Houve de tudo um pouco no primeiro turno das eleições municipais. De ataque DDoS contra os servidores do TSE a atraso na divulgação dos resultados. Sem mencionar as inevitáveis estapafurdices do “Mito”: inspirado em seu patético ídolo e estimulado pelo fiasco retumbante de dezenas de candidatos que apadrinhou, sua excelência resolveu pôr em xeque (com o prestimoso apoio da filharada e de bolsonaristas de raiz) a lisura do pleito. De novo.
Em março, Bolsonaro disse que apresentaria “em breve” apresentar provas de "fraude" nas eleições de 2018 (que ele venceu, diga-se). Na semana passada, acusou o sistema eletrônico tupiniquim de ser "passível de fraude". Nesta segunda, voltou a defender o voto impresso como forma de ter um sistema que "não deixe dúvidas" ou "margem para suposições".
Sobre os incidentes cibernéticos, o ministro Luís Roberto
Barroso confirmou uma tentativa de "ataque hacker" à rede do
tribunal, mas destacou que foi
totalmente inócuo. “O ataque de hoje [15] partiu de computadores do Brasil,
dos EUA e da Nova Zelândia, e se chama ‘ataque distribuído de negação de
serviço’ [DDoS], com o objetivo de derrubar os sistemas do TSE, o que não
ocorreu”, disse o magistrado.
Observação: Diferentemente dos ataques DoS
(Denial Of Service, em inglês), que envolvem apenas um atacante, no DDoS
(Distributed Denial of Service, em inglês) um computador “mestre” escraviza
várias máquinas “zumbis” e as faz disparar requisições de pacotes de dados a um
determinado servidor, todas ao mesmo tempo e de maneira ininterrupta, até
esgotar sua capacidade de atender as solicitações, levando-o a reiniciar ou
simplesmente travar. Mal comparando, seria como se um grupo de pessoas combinasse
de ligar ao mesmo tempo para o PABX de uma empresa, sobrecarregando a linha troncos e os ramais até o número dar sinal de ocupado.
Somente sete dos 45 candidatos a vereador que apareceram no
“horário eleitoral gratuito” nas redes sociais do capitão-cloroquina foram
eleitos. Entre os prefeitos, Gustavo Nunes venceu a disputa em Ipatinga
(MG) e Mão Santa se elegeu em Parnaíba (PI). Em São Paulo, Celso
Russomanno ficou em quarto lugar; no Rio, Marcelo Crivella passou
para o segundo turno, a exemplo do Capitão Wagner, em Fortaleza (CE).
Observação: Com mais de 50% de rejeição popular, o
sobrinho do bispo papa-dízimo da Universal dificilmente conseguirá fazer frente
a Eduardo Paes, em que pese a
ficha-corrida do ex-prefeito).
Bolsonaro saiu do processo eleitoral menor do que entrou, e não pode atribuir o infortúnio senão a si mesmo, pois exerceu, na sua plenitude, a prerrogativa de construir o seu próprio caminho para o vexame. Ensaiou os primeiros passo quando deixou o PSL. Sem partido, fez escolhas suprapartidárias. Abraçou-se a afogados e não teve força para içar seus favoritos. Em alguns casos, funcionou como bola de ferro. Eleito como adepto do presidencialismo sem coalizão, tinha no PSL o seu esteio. Na Câmara, dispunha dos votos dos 53 deputados do partido. Imaginou-se que aproveitaria os primeiros meses no Planalto para engordar a legenda. Ledo engano. Mandou expulsar desafetos e não atraiu um mísero parlamentar. Ao tomar o caminho da porta de saída, foi seguido por apenas 19 deputados. Ou seja: trocou o apoio de 100% pela lealdade de 35,8% e terminou no colo do centrão.
Obcecado pela ideia da reeleição, deveria ter aproveitado a eleição municipal para consolidar o PSL nas
principais cidades do país. A legenda dispõe de dinheiro e tempo de propaganda
no rádio e na TV. Juntos, o fundo partidário (R$ 113,9 milhões) e o fundo
eleitoral (R$ 245,2 milhões) do partido somam R$ 359 milhões. Em vez de se
entender com a legenda que cresceu na sua aba, criou um sururu. Ficou sem
bancada e sem dinheiro. Tentou criar seu próprio partido, mas não conseguiu. A
disputa municipal de 2020 seria uma oportunidade para estruturar uma máquina
partidária nacional, equipando-se para 2022. Mas Bolsonaro é Bolsonaro,
e Bolsonaro não costuma perder nenhuma oportunidade de perder
oportunidades.
Crivado de recados, o mito dos bolsomínions assistiu pela TV
à derrota dos candidatos que apoiou. Sem se dar conta de que Internet não tem
borracha, correu às redes sociais para apagar a lista dos seus preferidos. De
todos os waterloos que o domingo lhe impôs, o mais devastador foi São Paulo,
onde afundou abraçado a Russomanno. E exibiu nas redes sociais uma pose
de Napoleão desentendido. "Há 4 anos Geraldo Alckmin elegeu João
Dória prefeito de São Paulo no primeiro turno", anotou o Napoleão
do Alvorada no Twitter. "Dois anos depois Alckmin obteve
apenas 4,7% dos votos na disputa presidencial."
Obcecado por 2022, o capitão-conversinha olha para 2020 pelo retrovisor
sem se dar conta do essencial: o êxito do prefeito tucano Bruno Covas,
da turma do "fique em casa", explica porque 50% dos paulistanos
rejeitam o presidente da "gripezinha".
Em política, o pior cego é o que se recusa a ouvir as urnas.
A onda de extrema-direita que levou o dublê de mau militar e parlamentar
medíocre ao Planalto virou marola em 2020. Mas ele leva a mão à
prancha. Enxerga na conjuntura eleitoral uma "clara sinalização de que
a onda conservadora chegou em 2018 para ficar". Demora a perceber que
os principais surfistas desta eleição municipal são os partidos conservadores
do centrão e assemelhados, ávidos por conservar suas boquinhas. Olha para o
futuro com olhos de Donald Trump. Defensor do voto impresso, vê o atraso
como aperfeiçoamento. "Para 2022, a certeza de que, nas urnas,
consolidaremos nossa democracia com um sistema eleitoral aperfeiçoado."
Bolsonaro evocou "Deus, pátria e família".
Deus, como se sabe, existe. Mas a desenvoltura do presidente prova que Ele já
não é full time. Permitiu que a famiglia Bolsonaro se casasse com a
pátria e fosse morar no déficit público. Incomodados, os maricas esboçaram nas
urnas uma certa impaciência com o fato de ter que atravessar uma conjuntura tão
despida.
Com Josias de Souza