nunca bateu um prego numa
barra de sabão”. Mamãe Falei, por seu turno, repetiu nem sei quantas vezes que “está de saco
cheio” de tudo, inclusive da política”. Até aí, somos dois. Mas, no caso dele, faltou esclarecer o motivo pelo qual é candidato a prefeito.
No que tange ao soporífero Andrea Matarazzo, quem fechasse os olhos durante suas falas teria a nítida impressão de estar ouvindo o eterno picolé de chuchu Geraldo Alckmin. Registre-se, no entanto, a bem sacada referência do candidato do PSD ao transporte público paulistano, que, segundo ele, “tem qualidade cubana com custo alemão”.
Marina Helou afirmou que defender sustentabilidade “não é abraçar árvore” e buscou driblar o tempo escasso indicando aos telespectadores seu website. Apresentou-se como uma opção para "sair da mesmice" e se dirigiu ao telespectador como se estivesse gravando uma live.
Observação: Posso estar enganado, mas Marina será tão bem sucedida na disputa pela prefeitura quanto Vera Lúcia na disputa pela Presidência em 2018, quando obteve impressionantes 0,05% dos votos válidos. Talvez lhe sirva de consolo o fato de sua xará e fundadora da Rede Sustentabilidade (que, depois de ter sido preterida por Dilma para suceder a Lula em 2010, virou arroz de festa nas eleições presidenciais) ter sido menos votada que um anormal como o Cabo Daciolo, embora tenha se saído melhor que o lunático Guilherme Boulos. Como diria minha finada avó: mi fa schifo!
Filipe Sabará é formado em marketing, economia e
comércio exterior, e foi escolhido para disputar a prefeitura paulistana pelo Partido
Novo, mas teve a candidatura suspensa pelo conselho de ética da sigla. Recorreu judicialmente dessa decisão, e o ministro Luis Felipe
Salomão, do TSE, autorizou-o liminarmente a participar de atos de campanha até que a
Corte analise o mérito de seu habeas corpus.
Haveria mais a dizer, mas não vale a pena encompridar este
texto com besteirol de palanque. Assim, encerro-o com uma excelente tirada de Josias
de Souza:
"Se o debate serviu para alguma coisa foi para recordar ao
eleitor que o leque de alternativas para 2020 é vasto. Do ponto de vista
ideológico, há representantes da esquerda, meia esquerda, um quarto de
esquerda, três quartos de esquerda, direita dissimulada, direita de "saco
cheio", direita Bolsonaro... Em termos de figurino, há o bolsonarista, a
ex-bolsonarista arrependida, o tucano, o ex-tucano, o esquerdista com mais
votos na Oscar Freire do que no Capão Redondo, o franco-atirador, a rede sem
peixe... Difícil será diferenciar certos candidatos do candidato certo."