Seguem duas notícias. Uma boa e uma ruim. A boa é que a aprovação do desastroso governo federal não vira fumaça apenas nas capitais. Em Campinas, segundo o Ibope, a gestão do mandatário de fancaria é considerada ótima ou boa por 28% dos eleitores e ruim ou péssima por 49%. Mas não é só: entre os 49% que a rejeitam, ela é considerada ruim por 11% e péssima por 38%.
Observação: Não se trata de tripudiar da desgraça
alheia. Até porque isso seria descer ao nível abissal do
capitão-cloroquina, que sapateia sobre o esquife de um voluntário cujo suicídio
lhe serviu de pretexto para mandar seus esbirros na Anvisa suspender os testes
da “vacina chinesa do Doria” — atitude, aliás, de uma baixeza
estarrecedora, mesmo vindo de quem veio. O Brasil precisa urgentemente de um presidente que presida. De um líder que lidere. O que aí está é tão útil quanto um par de sapatos para uma minhoca. Faz lembrar uma dona de casa que, com a cabeça no próximo capítulo da novela, guarda o açúcar na lata cheia de sal em que está escrito: "café".
A má notícia é que o resultado da segunda pesquisa do Datafolha,
divulgado nesta terça-feira (24), aponta redução na diferença entre o prefeito
tucano Bruno Covas, candidato à reeleição, e o psolista Guilherme
Boulos. Em relação à pesquisa
anterior, realizada nos dias 17 e 18 de novembro e divulgada em 19 de novembro, Covas manteve o percentual, enquanto Boulos
oscilou de 35% para 40%. Ainda segundo o instituto, o percentual dos
eleitores que tencionam votar em branco ou anular o voto caiu de 13% para 9% e
o dos que não souberam ou não quiseram responder, de 4% para 3%. Levando em
conta somente os votos válidos, Covas tem 55% e Boulos, 45%.
Observação: Só há previsão legal de segundo turno em eleições municipais para o cargo de prefeito, e apenas em cidades não com mais de 200 mil habitantes, mas, sim, com mais de 200 mil eleitores registrados. No primeiro turno, vence o candidato que obtém 50% dos votos válidos mais um voto. Caso ninguém alcance esse quórum, os dois mais voltados disputam o segundo turno, quando então o candidato que receber mais votos atenderá automaticamente o critério constitucional de maioria absoluta de votos válidos. Num hipotético universo de 100 votos, considerando 20% de nulos e brancos, vence quem obtém mais de 40 dos 80 votos remanescentes (os "válidos"), No caso de um improvável empate (no nosso exemplo, se cada um dos dois candidatos somasse 40 votos) assumiria o cargo o mais velho dos dois (cronologicamente falando).
Covas pode não ser — como de fato não é — o melhor prefeito que esta cidade já teve, mas tem garra, e eu o admiro por isso. Nem o câncer — descoberto em novembro de 2019 — nem a Covid-19 — diagnosticada em junho deste ano — afastaram-no da prefeitura.
É certo que algumas de suas
iniciativas visando à adesão dos paulistanos ao isolamento social — tais como o
bloqueio de ruas e avenidas e o estapafúrdio mega rodízio — tinham tudo para dar
errado (tanto é que foram suspensas dias depois da implementação).
Anteontem, questionado sobre essas asneiras no programa Roda
Viva (da TV Cultura), o tucano relativizou o fiasco. E também negou a famigerada
“segunda onda” do coronavírus, a despeito de as internações terem crescido
20%. O prefeito até reconhece uma “variação positiva” nas internações, mas segue
alegando que a situação está “estável”.
Não sei se é uma boa estratégia. Veremos isso melhor daqui a
algumas horas, quando o Ibope divulgar os resultados de sua segunda
pesquisa. No mais, eu também acho prematuro falar em “segunda onda”, já que a primeira
ainda não passou.
Sobre o candidato do Psol — que traz a tiracolo a pior
prefeita da história de Sampa —, vale lembrar que Boulos herdou do candidato petista de passado duvidoso o apoio do picareta
dos picaretas. E se Lula o apoia, é porque boa coisa ele não é. Mesmo que esse
apoio soe tão “sincero” quanto lágrimas de
crocodilo.
Aliás, não se sabe ao certo se Jilmar Tatto soçobrou apesar do suporte do grão petralha ou devido a ele. Ao fim e ao cabo, desde que produza o mesmo efeito no candidato do Psol, isso não faz a menor diferença.
Boulos comanda o MTST e é metido a pensador universal. Mas sua ignorância de manual só é superada pela arrogância dos que se consideram acima da lei. Entre outras abilolices, ele fala em implantar, a partir da ocupação de imóveis ociosos, o que chama de “produção habitacional de interesse social”, bem como em estruturar o chamado “Núcleo de Mediação de Conflitos Fundiários”, cuja função será buscar a conciliação em “ações que envolvem despejo e reintegração de posse”.
Trata-se, segundo Reinaldo Azevedo (a prova provada de que até um burro cego consegue, eventualmente, mordiscar a canoura) de leninismo tardio, meritocracia militante e estelionato político. E o resultado é uma farsa.
O Ministério Público define o MTST como uma “indústria
de ocupações urbanas” estruturada em uma hierarquia piramidal, na qual os
coordenadores das ocupações são subordinados aos coordenadores regionais, que
por sua vez respondem aos estaduais. No topo da pirâmide está o coordenador
nacional, que acontece de ser o professor formado em filosofia com
especialização em psicanálise que atende por Guilherme Boulos
Boulos vem de uma família de classe média alta, mas decidiu abraçar a causa dos sem-teto como se isso fosse uma espécie de renúncia religiosa. É o João Pedro Stédile das cidades, para lembrar o chefão do MST, o economista que está a muitas léguas da formação intelectual do povo que ele mobiliza.
Desde Lênin e Trotsky, dois dos líderes da revolução
russa que vinham de famílias ricas — o pai do primeiro era um burocrata do
czar; o do segundo, um rico latifundiário —, esses extremistas oriundos da
elite econômica assumem certa aura de santidade, de intocabilidade, como se
tudo lhes fosse permitido. Afinal, pensam alguns, se eles renunciaram aos bens
materiais, então não estão pensando em si mesmos e só no bem do próximo.
Mas o fato de alguém decidir viver uma vida humilde não o coloca acima do bem e do mal. Pode-se fazer essa escolha por uma ambição ainda maior do que a de bens materiais: a ambição de reformar o mundo, nem que seja na marra e sem atentar para os prejuízos de terceiros.
Não consta que Robespierre,
o maior assassino da Revolução Francesa, quisesse algo para si,
pessoalmente. Ao contrário até: era inteiramente dedicado à sua causa. E,
cegado por ela, respondeu pela morte de milhares, até que a sua cabeça foi
cortada pelo sistema que ele mesmo inventou. Stálin, por seu turno, não
queria ser rico. Queria o poder.
A invasão de imóveis privados é feita por meio de comboios
que levam os sem-teto recrutados em outros terrenos invadidos. Com exceção da
cúpula do MTST, os sem-teto não são informados previamente do endereço e
devem manter os celulares desligados. São convocadas pelo menos cem pessoas,
incluindo idosos e crianças, para impedir uma ação de reintegração de posse
imediata da PM. Nos dias seguintes à invasão, militantes distribuem
folhetos e carros de som circulam pela região convocando pessoas a aderirem à
invasão. Uma beleza!
Tudo somado e subtraído, da proposta de Boulos não se ouve nada sobre melhorar a gestão nas diversas áreas. Ele defende mais contratações para aumentar a arrecadação previdenciária. Promete mais procuradores para cobrar a dívida ativa. Para a saúde, mais médicos. E assim por diante.
A economista Zeina Latif, uma das mais respeitadas do Brasil, garante que a lista de promessas do candidato do Psol é “inexequível”. Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo no último dia 19, ela salienta que o político reproduz o discurso da velha esquerda que não acredita em restrição orçamentária e acha que tudo se resolve com mais recursos. “Embora com tom mais moderado, ele repete o nefasto e equivocado discurso populista”, afirma Latif. “A lista de promessas de campanha é inexequível, pela falta de recursos e por contemplar medidas tecnicamente equivocadas”, destaca.
Para encerrar: Debate
entre Bruno Boulos e Guilherme Covas (por Guilherme Fiúza)
— Absurdo o que você fez no trânsito de São Paulo.
— O que foi que eu fiz?
— Colocou punho cerrado na luz de pare/siga.
— E daí? É o símbolo do Black Lives Matter. Você fala inglês?
— Óbvio que falo. Como é que eu ia fazer sucesso na Vila Madalena
sem falar inglês?
— Isso é verdade.
— Aqueles artistas que eu levo pra tirar foto no acampamento com
maquiagem de cara suja também não passariam nem na minha porta se eu não
falasse inglês.
— Acampamento tem porta?
— Não é da sua conta. Usei uma metáfora.
— Eu entendi. Também acho fundamental sem-teto usar metáfora.
Aliás, acho chiquérrimo.
— Obrigado. Como diria Dostoievski, beleza é fundamental.
— Vinicius.
— Hein?
— Quem disse isso foi Vinicius de Moraes. E não tava falando de
metáfora, tava falando de mulher.
— Como é que eu vou citar um boêmio de Ipanema num acampamento
sem-teto? Na minha área só entra escritor russo. E eu falo o que eu quiser
nesse debate, porque os checadores estão de folga.
— Como assim? Eles não trabalham no segundo turno da eleição?
— Aqui em São Paulo, não. Como ficamos nós dois, eles relaxaram e
deixaram com a gente. Eleição fake news free.
— Uau, agora você arrasou. Se eu não fosse candidato votava em
você.
— Thanks. Quer dizer, valeu. Eu jamais votaria em você.
— Poxa, é assim que você responde à minha gentileza progressista?
— Sorry. É que eu tenho que manter a minha fama de mau.
— Entendo. Mandar queimar pneu e quebrar tudo não combina com a
nossa sofisticada urbanidade, né?
— Exatamente. Eu fiquei todo arrepiado quando te vi mandando
soldar porta de comércio. Pensei: esse cara é bom, vou votar nele. Aí lembrei
que eu ia ser candidato também, então é o seguinte: absurdo isso que você fez!
— Ué, você acabou de dizer que gostou…
— Absurdo você não ter soldado todas as portas da cidade.
— Calma. Por isso sou candidato à reeleição.
— Mentira. Você teve tempo de soldar muito mais portas do que
soldou.
— Se eu soldasse todas as portas como é que você ia invadir?
— Nunca ouviu falar de retroescavadeira?
— Ué, tá no partido do Ciro Gomes?
— Não. Mas fizemos uma vaquinha e compramos a retroescavadeira do
Cid. Como você mesmo já disse, acampamento não tem porta.
— Confesso que estou gostando do seu programa de governo.
— Obrigado. Você é muito educado.
— Você também. Ops… Quero dizer… Você é muito rude e malvado.
— Imagina. São seus olhos.
— Um abraço aos seus amigos do Leblon. Pena que eles não votam
aqui, senão você ganhava.
— Ué, você tá torcendo pra mim?
— Não sei. Estou indeciso.
— Tem muito indeciso nesta eleição. Eu também estou.
— Normal. Não é fácil frequentar as mesmas festas, puxar o saco
dos mesmos artistas, fazer a mesma pantomima politicamente correta e na solidão
da urna ter que trair uma alma gêmea.
— Agora me emocionei. Snif…
— Segura o choro, companheiro. Olha a sua fama de mau.
— É que você diz coisas tão bonitas… Os tucanos são líricos. Me
lembro daquele colóquio do Doria com o Alexandre Frota, e o Rodrigo Maia aos
prantos. Não sou só eu que me emociono.
— Isso é porque você não viu um sarau filosófico do Fernando
Henrique com o Luciano Huck.
— Que tal?
— Transcendental.
— Imagino. Mas não posso transcender ainda, tenho muito pneu pra
queimar.
— Isso, uma revolução de cada vez. Falar em rua, você podia fazer
umas labaredas em frente ao punho cerrado que eu botei na luz de pare/siga.
— Puta foto.
— Primeira página da Folha.
— Com certeza. Mas foi bom você lembrar: que absurdo foi esse que
você fez no trânsito de São Paulo?
— Ué, achei que você tinha gostado.
— É genial, mas tem o mesmo problema de soldar porta do comércio:
por que não fez luz de punho cerrado em todos os cruzamentos da cidade?
— O dinheiro não deu. Tive que comprar muito caixão pra apavorar a
população. Administrar é fazer escolhas: tem uma hora que ou você apavora, ou
você irrita.
— Nessa parte de irritar, você perdeu muito tempo com aquele
rodízio burro de carros pra fingir salvar vidas, aglomerando o transporte
público enquanto repetia “fique em casa”. Tinha que ter concentrado nas luzes
de punho cerrado. A demagogia infantiloide e sem pretexto irrita muito mais.
— Tem toda a razão. Meu voto é seu.
— De jeito nenhum. O meu voto é que é seu.
— Nada disso. Votaremos os dois em você.
— Não estou à vontade pra votar em mim. Me sinto um pouco egoísta
e autoritário.
— Isso nunca! Democracia acima de tudo. Dane-se o voto.
— Apoiado. Vidas frívolas importam.
— Me empresta a sua maquiagem?
— Claro. A de intelectual ou a de besta-fera?
— A de revolucionário.
— Ah, entendi. Partiu Vila Madalena?
— Sextou.